"No dia 2 de junho de 1986 mudei de religião. Passei de católico praticante por obrigação parental a fiel maradoniano por devoção paranormal. Dia de Campeonato do Mundo, Argentina-Coreia do Sul, eu entregue à ingenuidade dos meus oito anos e Ele a domar a bola com a facilidade de quem acaricia um gatinho.
Próximo passo, colar um poster Dele na parede do meu quarto. Aquela camisola maravilhosa, as faixas verticais, azul claro e branco celeste, calções negros e meias brancas. E as chuteiras pretas, pois então.
A minha rua conheceu Diego Armando Maradona no dia em que eu O conheci. A rapaziada veio cá para fora, de pernas mal amanhadas e uma bola que saltava mais do que rolava. Quisemos todos ser D10S, O rapaz de peito para fora e coxas grossas, capaz de parar e arrancar com o poder e a agilidade de um Fórmula Um.
Naqueles dias, ver um jogo de Diego em direto era uma bênção. O mês em que todos os dias são domingo, como escreveu Jorge Valdano, demorava quatro anos a chegar e as cadernetas de cromos teimavam em não ganhar a vida que o futebol do nosso astro merecia.
Valdano. Por falar em Valdano, rogo-vos que leiam a crónica em que o antigo avançado e agora poeta/escritor se despede de Maradona. É dura, é maravilhosa e podem lê-la AQUI. As palavras de Valdano tornam irrelevantes todas as restantes crónicas e opiniões, incluindo esta.
Encarem, assim, este artigo como a minha necessária despedida pública do meu ídolo de infância, um ato catártico, quiçá egoísta. A pensar mais em mim do que nos nosso leitores, uma vez sem exemplo.
Maradona morreu. Desapareceu o melhor futebolista de todos os tempos – desculpa, Messi – e a personagem mais complexa, fascinante e atormentada que algum dia vi. Predestinado e decadente, glorioso e depressivo, génio e louco. Louco, Don Diego.
Quem era Maradona? O homem capaz de alimentar a sorrisos os esfomeados argentinos. O homem capaz de fintar uma equipa inteira e voltar com a bola para trás. O homem que foi demasiado grande para ser apenas humano. Tornou-se impossível ser Maradona e Diego foi esmagado por essa brutal viagem ao lado mais negro da alma.
É-me impossível imaginar um mundo de futebol sem Maradona. É-me impossível ver uma bola a saltar e não pensar que o seu dono se chama El Pibe, Pelusa, Barrilete Cósmico. É-me impossível ver a Argentina em campo e não ter Maradona a gritar como um doido na bancada. É-me impossível ver um 10 no relvado e não ver o meu Diego, o nosso Diego.
Escrever sobre Diego Armando Maradona é uma responsabilidade insustentável. Sinto-me diminuído e aquém do momento, a cada sílaba, a cada palavra. Permitam-me recorrer mais uma vez a Jorge Valdano e à analogia que hoje me fez chorar. A saudade é um golpe traiçoeiro, Diego.
«Hoje até a bola, o brinquedo mais comunitário que existe, se sentirá mais sozinha e chorará de forma desconsolada pelo seu dono. Todos os que amamos o futebol autêntico choramos com ela por Maradona.»"
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