"Com juras de amor eterno ao SL Benfica, Beto é a capa da Revista do Bola na Rede e abre o coração antes da eliminatória decisiva frente ao Liverpool FC. Titular nos últimos dois jogos dos encarnados frente aos reds, na Champions, Beto sabe a receita do sucesso. Entre conselhos e elogios, o antigo médio brasileiro não tem receios e assegura que os encarnados têm condições para ganharem a Liga dos Campeões. De patinho feio a bem-amado na Luz, Beto fala sobre a relação com os adeptos, o convite do FC Porto e até na experiência como trabalhador numa fábrica de sandálias.
«Nunca Vou Deixar De Ser Benfiquista».
Viva, Beto, tudo bem?
Olá, como estão? Todo o prazer de falar para Portugal.
Beto, vamos arrancar a falar um pouco de si. Ainda se mantém como recrutador de jovens talentos do nordeste brasileiro para o futebol da Europa?
Sim, continuo com o projeto. Até te digo que há um ano levei um jogador aí a Portugal para fazer uma avaliação no FC Paços Ferreira e no SL Benfica. Não correu como esperávamos, mas neste ano temos outro miúdo com grande capacidade e com qualidade que vamos tentar colocar no mercado português. Não posso é revelar, para já, o nome.
Impecável. O objetivo passa por trabalhar só com alguns clubes em Portugal ou também no estrangeiro?
Também no estrangeiro. Eu adquiri a nacionalidade portuguesa, joguei cinco anos na Grécia e três na Suíça, e é nesses três países que pretendo trabalhar mais.
Continua a viajar muito para Portugal?
Sim, sim. Depois de parar de jogar, já fui três vezes a Portugal. É um país que me acolheu muito bem e eu gosto muito de estar aí. A minha terra é o Brasil, mas a minha segunda casa é mesmo Portugal.
E teve muito boas memórias em Portugal, nomeadamente pelo SL Benfica. Propunha que fizéssemos uma pequena viagem pela sua carreira, começando pelos encarnados, até porque jogam no início de abril na Liga dos Campeões, precisamente contra o Liverpool FC. E calha bem falarmos, porque os últimos dois jogos nesta prova foram ganhos pelo SL Benfica e o Beto foi titular em ambos…
Em primeiro lugar, deixe-me agradecer ao futebol português e ao SL Benfica, principalmente, por me abrir as portas para jogar a Liga dos Campeões e fazer grandes jogos. Acho que o sonho de qualquer jogador é jogar a Liga dos Campeões e o Campeonato do Mundo. É uma Liga onde estão os melhores jogadores e eu tenho de agradecer muito ao SL Benfica. Mas o facto de eu ter lá chegado lá e de ter agarrado com “unhas e dentes” o lugar, não era fácil. Havia muita competitividade e eu consegui. Sabia que ia ser difícil jogar no SL Benfica, mas cheguei lá, dediquei-me ao máximo e graças a Deus consegui. Fiz grandes jogos na Champions contra o Manchester United FC e Liverpool FC, principalmente. Para mim, a recordação é inesquecível e vai ficar, para sempre, marcado na minha carreira como jogador.
Vai continuando a acompanhar a realidade do SL Benfica?
Sim, vejo sempre. Sempre que o SL Benfica joga, eu acompanho e nunca vou deixar de ser benfiquista. Até porque estão lá grandes amigos. O Luisão, que foi uma pessoa que me acolheu muito bem e era um pai para mim. O Rui Costa, que agora é presidente, era um grande jogador, mas é também um grande homem. É sempre bom acompanhar o SL Benfica para onde ele for. Com certeza que esse jogo com o Liverpool FC vai ser difícil porque é um jogo de quartos-de-final. Mas o SL Benfica tem todas as condições e qualidade para chegar mais longe, às meias finais.
Acha que o SL Benfica vai conseguir passar o Liverpool FC, tal como fez quando jogava no clube, há uns anos?
(risos) É sempre uma incógnita. Sabemos que o futebol está em evolução e as coisas mudaram, mas chegar aos quartos de final já é um grande feito. O SL Benfica tem grandes jogadores e tem um grande presidente, porque foi jogador também, e isso ajuda para entender bem os jogadores. O SL Benfica tem todas as condições para passar e fazer história. O SL Benfica é um dos maiores clubes do mundo. Um clube com carisma e com adeptos apaixonados pelo futebol. E, se chegarem às meias finais, querem chegar à final e serem campeões. O objetivo tem de ser o de vencer a Liga dos Campeões, e eu estou a torcer por isso mesmo.
Acha que é possível que o SL Benfica vença a Liga dos Campeões?
Sim, sim, com certeza. O futebol são onze contra onze, e o SL Benfica entra sempre para ganhar.
«Havia Adeptos Que Tinham Mais Carinho Pelo Manuel Fernandes e Assobiavam-me Porque Queriam Que Fosse Ele a Jogar»
Beto, ainda sobre a Liga dos Campeões: aquele golo frente ao Manchester United FC é o momento mais marcante da sua carreira?
Sim, sim. É o momento que marca a carreira do Beto no SL Benfica. Passámos graças a esse golo. Mas também tive influência no jogo com o Liverpool FC. Era o atual campeão da Liga dos Campeões, mas mostrámos qualidade e determinação, junto com o professor Ronald Koeman, que também fez história no SL Benfica. E eu fui fazendo a minha história devagarinho, conseguindo o meu espaço. O golo com o Manchester United FC e a minha participação no segundo golo com o Liverpool FC foram dois exemplos. Mas sabemos que o que prevalecia era o conjunto. Não só os onzes, mas todos os que compunham o plantel. Todos queríamos ser campeões. Caímos contra o campeão dessa edição, o FC Barcelona, mas lutámos e acho que o SL Benfica vai fazer a mesma coisa com o Liverpool FC. Vai lutar até ao fim e vai querer passar.
“Se houvesse 11 Betos, o Benfica não perdia tanto”. Esta frase diz-lhe alguma coisa?
Diz, sim. Como vocês sabem, a imprensa procurava sempre um culpado para quando o SL Benfica perdia ou empatava. E essas, palavras vindas de um grande treinador, como é Ronald Koeman, deixaram-me com um sentimento de homenagem e reconhecimento. Nunca me senti um craque, sempre joguei para a equipa. Digo-lhe: o Beto não virou referência, mas ganhou respeito no SL Benfica, porque todos viam que eu trabalhava muito, que dava o máximo e que nunca gostava de perder. Portanto, quando o Ronald Koeman disse isso, só ajudou a melhorar as minhas qualidades, que se aprimoraram com o tempo, e sempre com o meu motivo principal que era ajudar o SL Benfica.
Quando marcou ao Manchester United FC, encostou a mão à orelha e apontou para o público no Estádio da Luz. O que queria expressar com aquele gesto? Que estava a calar os críticos?
Fiz aquele gesto, porque também havia adeptos no terceiro anel que não tinham simpatia por mim e pelo meu futebol. Preferiam ver outros jogadores no meu lugar. Nesse ano, o meio campo era disputado por mim, pelo Petit, pelo Karagounis e pelo Manuel Fernandes, e havia adeptos que tinham mais carinho pelo Manuel Fernandes. E, às vezes, assobiavam porque jogava eu e não jogava ele. Portanto, quando fiz o golo, mostrei aos adeptos que me criticavam que o momento mais importante do futebol é o golo e eu fiz o golo. Mas é normal, é assim em todo o lado. Costumo dizer que, se nem Jesus agradou a toda a gente, por que haveria o Beto de agradar?
Sim, impossível agradar a gregos e troianos. Beto, fazendo uma comparação: vê semelhanças entre a “sua” equipa do SL Benfica que ganhou ao Liverpool FC e a atual?
É parecida. O intuito de quererem ganhar todos os jogos é igual, sempre com o apoio dos adeptos. Claro que as figuras mudam, até o presidente, mas o incentivo de querer sempre ganhar pelo SL Benfica é algo que deve estar inerente a todos os jogadores que vestem a camisola.
Como é subir ao palco de Anfield Road? Sentiu-se nervoso?
O jogador que disser que não tem um friozinho na barriga, está a mentir. Nem todos os jogadores são iguais, mas todos sentem algo. Nem é nervosismo, é mais até ansiedade. É ansiedade de querer ganhar e estar bem no jogo. Nós queremos ganhar todos os jogos e sabíamos que íamos defrontar uma grande equipa, como era o Liverpool FC. Entrámos tranquilos porque sabíamos que tínhamos a vantagem de 1-0. Sabíamos que ia ser difícil, mas tudo ficou mais facilitado com o primeiro golo do Simão. Depois tivemos o golo “à matador” do Miccoli, que destroçou o Liverpool FC. E olhe…
Sim?
O mais bonito, sabe o que foi? Quando terminou o jogo, todo o estádio aplaude o Liverpool FC e o SL Benfica. Isso é que é maravilhoso no futebol. Uma equipa que era, teoricamente, inferior à do Liverpool FC e, mesmo assim, houve aplauso para as duas equipas. Foi maravilhoso!
Sem dúvida, Beto. Dado o que vivenciou nestes dois jogos, tem algum conselho para deixar aos jogadores do SL Benfica para esta eliminatória com o Liverpool FC?
Só digo para continuarem. Estão a fazer tudo bem, com dedicação e amor pela camisola do SL Benfica. Em qualquer parte do mundo, toda a gente conhece o SL Benfica. Só posso dizer para continuarem a lutar e para darem o máximo. Nunca deixem de acreditar. O SL Benfica é enorme e, onde quer que seja, vai jogar sempre para ganhar.
«Fui Trabalhar Para Uma Fábrica De Sandálias»
Focando agora a atenção na sua carreira. O Beto começa a carreira no Brasil, passa pela Argentina e Uruguai, e por diversos clubes antes de rumar a Portugal. Como surgiu o convite para jogar em Portugal, no FC Paços Ferreira?
Tenho de agradecer muito ao José Mota, que me descobriu no Brasil, com a ajuda do meu empresário da altura. Contratou-me para o FC Paços Ferreira.
Foi seu treinador durante muito tempo…
Exato. Ele gostou de mim e do Gláuber, que também foi para o Paços e, depois, para o Boavista FC. E foi assim que aconteceu. Depois, fui crescendo e dando-me a conhecer ao futebol mundial. Do Paços para o SC Beira-Mar, e só depois para o SL Benfica. No SC Beira-Mar, aliás, fiz uma excelente época.
Só uma questão, Beto, antes que nos antecipemos: há uns anos, deu uma entrevista em que afirmou que chegou a pensar desistir do futebol para trabalhar numa fábrica de sandálias. Essa foi a fase em que esteve mais longe do mundo do futebol?
Sim, apesar de o meu pai me incentivar sempre a jogar. Só que era complicado. Ia para um clube, não dava certo. Ia para outro, não dava certo. E, a certa altura, o meu pai disse que eu tinha de trabalhar e sobreviver. E eu fui trabalhar para um fábrica de sandálias durante cinco dias. Até que chegou ao sexto dia – um domingo -, e o dono disse que eu tinha de ir trabalhar. Só que aos domingos fazemos as “peladinhas”. E eu disse: “Não, não vou trabalhar mais e vou voltar a jogar, de novo”. O futebol apareceu novamente e ficou mais iluminado. Depois, foi tudo rápido até chegar a Portugal.
E, depois, foram muitos anos em Portugal…
Muito bons anos aí!
José Mota marca a sua carreira, acredito.
Marca, claro, sem dúvida. Ainda hoje falo com ele, conversamos muito. Sempre que vou a Portugal, tenho de falar com ele e de o ver. É uma amizade que conquistámos. Nunca nos deixámos de falar e o “Mota”, para mim, é como um pai no mundo do futebol.
«Disse Que Esperava Por Pinto da Costa, Mas No Dia Seguinte o José Veiga Ligou-me Para Eu Me Apresentar No Estádio da Luz».
Antes do SL Benfica, teve ainda a passagem pelo SC Beira-Mar. Em termos coletivos, as coisas não correram bem, até porque desceram de divisão. Mas o Beto sai valorizado dessa época e sai para um grande.
Se não fosse o SC Beira-Mar, não tinha chegado ao SL Benfica. Fiz bons jogos, até contra o SL Benfica. Agradeço muito ao SC Beira-Mar e a todos os clubes. Mas há clubes mais marcantes do que outros, e posso dizer que o SL Benfica foi o auge da minha carreira. O melhor momento da minha carreira, onde ganhei títulos e reconhecimento.
Beto, ainda sobre este processo de saída do SC Beira-Mar: falou-se, na altura, do interesse do FC Porto. Era verdade?
Era verdade, era verdade. Eu estava em Aveiro e um diretor do FC Porto ligou-me a dizer que o Pinto da Costa queria falar comigo e eu disse: “Está ok”. Só que ele só ia chegar a Portugal dentro de três ou quatro dias. Eu disse que estava ok e que esperava. Mas, no dia seguinte, o José Veiga ligou-me à noite a dizer que eu ia para o Estádio da Luz para assinar contrato, porque já estava tudo tratado e acertado com o presidente do SC Beira-Mar. Bom, para mim foi uma surpresa. Não esperava e estava a contar com FC Porto. Até liguei ao presidente e perguntei se era a sério. Ele era amigo do José Veiga e disse-me que sim, que estava tudo certo e que viajava logo às sete da manhã. Quando chego à bomba de gasolina, antes de chegar a Lisboa, já tinha jornalistas e televisões à minha espera, já todos sabiam que eu ia assinar pelo SL Benfica. Foi uma estratégia do SL Benfica muito boa e de que eu gostei. Não é que eu não gostasse do FC Porto, mas eu tinha interesse no SL Benfica porque era adepto do clube. Via que o SL Benfica era o maior de Portugal e tinha uma camisola muito pesada. E eu até gosto mais de vermelho! (risos)
Já explorámos a sua época com Koeman, mas queria também falar da época seguinte no SL Benfica, em 2006/07, com Fernando Santos. As coisas não correm tão bem para si. Fernando Santos traz consigo Katsouranis e perde espaço para jogar. Esperava ter mais minutos nessa temporada?
Sim, como tinha feito bons jogos na primeira época, esperava ter feito mais encontros. Mas o Fernando Santos já me tinha passado a informação de que iria trazer o Katsouranis, que era um jogador dele no AEK, e ele deixou-me as portas abertas. Disse-me: “Se quiser sair, eu não vou ser entrave. Se quiser ficar, eu conto contigo”. E eu disse que queria ficar e conquistar o meu espaço. Não foi como na primeira época, mas ajudei no que pude. Só que, no final dessa época, surge um convite do Sion. O Fernando Santos disse novamente que contava comigo, mas que, se eu quisesse melhorar a minha vida e jogar mais, que as portas estavam abertas. Sempre foi sincero e cordial comigo. Acabei por ir. Mas nunca baixei os braços enquanto estive no SL Benfica. Aliás, qualquer jogador que esteja ligado ao SL Benfica tem de ser assim: tem de estar sempre disponível para o SL Benfica, seja a titular ou no banco.
Que opinião tem sobre Fernando Santos? Guarda alguma mágoa?
O que posso dizer é que é um grande treinador. Não é porque joguei menos que vou falar mal. Sempre falei bem do mister. Por onde ele passou, fez história, e hoje está a fazer história no futebol português.
Passes Curtos
Antes de fecharmos, vamos a umas perguntas rápidas. Ser campeão em Portugal ou ir longe na Liga dos Campeões?
Epá… Os dois.
O melhor amigo que fez no futebol, em Portugal?
Fiz muitos, felizmente. Luisão… E depois David Luiz, Rui Costa, Nuno Gomes, Simão, Nuno Assis, Marco Ferreira, Moretto, Miccoli… Enfim, muitos.
Melhor treinador?
Com toda a certeza, Ronald Koeman.
Melhor momento?
O golo contra o Manchester United FC.
Pior momento?
No dia do jogo contra o Manchester United FC, depois do encontro. Disse algo como: “Quero que os treinadores de bancada se lixem”. E esse foi o pior momento da minha carreira, arrependo-me até hoje.
O jogador da atualidade que é mais parecido consigo? Encontra algum?
Olha… há um jogador que se entrega muito no SL Benfica, tal como eu: o Taarabt.
As mais difíceis para o fim: SL Benfica ou FC Paços Ferreira?
Eiii. Os dois, os dois. O Paços abriu-me as portas e o SL Benfica por ter feito lá a melhor época da minha carreira como jogador.
Beto, muito obrigado, foi um espetáculo.
Muito obrigado. O que precisarem, já sabem. Abraço a todos!"