Últimas indefectivações

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Uma equipa brilhante


"A equipa feminina de hóquei em patins do Sport Lisboa e Benfica perdeu um jogo para o campeonato nacional. Decorem bem esta frase, porque há mais de sete anos que não era escrita ou dita por ninguém. O projecto feminino desta modalidade iniciou-se na época 2012-13 e, desde então, o plantel liderado pelo mítico Paulo Almeida sagrou-se sempre campeão de Portugal. São sete títulos consecutivos, seis Taças de Portugal, sete Supertaças e uma Taça Europeia Feminina.
Ao longo destes anos, não são apenas os títulos a merecer destaque, é também a entrega. E o profissionalismo. Sem esquecer o talento. Do nada, o SL Benfica criou uma das equipas mais fortes do mundo. Golos são às centenas, e não faltam horas e mais horas de espectáculo no currículo. Graças ao trabalho deste plantel, ficámos cada vez mais familiarizados com os grandes nomes desta modalidade, como Maca Ramos, Maria Sofia Silva ou Marlene Sousa, entre muitas outras mulheres que vestiram - e vestem - a nossa camisola. Assistimos, ao vivo e pela BTV, a momentos históricos do desporto português, como a conquista europeia de 2014-15, a primeira vez que uma equipa não-espanhola ganhou a competição. Vimos também o avolumar de um recorde praticamente sem paralelo a nível mundial, mas, como sabemos, todos os recordes nasceram para ser quebrados. E aconteceu, na partida da semana passada, frente ao Sporting Clube de Portugal. É feito digno de registo por parte das nossas adversárias, tal como já tinha sido alcançado em Junho de 2013, quando o SLB perdeu com o GDR 'Os Lobinhos', a última derrota antes desta.
É legítima a satisfação de quem nos conseguiu ganhar um jogo, mas é ainda mais legítimo o orgulho que um benfiquista sente quando olha para o Museu Benfica - Cosme Damião e vê a colecção de taças conquistadas pela brilhante equipa feminina de hóquei em patins do patins do Sport Lisboa e Benfica. Uns contentam-se com um percalço, com o quebrar de uma série épica de vitórias. Já nós ficamos com os títulos. É a ordem natural das coisas no Glorioso.
Bravo, meninas!"

Ricardo Santos, in O Benfica

Adel Taarabt, classe pura


"O leitor viu a classe de Adel Taarabt na entrevista que concedeu ao jornal Record? Parecia que estava a falar com a bola nos pés. O jogador marroquino falou abertamente da forma como ao longo dos anos alterou a sua visão daquilo que é o futebol, do prazer em jogar, à honra em vestir a camisola do Benfica. Do treinador, dos colegas, dos objectivos. Parece-me que apenas não abordou a questão das bolas de Berlim que cortou do menu diário do lanche, o que demonstra alguma falta de preparação do jornalismo que conduziu a entrevista, que se esqueceu completamente deste tema incontornável. O Taarabt desperdiçou alguns anos da carreira por culpa própria e nas últimas épocas relançou-a por mérito dele.
No meio de tanta categoria em cada explicação - pode ler e ouvir a entrevista completa no site do Benfica - fiquei perplexo com uma declaração completamente absurda sobre a Liga Europa: 'Temos mentalidade para ganhar, mas se te disser que vamos ganhar... não sou um mágico, não o posso dizer'. Em relação às probabilidades de sucesso na competição não tenha nada a apontar, pois bem sabemos por experiência própria que é altamente imprevisível. Porém, o Taarabt afirmar que não é mágico quando brinda os adeptos com diversos truques de magia em quase todos os jogos não consigo compreender. As linhas de passe podem estar trancadas a sete chaves, mas o homem é sempre capaz de sacar uma carta da manga e encontrar uma nesga de espaço. E ainda por cima joga de manga curta, pode lá ele achar que alguém acredita que foi formado no Lens. Todos sabemos que a formação do Taarabt foi na Universidade Luís de Matos."

Pedro Soares, in O Benfica

Orgulho


"Num ano particularmente difícil para Portugal e para o mundo, quando escasseiam as boas notícias e precisamos de algum alento, há que dizer que o desporto português tem feito a sua parte.
Depois de uma empolgante Volta a Itália, onde os ciclistas lusos João Almeida e Rúben Guerreiro brilharam a grande altura, agora foi a vez de Miguel Oliveira nos encher de orgulho no Moto GP.
É verdade que o motard de Almada já antes tinha alcançado uma vitória, no Grande Prémio da Estíria (a primeira de sempre para o nosso país na categoria-rainha do motociclismo). Mas nessa ocasião obtivera o triunfo sobre a linha de meta, num emocionante final de corrida em que a sorte acabou por pender para o seu lado. Agora, no Autódromo Internacional do Algarve, não só alcançou a primeira pole position da carreira como também largou disparado, aumentado progressivamente a vantagem volta após volta, deixando que os adversários o voltassem a ver apenas quando subiu ao lugar mais alto do pódio para ouvir o hino nacional. Se a primeira vitória até podia ser atribuída ao acaso, esta não deixou dúvidas de estarmos perante um potencial campeão do mundo.
A estas conquistas podíamos juntar os triunfos de Fernando Pimenta na canoagem, as medalhas conquistadas por portugueses nos Europeus de ciclismo de pista e de judo, ou o apuramento da selecção nacional de andebol para a fase final do Mundial.
O ano de 2020 não deixará saudades quanto aos aspectos mais importantes das nossas vidas. Mas os atletas portugueses, em diferentes planos, estão a fazer por mitigar esse sofrimento, trazendo pontualmente os sorrisos de que o país tanto carece."

Luís Fialho, in O Benfica

Telma e Rochele


"A participação dos nossos cinco judocas no Campeonato da Europa de Judo, na República Checa, foi bastante positiva. Foram duas medalhas conquistadas. Telma Monteiro e Rochele Nunes brilharam nas suas categorias e provaram que são duas das maiores judocas mundiais. Bárbara Timo, regressada de uma lesão, Rodrigo Lopes e Anti Egutidze perderam os seus combates, mas mostraram estar em forma. E se Rochele Nunes já nos habituou a grandes feitos, em Praga conquistou uma medalha de bronze, a primeira numa grande competição internacional. Desde Janeiro de 2019 até este mês de Novembro, conquistou oito medalhas. Mas é sobre Telma que os holofotes da sua 14.ª medalha em Europeus, falhando o ouro por detalhes. Telma vai fazer 35 anos no próximo dia 27 de Dezembro e está cada vez melhor. Ninguém sabe até que idade irá competir a melhor judoca portuguesa de todos os tempos. 'Pensas sempre que atingiste o teu limite, ate que te superas uma e outra vez'. Esta é uma das suas máximas. O seu palmarés é impressionante - 5 medalhas em Mundiais, 14 em Europeus, 3 em Jogos Europeus, 4 em Masters, 10 em Grand Slam, 9 em Continental Championships, 7 em Grand Prix, 6 em Continental Opens, 3 em World Cups e uma em Jogos Olímpicos. Contas feitas, são 62 as medalhas conquistadas. O seu próximo grande desafio são os Jogos Olímpicos, onde participará pela quinta vez. Em Tóquio teremos a Telma de sempre - 'Sê a tua própria concorrência, compete contra ti mesmo'. Para o nosso futuro Centro de Alto Rendimento, seria justo afixar nas paredes algumas das suas máximas: 'Quando tudo parecer perdido, olha para dentro de ti - é aí que encontrarás força para continuar', 'Não desistas antes de a luta acabar; até a batalha terminar, tudo pode acontecer' e 'Não te assustes com as dificuldades, sê forte nos momentos de fraqueza e humilde nas vitórias'."

Pedro Guerra, in O Benfica

Agir, sempre!


"Decorreu há pouco a Semana da Responsabilidade Social promovida pela Associação Portuguesa de Ética Empresarial.
Exclusão, capital humano e sustentabilidade foi o tema, ou, a teia complexa de atilhos que se enrolam no nosso tecido social, perpetuam a pobreza e a injustiça e, consequentemente, atrasam o desenvolvimento do país e comprometem o nosso futuro colectivo.
É assunto sério e da abordagem complicada porque, à primeira vista, se revela simples, uma vez que estamos ao nível dos sintomas e da superfície deste problema social. Mas um olhar mais atento e profundo, atento aos aspectos estruturais da pobreza e exclusão na nossa sociedade e economia, logo se desdobra em múltiplas, dimensões e revela essa teia complexa a que muitos chamam 'círculo vicioso de exclusão'. Para adensar a dificuldade em compreender a questão, porque sem entender o mal não se cria remédio, a globalização, o avanço tecnológico, a sociedade de informação e outras tantas benesses do progresso parecem cavar o fosso da exclusão, aumentar a concentração de riqueza e propagar a pobreza como um vírus incurável, verdadeiramente pandémico, capaz de singrar tanto em ditaduras como em democracias como a nossa, que tanto nos custou colectivamente alcançar.
Pobreza energética, infoexclusão e exclusão digital vieram juntar-se aos já velhinhos problemas que apoquentavam o séc. XX, como o baixo rendimento familiar, o baixo nível médio de qualificação, o abandono e o absentismo escolares, a exclusão dos diferentes e tantos outros. No fundo, pelo meio de toda esta novidade, conclui-se sempre o mesmo: quanto mais pobre se é, mais pobre se tende a ficar, assim como o oposto, que também é válido. Portanto, desengane-se quem está bem e não sente directamente estes problemas, porque eles lhe escavam o terreno debaixo dos pés sem dar conta e, como diz o povo, sempre sábio, ninguém está bem quando tudo está mal à sua volta, por bem que lhe pareça. Mas, sobretudo, como se ouve há muito nas planícies alentejanas, 'terra que dá cardos não dá pão!'.
Por isso, temos todos de acordar e assumir que estas coisas existem e não se podem disfarçar com conclusões fáceis e ditoches engraçado-xenófobos. Pelo contrário, essas são um problema de todos e de cada um de nós, que não se pode delegar pura e simplesmente nos sistemas de governança, que a todos convoca na construção de um Portugal sustentável e reclama sobretudo acção. Porque a solidariedade, ou responsabilidade social, não é apenas uma causa humanitária, mas um desígnio nacional.
O Benfica sabe bem disso e Age!"

Jorge Miranda, in O Benfica

78.º, o ano que nunca tínhamos vivido


"1. A edição que o leitor tem nas mãos (ou no seu ecrã) celebra o 78.º aniversário do órgão de informação que, em publicação praticamente continua desde 28 de Novembro de 1942*, o Sport Lisboa e Benfica se orgulha de preservar como um ícone da Imprensa desportiva em Portugal e na Europa, absolutamente singular pelo seu espírito e pela natureza dos seus conteúdos.
2. O tempo traz e leva todas as águas que vão passando sob as pontes, mas, de facto, este foi um ano muito difícil para o país e o mundo. E, procurando o nosso Jornal ser um espelho do Benfica, da mesma forma que o próprio Glorioso reflecte Portugal, ao longo deste período o leitor veio naturalmente encontrado no conjunto destas páginas esses sinais de surpresa e perplexidade, de aflição e esperança que nos têm tocado a todos e, de modo tão especial, aos nossos heróis nos campos, nas quadras, nas piscinas, nos tapetes e nas pistas, que tanto estranharam a nossa falta à sua volta.
3. A rara imagem, agora desesperadamente tornada constante, de estádios e pavilhões assim despidos e mudos, tal como a ausência da partilha das emoções de jogo ao vivo com a nossa família e os nossos amigos a que nos vemos constrangidos sem remissão, constitui a mais triste síntese da deslocação e da estranheza em que hoje se disputa a competição.
4. Um jornalista, todos os nossos jornalistas - como todos os restantes colaboradores -, sendo jovens, estão a viver este período em circunstâncias inteiramente inéditas para eles, como para nós, os mais velhos, que também jamais tínhamos experimentado conjuntura tão estranha para cumprir a missão que o Sport Lisboa e Benfica nos definiu.
5. Mas nada, absolutamente nada, alguma vez deixou alterar o mesmo espírito com que, em cada semana, sempre se inscreve cada linha e cada espaço, nas páginas de que se compõe o corpo de edição deste órgão de informação.
6. Essa essência do jornalismo permanece aqui. Há setenta e oito anos cumpridos, neste mesmo Jornal que o director fundador José de Magalhães Godinho e o editor Júlio Ribeiro da Costa sonharam e semanalmente preparavam na Redacção da mítica 'Secretaria'' na Rua Jardim do Regedor, para (curiosamente) ser impresso no n.º 1 1-C da velha Rua da Luta, à Vítor Cordon (actual R. dos Duques de Bragança), na Tipografia da revista 'Renascença'.
7. A verdade e o rigor dos registos sempre se mantiveram como património herdado e cumprido conforme o espírito e a letra do nosso Estatuto Editorial e as imutáveis regras da deontologia e da ética. Essa constitui a matéria de melhor honrarmos o Sport Lisboa e Benfica, na qual os adjectivos se dispensam para se privilegiarem os factos e os protagonistas, de modo a que a celebração das vitórias, como a tristeza das derrotas, sempre fosse genuinamente entregue à sabedoria dos leitores.
8. Perante o nosso desígnio e com esta determinação - não esquecendo ter sido este o ano especial em que pudemos dar testemunho das mais concorridas Eleições de sempre no Clube e em qualquer instituto associativo em Portugal - para nós nunca haverá anos 'bons', nem anos 'maus'. Mas a verdade é que 'este' nosso tão exógeno septuagésimo oitavo ficará para sempre, e pelo menos, como 'aquele' que, de facto, nunca tínhamos vivido..."

José Nuno Martins, in O Benfica 

Capacidade de recuperação


"A nossa equipa alcançou, ontem, um empate a duas bolas no Estádio Ibrox, o reduto do Rangers, depois de se ver em desvantagem por 2-0. A resiliência e a vontade férrea de ultrapassar as adversidades são já uma imagem de marca do nosso plantel, nunca desistindo de procurar o melhor resultado possível em cada jogo.
Eram bem conhecidas as dificuldades que o Rangers poderia colocar à nossa equipa, já de si significativamente desfalcada para o encontro na Escócia.
Todos nos recordávamos do jogo na Luz, realizado há três semanas, assim como tivemos oportunidade de ver a equipa escocesa em ação, na temporada passada também na Liga Europa, frente a Porto e Braga, saindo vitoriosa em três desses encontros e empatando outro. Acrescia a invencibilidade na presente temporada, sendo que, no seu estádio, obtivera o pleno de triunfos e sofrera apenas um golo nas dez partidas realizadas.
A vantagem madrugadora do nosso adversário não perturbou a nossa equipa, que logo reagiu procurando dominar o encontro. O resultado não sofreu alterações até ao intervalo, sendo que o empate seria o mais justo face às exibições de ambas as equipas. No segundo tempo o Benfica reentrou focado em alterar o rumo dos acontecimentos, mas foi o Rangers a ser mais feliz, chegando a 2-0.
A forte reação da nossa equipa ao segundo golo escocês, acreditando sempre que poderia trazer um resultado positivo da Escócia e na sequência das alterações promovidas por Jorge Jesus, deu frutos, chegando ao 2-2 que se manteve até ao apito final.
Em causa estava o eventual apuramento, à quarta jornada, para a fase seguinte da Liga Europa. Com o empate conseguido em Glasgow, Benfica e Rangers continuam a partilhar a liderança, agora com cinco pontos de vantagem sobre Lech Poznan e Standard Liège, com duas partidas por disputar.
O regresso à Liga Europa está agendado para a próxima semana, dia 3 de dezembro, na Luz, frente ao Lech Poznan. O objetivo será vencer, sendo que um empate poderá garantir o apuramento para os 16 avos de final da prova.
Mas agora o principal foco está já no regresso do Campeonato com a sempre difícil deslocação à Madeira para defrontar o Marítimo a contar para a oitava jornada da Liga NOS (próxima segunda-feira, dia 30, às 19 horas) com a confiança e ambição de sempre!"

Julian Weigl é alemão para “mal aproveitado”


"Foram 20 os milhões despendidos pelo SL Benfica para contratar Julian Weigl ao BVB Dortmund, no mercado de inverno de 2020. Foram 21 as presenças de Weigl em partidas pelos encarnados na meia temporada de estreia. Por outras palavras: chegou para ser opção. No entanto, a opção pela utilização de Weigl nunca foi totalmente pacífica – nem diga-se totalmente correspondida.
O médio alemão aterrou em Lisboa atravessavam as águias áureos tempos – mais ou menos, vá -, com o miolo do terreno geralmente entregue a Gabriel e Taarabt. A coisa dava-se. E dava-se bem. Mas chegou Weigl. E chegou por 20 milhões de euros. E chegou da Bundesliga. E chegou do Dortmund. E isso parece ter pesado. Não devia.
Para bem da equipa e do jogador. O entrosamento com os colegas era nulo, o conhecimento do treinador e das suas ideias era inexistente e a integração na nova realidade era embrionária quando Weigl agarrou uma titularidade que – então – não merecia e à qual não podia corresponder. Foi fácil pegar na máquina de fazer rótulos – sempre tão à mão – e aplicar o de “flop” ao internacional alemão. 
Não o é. Weigl é um jogador de imensa classe e que equilibra com facilidade uma equipa. Não vai fazer crescer uma equipa que está de rastos – nenhum jogador o faz sozinho; mas quando a equipa está bem, estará sempre melhor com Weigl. Então, ´bora aproveitá-lo, né?
Depende. De Jesus. Depende do que o atual treinador do Benfica, que não foi quem ratificou a contratação do alemão, pretende para o seu meio-campo – se ele mesmo o já souber.
Não obstante a muita qualidade posicional e com bola de Weigl, o porte menos possante que comporta e a pouca capacidade de choque e recuperação da posse da bola que apresenta são passíveis de fazer JJ instigar com insistência a administração encarnada a avançar para a contratação de um médio mais “à medida” – e com as medidas – do treinador português.
Naturalmente, perante a parca utilização do médio, circulam já rumores de que a sua saída em definitivo pode ser o desfecho da relação que estabeleceu há menos de um ano com o clube da Luz. O preço estipulado, dizem, é de 25 milhões de euros. O preço estipulado, digo eu, é curto. A eventual saída, continuo, é um erro.
Weigl ainda pode dar muito ao SL Benfica. Mesmo com JJ. Mesmo com concorrência. Pode convergir em campo com vários jogadores do plantel – Florentino, se e quando regressado, seria talvez o parceiro ideal para formar uma dupla de muita, muita classe, tanto na destruição como na construção.
Embora partilhe a opinião vastamente disseminada de que é premente reforçar o meio-campo encarnado, discordo por completo da ideia de que uma remodelação do miolo tenha de envolver a saída de Julian Weigl."

Só três marcaram mais que Luís Miguel na Liga Europa. Eu sei, eu sei, vocês não querem adorá-lo, mas ele recusa-se a desistir de vocês


"Helton
A sua receção no lance do primeiro golo terá impressionado Marcel Matz, o treinador da equipa de voleibol. Depois de Paredes e Glasgow, segue-se uma viagem aos Açores para defrontar a Fonte do Bastardo. Os fact-checkers dirão que o Benfica jogou com a Fonte do Bastardo a 16 de Novembro, mas vivemos num mundo de pós-verdade por isso desamparem-me a loja.

Gilberto
Gerrard disse aos jornalistas que o Benfica devia estar na Champions League e não na Liga Europa, acrescentando que é uma injustiça para o futebol que jogadores como Gilberto se vejam afastados dos maiores palcos do futebol mundial. Podem procurar as declarações dele.

Jardel
Os rumores de uma goleada no Ibrox foram manifestamente exagerados e isso deveu-se principalmente ao nosso jogador em melhores condições etárias de vir a receber a vacina.

Verthongen
uns dias, enquanto o resto do plantel celebrava a chegada da nova PlayStation, Verthongen publicou uma fotografia nas suas redes sociais com dois manuais de português. Não sou só ganhou o respeito de muitos adeptos como já aprendeu umas coisas. As suas expressões favoritas são “ACORDA GABRIEL”, “***-SE GABRIEL, MEXE-TE ******O” e “geriatria”.

Grimaldo
Foi o melhor do quarteto defensivo, essencialmente pelo que fez para lá do meio campo. A combinação com Everton aos 13 minutos fez o colega brasileiro parecer melhor do que tem sido. Agradeçamos-lhe o esforço.

Gabriel
Não é preciso ser especialista em expressão corporal para analisar o comportamento do Gabriel no lance do primeiro golo. Basta ser do Benfica. É uma vida inteira de aprendizagem. No mínimo pegava numa das três PlayStation que recebeu da Sony e sorteava pelos fãs do Instagram. Talvez estes lhes perdoem.

Everton
Complicado. Parto para cada jogo com a expectativa de ver aquele corpo dançar ao ritmo que seria natural nele, mas em vez de samba no pé aparece-me um Camané com um moicano a cantar sobre as agruras da vida. Vou ligar para a ticketline e pedir o dinheiro de volta.

Chiquinho
Vejo mais convicção em algumas stories de Instagram do Chiquinho do que no seu futebol.

Rafa
Inconformado. Ele bem procurou a baliza, mas a menina do GPS conduziu-o repetidamente até uma cabine telefónica cheia de escoceses. Não é sítio onde alguém queira estar muito tempo, mas o Rafa foi insistindo até entrar alguém que sabia o caminho.

Waldschmidt
Faltou-lhe o irmão uruguaio que ele não sabia que tinha. Tentou enturmar com o primo afastado da Suíça, mas têm gostos muito diferentes.

Seferovic
Como sei que na próxima segunda-feira ele vai marcar o 1-2 nos Barreiros, vou dizer uma daquelas menções honrosas do estilo “trabalhou muito para desgastar a defesa adversária”.

Diogo Gonçalves
Muito bem a ocupar a sua posição natural no terreno de jogo, a de gajo-com-vontade-de-ganhar-isto. 

Pizzi
Trabalhou para deixar o Rangers mais desgastado e apático q.b. por forma a parecer-se com uma equipa da segunda metade da tabela da Liga NOS. A partir daí abriu o livro. Só 3 jogadores marcaram mais golos do que ele nesta Liga Europa, todos pontas de lança. Eu sei que vocês não querem adorá-lo mas ele recusa-se a desistir de vocês.

Gonçalo Ramos
Foi mais ou menos tudo o que os outros não conseguiram ser. As suas últimas exibições fizeram o Paredes do sábado passado parecer o Glasgow Rangers e o Glasgow Rangers parecer um Paredes qualquer.

Ferro
Entrou para segurar o pontinho, não fosse o Gonçalo Ramos fazer mais alguma coisa que decidisse o jogo a nosso favor."

Rescaldo...

O adormecimento encarnado e a possível exploração do corredor oposto


"No pós jogo no Futebol Total do Canal 11, o Pedro Bouças levou para análise o primeiro golo da partida e acrescentou ainda o porquê de ter acontecido o lance mais perigoso dos encarnados na Escócia ao longo do primeiro período num ataque que poderia ter sido mais vezes reproduzido."

Recuperação à Benfica


"Nova recuperação difícil e quase milagrosa contra o Rangers, mas que premeia uma equipa que apesar de todos os erros manteve-se crente e enérgica e consegue resgatar novamente um ponto num jogo que estava perdido.
Mais uma exibição curtissima deste Benfica. Apesar de ter controlado o adversário grande parte do jogo por raramente ter deixado o Rangers transitar com perigo – pela forma como prepara a perda e como defende o contra-ataque -, nunca conseguiu criar situações de criação e consequente finalização. 
Quantidade absurda de perdas de bola, mesmo em situações onde o portador ou o recetor não está pressionado. Nenhuma equipa sobrevive a tanto erro, a posse perde fluidez, não permite chegar de forma recorrente a zonas de criação, obriga a equipa a transitar constantemente e o jogo perde organização e controlo.
Rangers em 433 com 3 linhas bastante rigidas. Benfica mudou a construção, Gabriel deixou de baixar para uma construção a 3 ficando a dar linha de passe à frente dos dois centrais, Chiquinho com mais liberdade e os laterais estiveram hoje mais baixos e mais dentro que o habitual. Linha de passe exterior no extremo sempre aberta.

Laterais dentro, extremos fora. Vantagem clara nos CLs que não foi devidamente aproveitada pelo Benfica.
Posicionamentos interessantes face à organização da equipa escocesa, no entanto algumas incongruências. Linha de passe do extremo fora era clara, mas este deveria ter estado mais alto, mais perto da linha defensiva de forma a ganhar vantagem apenas com o seu posicionamento. Com a equipa do Rangers muito curta em largura, e apenas 3 elementos na linha média, exigia-se mais vezes chamar a equipa contrária a um corredor e utilizar uma cobertura (que não eram bloqueadas) para variar longo para lado contrário e aí sim explorar vantagem que ia ser criada.
Novamente erros individuais que demonstra a fragilidade individual gritante. Duelos defensivos perdidos, más abordagens e falhas de posicionamento são já uma constante esta época.

Grimaldo novamente a perder duelos defensivos que comprometem toda a organização."

Rangers FC 2-2 SL Benfica: Deixou-se o alarme tocar


"A Crónica: Empate Frente Aos Escoceses Volta A Surgir Nos Minutos Finais
Assombrado, o SL Benfica entrava na partida com o Rangers FC com um historial horrendo nas visitas a Glasgow, e talvez se tenha notado isso na exibição de certos elementos.
Não que Gabriel ou Chiquinho estivessem conscientes desse facto – é provável que não -, mas o desempenho do meio-campo titular encarnado foi desse nível. Aliás, a equipa só acordou quando Pizzi deu o abanão técnico necessário a um onze cabisbaixo e sem a classe necessária para jogos deste calibre.
No último quarto de hora, a orquestra funcionou como nunca tinha funcionado esta época, houve aparição superlativa de Gonçalo Ramos e Diogo Gonçalves a cavalgar numa ala direita que se sente demasiado vazia quando lá mora Gilberto.
Comecemos pelo golo de Arfield aos sete minutos e em como esse momento marca todo o encontro: o golo fortuito dos escoceces vai, nessa altura, contra a corrente de um encontro dominado pelo Benfica, que tinha entrado determinado em ter bola e a controlar as operações.
Com 1-0, Gerrard ainda mais convicto ficou de que estava correcto na abordagem e manteve a equipa no seu próprio meio-campo, à espreita de oportunidades para exagerar no contra-golpe.
E fez bem, já que a teia tática impediu o Benfica de grandes aventuras ou travessuras, já que não havia meio-campo para suportar a criatividade dos da frente – Everton, por exemplo, teve na bipolaridade do seu jogo a definitiva prova do seu complicado processo de adaptação à Europa.
Conjugou decisões amadoras com as duas grandes oportunidades da equipa na primeira metade: foi dos seus pés que saiu a combinação com Grimaldo que resultou em remate por cima (12’) e, já perto do intervalo, descobriu Rafa entre as torres escocesas, mas o português hesitou e possibilitou corte in extremis.
Na segunda metade, a mesma toada e o mesmíssimo jogo. Waldschmidt, muito activo nas movimentações, mas inconsequente, ainda ameaçou McGregor aos 47’, mas esse falhanço deverá ter sido a gota de água para Jorge Jesus. Aos 55’ troca-o por Pizzi, tirando também Chiquinho para fazer entrar Diogo Gonçalves – e estavam lançadas as sementes para o grande final de jogo a que se ia assistir.
Porém, a equipa precisou do 2-0, marcado por Roofe após remate indefensável, para acordar. A partir dos 75’, como que por magia, Pizzi arregaçou as mangas e levou a equipa para a frente, com a grande ajuda do miúdo Gonçalo Ramos, que, ao fazer o 2-1 (com a ajuda de Tavernier), galvanizou ainda mais os restantes colegas.
Este balanceamento aliou-se ao défice físico do Rangers, o 2-2 aconteceu naturalmente e estavam reunidos os ingredientes certos para possibilitar a completa reviravolta dos encarnados, possibilitando a primeira vitória de sempre na Escócia.
Mas, estranhamente, e talvez seguindo a fórmula Trapattoni – Não percas um jogo que não podes ganhar – o Benfica desacelarou, pareceu satisfeito com o empate e a entrada de Ferro em troca de Seferovic, perto dos 90’, confirmou a ideia de que era o objectivo principal.
Se era possível ir em busca do terceiro? Sem dúvida.

A Figura
Pizzi Entrou para revolucionar a sala de máquinas encarnada – demorou, mas quando finalmente tomou posse dos comandos, a equipa nunca mais foi a mesma. O golo é prémio merecido para um jogador que não se tem apresentado na plenitude das suas capacidades.

O Fora de Jogo
GabrielA inadmissível passividade nos golos sofridos é um excelente resumo da exibição de Gabriel, que parece cada vez menos confortável na posição mais recuada da linha média. Teve pormenores interessantes, poucos, que se tornam insignificantes quando se observa o número de passes falhados e perdas de bola. Por agora, a titularidade parece excessiva.

Análise Tática – Rangers FC
Gerrard nada mudou da abordagem habitual. Em 4-3-3, Kamara esteve sempre mais preocupado com as missões defensivas, com Roofe e Kent a compensarem o posicionamento com a procura do espaço interior. Morelos foi presa fácil para Verthongen e Jardel, desacompanhado como esteve. Tavernier alugou a ala direita, em incrível demonstração de poderio físico. 

Onze Inicial e Pontuações
McGregor (5)
Tavernier (6)
Goldson (4)
Balogun (4)
Barisic (5)
Kamara (7)
Davis (5)
Arfield (6)
Roofe (6)
Kent (7)
Morelos (5)

Análise Tática – SL Benfica
O facto de Chiquinho e Gabriel se terem estreado enquanto dupla talvez justifique o fraco desempenho dos dois. A equipa, apesar de ter bola, ressentiu-se dessa falta de pulso naquela zona – Everton, Rafa e Waldschmidt tiveram que cobrir o dobro do terreno, desgastando-se para a produção ofensiva. 
Grimaldo surgiu muito bem, próximo do seu melhor nível. Seferovic esforçou-se, tentou procurar uma profundidade que não existia, e cedo se percebeu que o jogo pedia outro tipo de avançado, como se provou na entrada de Gonçalo Ramos – o miúdo procurou entre linhas as associações que não tinha conseguido executar contra o USC Paredes, encontrando-as e possibilitando à equipa manter a bola mais tempo em zonas adiantadas.

Onze Inicial e Pontuações
Helton Leite (4)
Gilberto (4)
Jardel (6)
Verthongen (6)
Grimaldo (6)
Gabriel (4)
Chiquinho (4)
Rafa (6)
Waldschmidt (5)
Everton (5)
Seferovic (3)
Suplentes Utilizados
Pizzi (7)
Diogo Gonçalves (6)
Gonçalo Ramos (6)
Ferro (-)"

Nenhum morrerá tão grande


"Quero lá saber se o homem era imperfeito, interessam-me tanto os excessos do Maradona como as namoradas do Neymar, os impostos do Messi, a família do Cristiano, os quilos do Fenómeno ou os passaportes do Dinho Gaúcho (e assim acho que juntei todos os maiores génios que se seguiram numa frase apenas, que me desculpe o Zidane, certinho na vida como na silhueta, com o maior pecado público cometido ainda em campo, na cabeçada a Materrazzi). Ou seja, o que Don Diego pensava de política, por exemplo, conta para mim tanto como o que o senhor do mini-mercado sugere para o combate à pandemia. Como alguém disse: para quê discutir o que fez com a vida dele, se fez tantos pelas nossas?
Há muito que deixei, aliás, de ver nos jogadores entidades aparentadas ao divino, referências para lá dos jogos, porque nem os maiores génios do relvado são garantia de pensamento elaborado fora dele. Arrumei os meus ídolos no sítio certo: em posters onde surgem de calções e chuteiras. Ou nas memórias em vídeo, com obras de arte desenhadas ao pontapé. E aí são sagrados, intocáveis. Não junte o homem o que deus desuniu, quando permite a poucos eleitos o altar das emoções.
No dia em que morreu Maradona – e tenho de o repetir, porque me custa aceitar: o Maradona morreu – vejo gente que gasta minutos longos para falar de dependência de drogas e de comportamentos errantes de um cidadão? Exemplos desses há tantos milhões, infelizmente. Não faz mais sentido celebrar um talento como não houve outro? Um argentino anónimo diz que quando faltava até a comida na mesa, Maradona foi a alegria dos mais pobres. Valdano, companheiro de ataque na subida ao Olimpo em 86, e que pensa ainda melhor fora dos relvados do que executava dentro dele, não duvida nem por um segundo que privou com o melhor de todos e viu, ali ao lado e a olho nu, um génio em laboração. E despede-se do “grande capitão”, porque Maradona também foi isso - além da intuição pura, para pensar e executar, que o tornou incomparável -, o líder solidário, se necessário rebelde perante os poderes, sempre comprometido com o grupo que ia guiar e fazer acreditar, contraste profundo com um futebol progressivamente mais egoísta e repleto de talentos com umbigo dilatado.
Recuso também a análise feita em manga de alpaca, sempre agarrada a números, golos, títulos ou prémios, que denunciam a ausência de uma paixão verdadeira. Não se pode medir Maradona, porque não há números para preencher a escala de encantamento e emoção que nos deu. A estatística pode dizer que ele só ganhou dois campeonatos e uma prova europeia? Fê-lo num clube, o Nápoles, que nunca tinha vencido algo do género e não voltou a fazê-lo, 30 anos passados desde que deixou o San Paolo. Agora o estádio dele vai passar a ter o nome dele. Nada mais justo. Também só ergueu uma Taça do Rei pelo Barcelona? Vale a pena ver, ver mesmo, que há imagens disso, como Diego foi blaugrana no tempo em que driblar com qualidade era tão relevante como fugir às agressões dos muitos Goicoecheas que encontrou. Uma das duas épocas na Catalunha perdeu-a, em grande parte, a recuperar dessa fratura da tíbia. Mas já antes, entre os 16 e os 21 anos, tinha cinco épocas de registos incríveis, no Argentinos e no Boca. Já era o génio capaz de ganhar jogos sozinho e fê-lo até ao ponto mais alto, num Mundial, como sonhava desde criança.
Jogou quatro mundiais mas deveria ter jogado cinco, que em 1978 já era o maior talento na Argentina, só que Menotti, desconfiado da juventude, como tantos em todos os tempos, não lhe antecipou o trono planetário. Jogou quatro mundiais mas na prática só jogou dois, com saídas prematuras em 82, expulso (bem) por um árbitro, e em 94, expulso (continuo convencido que mal) pela FIFA. Nos dois que jogou mesmo foi sempre até ao fim, festejou uma vez, chorou na outra, mas guiou até ao último momento grupos de rapazes que sem ele seriam coletivos banais. É também por isso que Diego Armando Maradona é incomparável e irrepetível, sinónimo de futebol enquanto espaço de talento, superação e paixão. Ninguém viveu o jogo como ele. Nenhum futebolista morrerá tão grande como ele."

O dia em que conheci Diego Armando Maradona


"No dia 2 de junho de 1986 mudei de religião. Passei de católico praticante por obrigação parental a fiel maradoniano por devoção paranormal. Dia de Campeonato do Mundo, Argentina-Coreia do Sul, eu entregue à ingenuidade dos meus oito anos e Ele a domar a bola com a facilidade de quem acaricia um gatinho.
Próximo passo, colar um poster Dele na parede do meu quarto. Aquela camisola maravilhosa, as faixas verticais, azul claro e branco celeste, calções negros e meias brancas. E as chuteiras pretas, pois então. 
A minha rua conheceu Diego Armando Maradona no dia em que eu O conheci. A rapaziada veio cá para fora, de pernas mal amanhadas e uma bola que saltava mais do que rolava. Quisemos todos ser D10S, O rapaz de peito para fora e coxas grossas, capaz de parar e arrancar com o poder e a agilidade de um Fórmula Um.
Naqueles dias, ver um jogo de Diego em direto era uma bênção. O mês em que todos os dias são domingo, como escreveu Jorge Valdano, demorava quatro anos a chegar e as cadernetas de cromos teimavam em não ganhar a vida que o futebol do nosso astro merecia.
Valdano. Por falar em Valdano, rogo-vos que leiam a crónica em que o antigo avançado e agora poeta/escritor se despede de Maradona. É dura, é maravilhosa e podem lê-la AQUI. As palavras de Valdano tornam irrelevantes todas as restantes crónicas e opiniões, incluindo esta.
Encarem, assim, este artigo como a minha necessária despedida pública do meu ídolo de infância, um ato catártico, quiçá egoísta. A pensar mais em mim do que nos nosso leitores, uma vez sem exemplo. 
Maradona morreu. Desapareceu o melhor futebolista de todos os tempos – desculpa, Messi – e a personagem mais complexa, fascinante e atormentada que algum dia vi. Predestinado e decadente, glorioso e depressivo, génio e louco. Louco, Don Diego.
Quem era Maradona? O homem capaz de alimentar a sorrisos os esfomeados argentinos. O homem capaz de fintar uma equipa inteira e voltar com a bola para trás. O homem que foi demasiado grande para ser apenas humano. Tornou-se impossível ser Maradona e Diego foi esmagado por essa brutal viagem ao lado mais negro da alma.
É-me impossível imaginar um mundo de futebol sem Maradona. É-me impossível ver uma bola a saltar e não pensar que o seu dono se chama El Pibe, Pelusa, Barrilete Cósmico. É-me impossível ver a Argentina em campo e não ter Maradona a gritar como um doido na bancada. É-me impossível ver um 10 no relvado e não ver o meu Diego, o nosso Diego.
Escrever sobre Diego Armando Maradona é uma responsabilidade insustentável. Sinto-me diminuído e aquém do momento, a cada sílaba, a cada palavra. Permitam-me recorrer mais uma vez a Jorge Valdano e à analogia que hoje me fez chorar. A saudade é um golpe traiçoeiro, Diego.
«Hoje até a bola, o brinquedo mais comunitário que existe, se sentirá mais sozinha e chorará de forma desconsolada pelo seu dono. Todos os que amamos o futebol autêntico choramos com ela por Maradona.»"

Maradona e a morte do indivíduo


"Mas há uma coisa que não me parece subjectiva: o futebol do tempo do Maradona era mais lento, mais belo e mais livre do que este futebol do Ronaldo. Perdemos liberdade (e não só no relvado).

É impossível não relacionar Maradona com Ayrton Senna, dois dos grandes heróis da minha geração. Maradona e Senna carregam a mesma temperatura emocional, balizam uma época vai desde o México 86 de Maradona até ao desastre que matou Senna em 94. Se quiserem, é o tempo que vai do esplendor da infância até ao início da adolescência.
Maradona desenhava no relvado aquilo que Senna sulcava no asfalto: o impossível, o ilógico, a loucura criativa de um génio deixado à solta. Ora, fala-se muito desta genialidade de ambos, mas fala-se pouco de outra questão que me parece mais importante: eles tiveram liberdade para serem génios, tiveram licença para soltar a imprevisibilidade. Hoje em dia, os jogadores e os pilotos têm muito menos liberdade para serem loucos. Se na F1 a máquina computorizada tomou o lugar do piloto audaz à Ayrton Senna, no futebol a potência muscular tomou o lugar da génio livre à Maradona.
No futebol mecanizado desde século, Maradona teria sido o Maradona? Neste futebol ultra científico e objetivo marcado por treinados ditadores que impõem aos jogadores um padrão de jogo mecânico, Maradona, Garrincha, Hagi, Futre ou Chalana teriam atingido o estrelato? Quando me cruzo nos corredores da Renascença com as vozes familiares da Bola Branca, costumo fazer este desabafo: gosto cada vez menos de ver futebol, porque vejo cada vez menos o indivíduo, vejo cada vez menos o improviso e a liberdade. Ou seja, o nosso futebol, o soccer, está cada vez mais parecido com o futebol americano: padronizado, previsível; os jogadores não usam a sua liberdade numa sistemática adaptação criativa ao jogo; ao invés, repetem em campo um conjunto de jogadas que o treinador impõe. O jogo perdeu beleza, encanto, aquele bruaá do imprevisto. É um paradoxo: o futebol está mais rápido, mas também está mais bocejante.
Não sei se Ronaldo ou Messi são melhores do que Maradona. Nem quero entrar nesse debate, até porque não há debate possível. Para mim, Maradona será sempre o melhor jogador porque é a estrela da minha infância e do ‘meu’ Mundial, México 86. Mas há uma coisa que não me parece subjetiva: o futebol do tempo do Maradona era mais lento, mais belo e mais livre do que este futebol do Ronaldo. Perdemos liberdade (e não só no relvado)."

A normalização do anormal no desporto


"O sector do desporto confronta-se nos dias que correm com a inquietação gerada pela ausência de respostas e medidas políticas ao impacto da crise, concorrendo com vários sectores de atividade para mobilizar a opinião pública e obter respostas que tardam a uma agenda reivindicativa.
Poder-se-á sublinhar quão deprimente e confrangedor é o autismo dos decisores, nomeadamente quando contrasta com as medidas tomadas na generalidade dos países europeus. Pode invocar-se, como fez o Bastonário da Ordem dos Médicos, algo tão evidente, mesmo para um leigo, como são os custos do sedentarismo e os benefícios da atividade física e desportiva no combate ao impacto da pandemia.
Mas não serão tão ou mais evidentes os custos, o impacto e a ausência ou escassez de respostas à crise na restauração, na hotelaria, no entretenimento, na cultura ou noutros sectores que têm levado os seus representantes a escalarem o volume e o tom dos seus protestos? Não serão tão ou mais legítimas as suas reivindicações? E ainda assim, foram estas atendidas?
Não tem sido a lucidez, a clareza dos argumentos, nem tampouco as recomendações internacionais que têm invertido este tropismo alienante. Pelo contrário, várias entidades gestoras de instalações desportivas públicas têm ido para além das orientações das autoridades sanitárias - já de si errantes e contraditórias –, ao encerrarem equipamentos desportivos à sua guarda, sendo nisso acompanhadas por pais e encarregados de educação, com profundas quebras nas taxas de filiação em clubes, federações e entidades privadas prestadoras de serviços desportivos.
Neste turbilhão de pressões e reivindicações, mergulhado num quadro de limitações e preconceitos culturalmente arreigados em relação ao desporto, sem peso ou agenda política no seio do Governo ou dos principais partidos políticos, este vive um dos momentos mais decisivos da sua história.
Está em causa muito mais do que resistir aos efeitos da crise. Trata-se da sustentabilidade do tecido desportivo e da absoluta necessidade de se reinventar perante o que pode bem ser o seu requiem, pois a crise pandémica soma-se a uma crise bem mais duradoura e prolongada: a crise do associativismo, do dirigente voluntário e das coletividades desportivas, a quem a Lei Fundamental atribui particular importância no preceito constitucional de direito ao desporto.
A fragilidade do tecido associativo – não apenas o desportivo – tem vindo a agudizar-se nas últimas décadas, comprometendo o pilar essencial onde assenta o modelo de desenvolvimento desportivo do país. Outrora uma força viva de desenvolvimento local, surgem indicadores preocupantes na quebra da participação associativa dos portugueses. Clubes e coletividades de dimensão nacional reúnem os seus órgãos deliberativos com níveis de participação paupérrimos.
Ao nível federativo, o contexto não difere. Agrava-se até por um modelo de financiamento predominantemente público, que impende sobre um quadro regulador que, por um lado, condiciona uma gestão profissionalizada ou minimamente compensadora a quem equaciona exercer tais funções e, por outro, dita um regime eleitoral assente em delegados que tolhe ainda mais uma participação alargada, representatividade, escrutínio, democraticidade e pluralismo no seu seio, mormente em federações de pequena e média dimensão, como facilmente se constata no número de delegados presentes nas suas mais recentes assembleias-gerais.
Por outro lado, as limitações no acesso a instâncias de recurso, como o Tribunal Arbitral do Desporto, fragilizam o exercício célere, eficaz, independente e universal de um poder público, como é o poder disciplinar.
Estes e outros aspetos, normalizados e normativizados ao longo do tempo, tendem a barricar as organizações desportivas em torno dos seus problemas específicos, acentuando a passividade do movimento associativo sobre aquilo que ocorre em seu redor, condicionando a sua capacidade reivindicativa e o alargamento de parcerias a outros sectores estratégicos.
Iniciativas como a concertação entre as federações de modalidades coletivas de pavilhão e a perspetiva de uma nova cimeira das federações, coordenada pelas três entidades de cúpula do sistema desportivo nacional, são neste contexto absolutamente indispensáveis para conferir coesão, ganhar escala, mobilizar outros agentes - como atletas e treinadores - e partilhar recursos escassos por forma a inverter esta tendência, através de uma frente unida mais resiliente aos impactos da crise e à perspetiva de ausência de respostas céleres e concretas"