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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

“Acho que foi Deus que me enviou para jogar na Polónia. A minha filha nasceu com o esófago cortado ao meio e os especialistas estavam lá”

"Hélio Pinto começou no Portimonense, chegou à equipa principal do Benfica, mas acabou por fazer a maior parte da carreira em Chipre, cuja selecção esteve disposto a representar. Depois de ter passado por sete países, regressou às origens, ao Algarve, onde ainda joga, pelo Louletano, equipa do Campeonato de Portugal. Pelo meio viveu histórias de racismo, foi pai - e viu a filha ser salva em Varsóvia - e ganhou vários títulos. Aos 34 anos, não pensa em arrumar as botas, também não sabe o que vai fazer a seguir, mas garante sentir-se realizado

Nasceu e cresceu no Algarve.
Sim. Nasci em Portimão e vivi lá até aos 14 anos. Depois fui para Lisboa, quando vou para o Benfica.  
Tem irmãos?
Tenho um irmão, Paulo Pinto, que joga futsal, em Portimão. É mais novo, tem 27 anos.

Que profissão tinham os seus pais quando nasceu?
A minha mãe trabalhava num hotel mas agora é empregada doméstica em casa de várias pessoas. O meu pai é ladrilhador, trabalha nas obras.

Nunca pensou ser outra coisa que não fosse jogador de futebol?
É verdade. Sempre gostei de jogar futebol e sempre disse que queria ser jogador de futebol. A minha mãe conta histórias engraçadas sobre mim. Quando era miúdo eu dizia-lhe que ia jogar num clube grande, no Sporting, no Benfica ou no FCP. E acabou por acontecer. A minha mãe dizia-me “Filho tem calma, isso não é bem assim” (risos), tentava pôr-me os pés na terra.

Torcia por que clube?
Pelo Sporting [risos], mas agora já não. O meu pai é do Benfica, sempre foi do Benfica, acho que eu era do Sporting mais para o contrariar [risos].

Tinha ídolos?
Gostava muito do Balakov, do Sporting.

Quando começa a jogar no Portimonense?
Com seis, sete anos, não me recordo muito bem.

Foi o Hélio que pediu ao seu pai para ir para lá?
Eu gostava de jogar à bola na rua e quando fui para a primeira classe, uma pessoa do Portimonense, foi às escolas convidar os miúdos para as captações, para as escolinhas do Portimonense. Por iniciativa própria fui fazer os testes e fui o primeiro a ser escolhido.

Os seus pais foram consigo?
Não, o estádio era ao pé da minha casa, fui a pé, com mais dois amigos.

Quando chegou a casa e disse que o tinham escolhido, qual foi a reacção?
Foi normal, eles queriam que eu fizesse desporto e andasse motivado. A minha mãe gostava muito que eu fizesse natação e na altura também fazia. Quando comecei a jogar futebol tive que optar e optei pelo futebol. Era isso que queria fazer.

Gostava da escola ou nem por isso?
Gostava, era um aluno médio para bom, até tinha boas notas. Cheguei a ganhar uma bolsa de estudo quando fui para Lisboa, porque as minhas notas eram muito boas e como era de uma família pobrezinha, tinha um apoio.

Começa no Portimonense e fica lá até ser juvenil. Como surge a hipótese de ir para o Benfica?
Há um senhor aqui de Faro, o Carlos Gonçalves, acho que ele era olheiro do Benfica na altura, que um dia foi à minha escola e falou comigo. Como eu tinha 14 anos, foi falar com os meus pais também. Acho que já me tinham visto num torneio em Lamego. Tinham ido fazer observações a um colega meu, o João Paulo Caetano, que penso também jogou como profissional no Atlético de Lisboa. Foram para observá-lo, mas eu fiz um grande jogo como lateral esquerdo e as pessoas do Benfica que estavam lá viram e contactaram o Carlos Gonçalves aqui de Faro. É ele que procede às conversações com o Portimonense e com os meus pais.
Foi fácil ir para o Benfica? Lá em casa impuseram-lhe alguma condição?
Os meus pais foram sempre muito abertos e deram-me liberdade para escolher. Como sempre disse que queria ser jogador, era esse o meu sonho, fui.

Foi viver para onde e com quem?
Os meus pais foram deixar-me no centro de estágios do Benfica, que era no antigo estádio da Luz. Fiquei lá viver.

Custou-lhe? Teve saudades de casa?
Ao princípio custou-me bastante. Confesso que no primeiro mês foi complicado, as noites então eram mais difíceis. Durante o dia temos os outros colegas, temos os treinos, vamos para a escola e passa melhor o tempo. Mas à noite, quando estamos mais sozinhos, custa bastante.

Ficava no quarto com quem nessa altura?
Com o Nuno Casimiro, um rapaz do Cartaxo, defesa esquerdo.

Com quem criou maior amizade?
Com o Alexandre Dias, um lateral que ainda passou pela selecção. Dos da minha idade ainda mantenho contacto com bastante gente, não propriamente dos que estiveram a viver no centro de estágios, mas da minha equipa: o Flávio Casal, o Tiago Carvalhinho, temos um grupo no WhatsApp e no Facebook. Temos também um grupo do Bruno Baião, que faleceu, e todos os anos organizamos um jogo e um jantar, por isso mantemos sempre contacto, os dessa geração.

Estava a contar que quando chegou ao Benfica a adaptação não foi fácil por causa das saudades. E em termos de futebol notou muita diferença?
Um bocado. No Benfica eram todos craques [risos]. eram todos bons, havia jogadores com muita qualidade. Eu cheguei ainda no primeiro ano de juvenil e jogava também com os outros mais velhos e tinham qualidade. E os treinos eram mais intensos.

Quando é que começam as primeiras saídas à noite?
É engraçado porque nunca fui muito de sair à noite. Já quando estava em Portimão nunca fui muito de sair, apesar de termos muita diversão nocturna no Algarve, sobretudo no verão. Quando estava no centro de estágio nunca saí. Mas há histórias porque no meu quarto a janela dava acesso quase directo lá para fora e os mais velhos… [risos] A minha janela ficava sempre entreaberta e uma noite, eu estava a dormir e entraram pela janela dois colegas mais velhos. Assustei-me: “Cala-te senão o senhor Fernando ouve”. O senhor Fernando era quem cuidava de nós no centro de estágios. Apanhei um susto desgraçado [risos]. Só comecei a sair mais por causa da minha esposa que gosta muito de dançar.
Como é que se conheceram?
Conheci a Leila seis meses depois de ter chegado a Lisboa. Eu tinha visto umas fotografias dela, através do Alexandre Dias, eles eram da mesma turma, e foi amor à primeira vista. Quando vi as fotos pensei: “Fogo, esta rapariga é espectacular”. Comecei a falar com o Alex no sentido de ir à escola dele para conhecê-la. Mas ela não gostava de jogadores de futebol, não queria namorar com jogadores de futebol. Então eu disse-lhe que era irmão do Alex, que estava a estudar em Lisboa. E foi assim que começámos a sair. Íamos ao cinema e só passados uns dois meses é que ela soube que eu era jogador de futebol.

E?
Aí já estava apaixonada, já não podia dizer nada [risos].

Fez a escola até que ano?
Tenho o 11º ano, não completei o 12º.

Porque nessa altura começa a jogar com mais intensidade no Benfica?
Sim, nessa altura, com 17 anos, já treinava com a equipa principal e muitas vezes era convocado. E quando não jogava pela equipa principal ia jogar pela equipa B e muitas vezes pelos juniores, quase não tinha tempo para nada.

Qual foi a sensação quando se estreou pela equipa principal?
Foi fantástico. Da primeira vez foi num estágio em que fomos ao Luxemburgo e depois a Paris, jogar com o Paris Saint-Germain. Foi aí que tive realmente a noção do que era o Benfica. Também lá estava o Ronaldinho Gaúcho. No final do jogo estávamos empatados e fomos para penáltis. Disse ao Camacho que queria marcar e ele disse que sim. Marquei golo. Quando o jogo acabou recebi montes de mensagens e telefonemas de amigos, tudo a ligar para me dar os parabéns. Foi aí que fiquei mais emocionado e vi como o Benfica é gigantesco.

Aí já era benfiquista?
Já. Comecei a ganhar gosto pelo Benfica quando comecei a sentir a rivalidade com o Sporting e o FC Porto. Como temos aquela coisa da competitividade e não queremos perder com ninguém... Nos primeiros anos quando cheguei ao Benfica perdíamos quase sempre com o Sporting, principalmente nesse ano em que jogava com os mais velhos. Aquilo começou a criar-me aquela rivalidade, aquela raiva de ganhar e começou a entrar aquele bichinho do Benfica. Desde aí não saiu mais.

O Hélio foi variando a sua posição em campo...
Passei quase por todos os lados [risos]. Quando era pequeno comecei a médio esquerdo. Depois, quando fui para o Benfica, já fui como defesa esquerdo. No torneio de que falei, em Lamego, joguei como defesa esquerdo, só que eu era um defesa esquerdo que subia muito, estava sempre a atacar. Depois surgiu a oportunidade de jogar a meio-campo e como o que eu queria era jogar, fui para meio-campo, já não tanto como médio esquerdo, mais no meio mesmo. Acabou por correr bem e deixaram-me lá ficar.

Mas qual é a posição onde mais gosta de jogar, onde se sente mais confortável?
Neste momento sinto-me mais confortável como número 8. Agora, com 34, 35 anos, já não estou tão fresco [risos].

Fez três jogos oficiais pelo Benfica, com o Camacho. Quando chega à equipa principal com quem criou maior empatia?
Todos me trataram bem, mas com quem me dei melhor foi com o Geovanni, que acabou por ser meu padrinho de casamento, e com o Luisão e com o Cristiano, o lateral esquerdo. Eles brincavam muito entre eles os três e o Geovanni acabou por me acolher, digamos assim, e eu estava quase sempre com eles. Mas todos me trataram bem, o Simão, o Nuno Gomes, eram todos pessoas impecáveis.

No meio disto tudo acaba por não ficar no Benfica. Porquê?
O que aconteceu foi que o Benfica queria renovar mais três anos comigo, mas o Carlos Gonçalves, que era o meu empresário na altura, disse-me que era para ficar na equipa B. Eu já treinava praticamente há dois anos com a equipa principal mas ia para a equipa B jogar e eu não queria ficar mais na equipa B. Ele apresentou-me duas ofertas, uma do Twente da Holanda e outra do Sevilha. Optei por Sevilha. Só que pensei que era para a equipa principal, mas, quando cheguei a Espanha, fui directamente para a equipa B, nem cheguei sequer a treinar com a equipa principal. Senti-me um bocado enganado com a situação, tivemos várias discussões, eu era miúdo e tinha acabado de casar. 

Quando é que casa?
Casei com 20 anos, no verão. Eles deram a desculpa de que como eu tinha casado e ia para lua de mel, então não ia integrar os planos da equipa principal e quando viesse de lua de mel integrava a pré-época da equipa B. Quando cheguei fui para a equipa B e depois nunca fui à equipa principal.

O que é que lhe passou pela cabeça? Que tinha cometido um grande erro em não ter aceitado a proposta do Benfica?
Pensei em tudo e mais alguma coisa, fui para cima do Carlos Gonçalves, discutimos várias vezes, disse-lhe que me sentia muito enganado... Porque nessa altura também havia interesse de outros empresários em contratar-me, inclusive o Tiago, que ainda estava no Benfica, falava muito comigo para eu assinar com o Jorge Mendes, para voltar a assinar pelo Benfica e depois ser emprestado ao Kaiserslautern da Alemanha. Aquilo foi tudo uma bola... Na altura ainda ia à seleção e quando fui para Sevilha deixei de ir, aos sub-20 e aos sub-21. Para um miúdo de 20 anos, acabado de casar... Foi complicado.
Não podia quebrar contrato com o Carlos Gonçalves?
Na altura não. Quando discuti com ele, disse-lhe que ele me tinha metido ali e tinha de arranjar maneira de eu seguir com a minha carreira. Chateei-lhe tanto a cabeça, que não queria ficar no Sevilha, que ele arranjou uma oferta para eu ir para o Apollon, em Chipre. Na altura nem eu sabia onde é que era, mas o que eu queria era jogar futebol e arrisquei ir.

Chegou a jogar no Sevilha, nessa época de 2004/2005?
Só na equipa B e mesmo assim... Muitas vezes não jogava. O treinador era o espanhol Manolo Jiménez e sofri bastante de racismo.

Racismo?
Eu era o único estrangeiro da equipa B e ele era obcecado pelos espanhóis. Os espanhóis é que tinham que jogar. Houve situações em que eu estava muito bem a treinar e ele chegou a parar o treino, a reunir todos os jogadores no meio-campo e a dizer que queria que todos os jogadores fossem e treinassem como eu, mas chegava o fim de semana e não me punha a jogar. Aquilo foi-me matando a pouco e pouco, até que por volta de Março simplesmente desisti de ir treinar e falei com o Carlos Gonçalves, queria ir embora, já não aguentava mais estar ali.

Quando vai para Sevilha a sua mulher vai consigo?
Sim. Nós namorávamos desde os 16 anos, ela também tinha os estudos dela, estava na universidade e para sairmos achei melhor sermos casados, fazer as coisas correctamente. Foi engraçado porque fui jantar com os pais dela, sem ela saber, e pedi a mão dela em casamento [risos]. A mãe ficou um bocadinho mais receosa, mas o pai não, mandou vir umas cervejas e celebrámos.

Ela largou os estudos para o acompanhar?
Sim. Andava na universidade de dança, em Lisboa, e também fazia trabalhos como modelo. Em Sevilha também fez trabalhos de modelo para várias marcas.

Quando começa a ganhar dinheiro com o futebol?
Quando fui para o Benfica.

Lembra-se do valor?
Acho que eram doze contos [60€].

O que fez com esse primeiro ordenado?
Punha sempre no banco [risos]. Queria tirar a carta e como a minha família era mais humilde, queria juntar o dinheiro para quando tivesse 18 anos.

Como é que foi a adaptação a Sevilha, não tanto ao futebol, mas aos espanhóis, à língua, a viver em Sevilha?
Ao princípio mais ou menos. Agora se calhar não tanto, mas quando cheguei a Espanha, achei-os racistas. Muito racistas comigo e com a minha esposa, que é negra. A primeira casa que ia para alugar, fui sozinho falar com o senhor que disse que estava tudo bem. Depois, quando lá fui para assinar o contrato, fui com a minha esposa e o senhor disse que já não era possível alugar a casa. Por isso os primeiros tempos em Sevilha não foram fáceis. A cultura é diferente, estava habituado a dar uma voltinha depois de almoço, só que eles à tarde fazem a sesta e está tudo fechado. Uma vez à noite deixei o carro no parque, fomos passear, quando voltámos o parque estava fechado, não tinha carro [risos]. Aconteceram coisas estranhas ao princípio. Mas depois do primeiro mês de adaptação e no geral, gostei muito de Sevilha, gosto muito de Espanha, fiz amigos em Espanha e gosto muito de espanhóis. É um país fantástico e adoro Madrid.
Houve algum jogador que tenha sido mais simpático?
Houve um em especial, o Redondo, que o ano passado jogava no Doxa, em Chipre. Ele morava ao pé de mim e foi quem mais me acolheu. Somos da mesma idade e estávamos praticamente sempre juntos.

Quando o seu empresário lhe apresenta a proposta do Apollon Limassol, o que pensou e disse?
A primeira reacção foi: “Carlos já te ligo”.Liguei à minha mulher: “Amor, vamos para o Chipre?” Ela estava no cabeleireiro, estava a ler uma revista e quando virou a página apareceu um artigo sobre o Chipre [risos]. Pensávamos que era uma ilha grega. Ela perguntou-me se era para eu jogar, disse que sim e: “Então, pronto, vamos embora”. Sem saber nada do clube, nem do país, nada mesmo. Eu pura e simplesmente queria jogar futebol, resolvi arriscar. Mais tarde o Carlos Gonçalves disse-me que ia também o João Paiva, que era da formação do Sporting, e o Filipe Duarte, que já tinha jogado comigo no Benfica. Graças a Deus foi um ano maravilhoso, um dos melhores da minha carreira desportiva, foi fantástico mesmo.

Jogou bastante.
Praticamente joguei sempre, não perdemos nenhum jogo no campeonato, fomos campeões, foi fantástico.

Quando chegou, qual foi o primeiro impacto?
Ui, no primeiro dia, mal chegámos ao aeroporto, foram buscar-nos num carro que teve de ir de bagageira aberta. Depois meteram-nos num hotel em que quando fomos abrir a porta do quarto, mal pusemos a chave começaram a sair baratas por baixo da porta. Armei logo um escândalo com o empresário que estava lá, foi uma confusão danada. Como vinha alterado do Sevilha, bati o pé e disse: “Aqui não fico, se me põem aqui vou já embora”. Lá nos levaram para um hotel bom, mas, no primeiro dia, o primeiro impacto não foi muito positivo. Ainda era o aeroporto antigo de Larnaca, um aeroporto velhinho onde encontramos pessoas com as barbas grandes, pareciam um bocado selvagens, assustou um bocadinho. Mas depois acaba-se por conhecer o povo cipriota e são pessoas incríveis.

Falavam inglês?
Sim, era tudo em inglês. No primeiro ano eu basicamente não falei grego porque o nosso presidente era iraquiano e o nosso treinador era alemão e eles falavam sempre em inglês, tanto que eles tiveram de arranjar um tradutor para falar grego para os outros cipriotas que estavam lá.

Como foi a adaptação da sua mulher?
Custou-lhe no início. Ela chegou de noite e no dia seguinte quando acordou e olhou pela janela do hotel, tinha uma espécie de feira, com galinhas à solta, alguns animais e ficou um pouco assustada. Mas, com o passar do tempo, começámos a conhecer melhor o sítio e é como se fosse o Algarve, praias bonitas, pessoas muito amáveis, comida mediterrânea, o clima é bom.

Ficaram sempre no hotel ou acabaram por ir viver para um apartamento?
Depois fomos para um apartamento, até foi o João Paiva que andou às voltas à procura e encontrou um condomínio acabadinho de fazer e ficamos os três a viver nesse condomínio.

O seu dia-a-dia era feito com a sua mulher, com o João Paiva e com o Filipe Duarte?
Sim, estávamos sempre juntos. Íamos treinar juntos, voltávamos juntos, jantávamos juntos, estávamos sempre os quatro juntos. Depois a esposa do Paiva, a Rita, foi lá ter e passámos a estar sempre os cinco juntos.

Como é que se dá a sua passagem depois para o Apoel?
Fui para o Apollon por empréstimo do Sevilha e o Apollon já tinha um acordo com o Sevilha. Caso eu ficasse no Apollon eles tinham que pagar “x” valor ao Sevilha. Acabou o ano e os cipriotas, não estou a falar de todos, mas alguns também são um pouco agarrados ao dinheiro, não querem gastar, tentam sempre arranjar maneira de pagar menos e quiseram fazer um esquema. Falaram comigo e disseram que já tinham tudo acertado com o meu contrato, mas eles queriam arranjar uma forma de pagar menos ao Sevilha. Entretanto o director do Sevilha, o Monchi, que agora está no Roma, chateou-se com o Apollon, se eles quisessem tinham que pagar o valor acordado. Chatearam-se e ele ligou-me a dizer que eu já não ia mais para o Apollon, que não tinham chegado a acordo. Entretanto as pessoas no Apoel já tinham entrado em contacto com o Carlos Gonçalves. Reuniram e depois houve outra reunião onde eu também estive, acertámos tudo e fui para o Apoel.

A mudança foi pacífica?
Mais ou menos, recebi muitos telefonemas, ameaças de morte. O Apollon tinha acabado de ser campeão e eu fui um dos jogadores mais acarinhados no clube. Ter ido para o Apoel foi como se tivesse dado uma facada no Apollon. Há uma grande rivalidade entre esses cubes. Eles não gostaram muito. Nem assinei contrato em Chipre, assinei na Grécia, mas começaram a surgir muitos rumores em Chipre de que eu já tinha assinado pelo Apoel. A dada altura o Carlos Gonçalves até me aconselhou a desligar o telemóvel e a não falar com ninguém, porque eles ligavam a toda a hora a querer saber o que era verdade. Era o presidente do Apollon a discutir com o do Apoel, apesar do do Apoel já saber que eu tinha assinado pelo seu clube, mas o do Apollon não sabia de nada e por isso andaram ali em conflito algumas semanas. Quando o Apollon soube que eu já tinha assinado pelo Apoel, culparam-me e os adeptos ficaram contra mim, fizeram algumas coisas menos boas, mas muitos deles arrependeram-se e mais tarde ligaram-me a pedir desculpa.

Mas que tipo de coisas?
O primeiro jogo da época era a Supertaça entre o Apollon, que tinha sido campeão, e o Apoel, que tinha conquistado a Taça. Eu não pude jogar porque tinha levado cartões no ano anterior, estava castigado. Mas logo nesse jogo puseram uma faixa grande em português a dizer, e desculpe a expressão: “Hélio Pinto, fodemos a tua cadela preta”. Aquilo para mim foi uma ofensa muito grande. Houve um senhor do Apollon que era muito meu amigo e que fez um vídeo a queimar a minha camisola. Esse senhor por acaso depois até foi preso por fazer apostas ilegais e na prisão ligou-me a pedir desculpa e a pedir uma camisola minha do Apoel, que eu acabei por enviar.

Quando chega ao Apoel estava lá o Ricardo Fernandes…
Estava e foi cinco estrelas ajudou muito na minha adaptação ao clube. Agradeço-lhe imenso. O treinador era o Marinos Ouzunidis, havia bons jogadores, o Rónald Gomez, o Esteban Solari, o brasileiro Polking, era uma equipa muito boa. Para a realidade cipriota era uma equipa acima da média.

Para onde é que foi viver?
Ficamos em Nicósia e as pessoas do clube ajudaram-nos logo a arranjar casa. Acabamos por escolher um apartamento ao pé do campo de treinos e foi tudo muito agradável, tudo muito tranquilo.

Nessa altura já tinha filhos?
Ainda não.

Entretanto fica sete épocas no Apoel. Torna-se praticamente cipriota, não?
Até tenho o passaporte cipriota. Houve uma fase em que surgiu a possibilidade e convidaram-me para jogar pela selecção do Chipre e a federação cipriota fez tudo para eu jogar pelo Chipre. Trataram do passaporte, mandaram fazer documentação para a FIFA e UEFA, mas a FIFA não autorizou que jogasse pelo Chipre, porque tinha jogado pela selecção portuguesa nas camadas jovens. Havia uma regra que dizia que eu só podia jogar pelo Chipre se na altura em que joguei por Portugal tivesse já o passaporte cipriota, mas aos 16 anos eu sabia lá que ia para o Chipre.

Teve pena?
Tive muita pena de não poder jogar pelo Chipre.

Aprendeu grego?
Percebo grego, hoje em dia nem tanto, porque já passaram uns aninhos em que não estou lá, mas se ouço as pessoas a falar grego percebo e falo um bocadinho. Mas é uma língua muito difícil.

Nicósia é uma cidade que está divida, a norte estão os cipriotas turcos. Alguma vez assistiu a alguma confusão?
Não era tudo muito pacífico. Cheguei a ir à parte turca várias vezes, também lá têm praias muito bonitas e não houve problema nenhum. Chega-se à fronteira, mostra-se o passaporte, é como se fosse outro país, e passa-se a pé ou de carro, mas é tudo muito pacífico. O único problema é que a parte turca parece que estagnou, parece que não fazem obras há 40 anos, desde a altura da guerra, parece que ficou tudo parado.

No Chipre nunca sentiu nenhum tipo de racismo? Nem o Hélio, nem a sua mulher?
Não. Foi tudo muito agradável, só tenho coisas boas a falar do Chipre.

A sua mulher conseguiu trabalhar no Chipre?
Sim, chegou a fazer trabalhos de modelo e também tirou um curso de auxiliar de enfermagem. Ainda lá fez o estágio num hospital. Queriam fazer-lhe um contrato de trabalho mas depois não tinha férias no natal ou tinha menos dias de férias e nós sempre que tínhamos férias queríamos vir a Portugal para estar com a família e decidimos que não valia a pena ela ir trabalhar. Ela sempre foi muito activa e tirava cursos. Também tirou o curso de professora de dança, chegou a dar aulas de hip hop no Chipre. Ela dança muito bem.
O que é que faziam nos tempos livres?
No verão íamos muitas vezes à praia. A ilha é muito pequenina. Estava com os amigos, que mesmo que jogassem noutras equipas, como a ilha é pequena, é tudo perto. O irmão da minha esposa, no meu segundo ano, também acabou por ir para o Chipre.

Jogar?
Sim, o meu cunhado é o Dossa Júnior, joga no AEL, é internacional pelo Chipre. Fomos nós que arranjámos maneira de ele ir para lá. Na altura em que fui fazer o meu passaporte cipriota, falei com a federação para ele também ser internacional pelo Chipre e ele pode jogar e ainda joga como internacional pelo Chipre.

Qual é a ascendência da sua mulher?
É moçambicana.

Já foi a Moçambique?
Já.

Gostou?
Eu não visitei a parte paradisíaca. Fui conhecer os familiares, estivemos num restaurante no centro da cidade de Maputo, que é mais complicado, não estive lá muito tempo, mas gostei muito.

Destes sete anos em Chipre, deve ter muitas histórias para contar. Há alguma que o tenha marcado mais e que se lembre imediatamente?
Assim de repente, lembro-me de uma história que aconteceu num jogo para o campeonato entre o Apoel e o Apollon. Ganhámos 2-0 e eu marquei um golo. Mas estava tão nervoso, excitado, sei lá o quê, que a meio do jogo deu-me uma quebra de tensão e tive que ir para o hospital.

Caiu no meio do campo?
Sim. O jogo já foi muito tarde, à noite, eu só tinha tomado o pequeno- almoço, tinha estado o dia quase todo sem comer mais nada. Estava excitado e com aquele stress todo de jogar contra eles e de querer ganhar, acho que foi isso. Marquei o golo, deu-me uma quebra de tensão que fui parar ao hospital, pela raiva de eles terem posto aquele cartaz no outro jogo. E houve outra situação também com o Apollon em que me assustei. Logo ao princípio fui de Nicósia para Limassol, gostava muito de Limassol, e fui lá com a minha mulher de táxi. Íamos a andar na rua a ver as lojas e de repente para um carro que vinha a toda a velocidade. Para mesmo à minha frente e saem três homens grandes. Assustei-me, pensei que eles iam fazer-nos alguma coisa. Mas aquilo foi só para meter medo, passaram por mim e não fizeram nada, mas assustei-me naquela altura.
Algum dos seus filhos nasce em Chipre?
Sim, o meu primeiro filho, o Kevin, nasceu em Chipre.

Em que ano?
Em 2012.

Houve algum hábito cipriota que tenha acabado por adquirir?
Agora já não, mas durante algum tempo, tinha um hábito deles. Eles para dizerem “não” fazem uma expressão com a cara em vez de falar. Levantam só os olhos e a cabeça para cima. Lembro-me que quando lá cheguei fui a um quiosque comprar qualquer coisa, já não me lembro o quê, e o senhor não me respondia nada, só fazia aquilo com a cabeça. E eu: “Mas, ó amigo, tem ou não tem?” e ele só fazia aquela expressão com os olhos e a cabeça, de baixo para cima, mas não abria a boca e tanto insisti que ele: “Já lhe disse que não”. E lá me esteve a explicar que em Chipre é assim que eles dizem um “não”. E ganhei aquele hábito, mas depois passou.

E da gastronomia, gostou ou detestou alguma coisa em especial?
Tenho saudades do queijo, do halloumi, do sheftalia, das saladas gregas. Também têm aquelas festas típicas gregas de partir pratos e de atirarem flores. Quando éramos campeões partíamos muitos pratos e atirávamos muitas flores, era uma alegria [risos].

Durante esses sete anos a sua mulher nunca reclamou, nunca disse que estava farta e queria ir embora?
Não. Esteve sempre ao meu lado e foi sempre o meu grande apoio.

Entretanto como é que se dá a passagem do Chipre para a Polónia?
Na altura tinha 29 anos, já tinha conquistado tudo em Chipre e chegou uma fase em que era para renovar por mais três anos com o Apoel e se o fizesse, acabaria por terminar carreira ali. Eu queria experimentar outra coisa e chegou realmente essa fase em que ou eu ia experimentar outra coisa ou acabava por ficar ali e terminava a minha carreira no Chipre. Falei com a minha esposa, disse-lhe que gostava de experimentar outros sítios e entretanto apareceram propostas de Israel e da Polónia - esta foi mais vantajosa e decidi ir para a Polónia.

Qual foi o impacto?
Foi difícil. O primeiro mês, mês e meio foi complicado. Apanhei um campeonato muito duro fisicamente, os jogadores são uns autênticos atletas, quando correm, têm força que nunca mais acaba. Comparado com o Chipre, que é muito mais técnico e muito mais suave, foi uma diferença muito grande. Mas passados dois meses acabei por me adaptar e correu muito bem.

E ao país, às gentes e à cidade, como é que foi?
É tudo diferente do Chipre, totalmente o oposto. As pessoas são muito fechadas, faz bastante frio em Varsóvia, enquanto em Nicósia era calor de quarenta e tal graus, na Polónia é o que é, neve. Mas também ajudou o facto do meu cunhado, o Dossa Júnior, ter ido comigo para o Legia Warszawa. Também lá estava mais um brasileiro, estávamos sempre juntos e ajudámo-nos.

A adaptação da sua mulher e filho também foi fácil?
Nem por isso. Na Polónia acabámos por sofrer de racismo, foi complicado ao princípio também. Já tínhamos o nosso filho, o Kevin, e a minha mulher estava grávida da nossa filha Kiara, que acabou por nascer na Polónia. Eu digo sempre que acho que foi um bocadinho Deus que nos enviou para a Polónia, porque a minha filha nasceu com uma atrofia do esófago. O esófago estava cortado ao meio e a comida não passava para o estômago. E é engraçado porque Varsóvia há um hospital que é especialista nestes casos e tem especialistas nesse tipo de operações. Acredito que foi Deus que me mandou para ali, só para poder salvar a minha filha. Acredito nisso, que fui para a Polónia com o propósito de salvar a minha filha. Se estivesse em Chipre tinha de ir de avião para a Grécia ou para Inglaterra primeiro. 

Foi detectado logo à nascença?
Assim que nasceu, a doutora começou a observá-la, viu que ela espumava muito da boca, mandou logo fazer exames lá no hospital, detectou que havia um problema e foi enviada de imediato para o outro hospital. Foi operada com horas de vida. Nasceu às oito e meia da manhã e foi operada às seis da tarde.

Deve ter sido um grande susto.
Foi um susto muito grande. Na altura o meu cunhado tinha ido para a selecção e a minha mulher estava no hospital, não podia sair porque também tinha acabado de dar à luz. Então eu estava sozinho lá no hospital. A sorte é que o preparador físico era espanhol e ficou comigo o tempo todo o que me ajudou bastante. Houve até uma altura em que uma enfermeira veio perguntar-me se eu queria mandar vir um padre para dar a benção, porque ela poderia não sobreviver. Disse-lhe que não queria nada, que a minha filha iria sobreviver, iria correr tudo bem. E graças a Deus correu tudo bem, mas naquela altura chocou-me um bocado e fiquei bastante irritado com a enfermeira.

A Kiara ficou sem sequelas nenhumas?
Ficou, tem só uma cicatriz na lateral das costas mas está tudo bem, come perfeitamente. É uma miúda incrível, com uma energia impressionante, tem cinco anos, é mais nova que o irmão, que faz sete em Janeiro, mas já manda nele [risos].
Ainda esteve duas épocas no Legia Warszawa.
No primeiro ano fomos campeões e no segundo ano ganhámos a taça.

E os festejos, muita vodka?
Os festejos foram impressionantes. Marcou-me bastante porque fomos naqueles autocarros abertos dar a volta pela cidade e aquilo era uma multidão impressionante. Até comparo - não em termos de números - quando ganhei com o Benfica uma Taça de Portugal, na altura do Camacho, em que fomos para o Marquês de Pombal. Ali no Legia senti a mesma coisa. Muitas pessoas pela cidade, o autocarro tinha que ir muito devagar porque era uma mar de gente. Adorei.

Costumavam ir comer fora ou a comida polaca não vos conquistou?
A comida é bastante diferente da nossa, se bem que eles têm umas sopas muito boas. Quando estava muito frio aquelas sopas quentinhas ajudavam a passar o frio [risos].

E os adeptos?
Tenho uma história com os adeptos polacos. Eles são malucos mesmo, gostam da luta, gostam da acção. Fomos jogar contra o Apollon, na Liga Europa, e como lá tinha estado muito tempo, conhecia muitas pessoas. Fiquei até mais tarde na recepção do hotel e deviam ser umas dez e meia quando eu ia para o quarto e estavam uns seis ou sete adeptos do Legia, todos grandes, com quase dois metros e chamar-me. Fui, um bocado receoso, mandaram-me sentar no meio deles e começaram-me a dizer: “Quando acabarem os jogos, diz aos teus colegas que vocês têm que lá ir ao pé da gente aplaudir-nos e agradecer-nos, porque nós viajámos e viemos aqui para estar com vocês. E é bom que avises mesmo porque se não vai haver consequências para vocês. Porque eu acabei de sair da prisão e andei à porrada por causa de ti lá em Cracóvia. Fui preso, saí e estou aqui para vos apoiar”. Mal saí dali fui logo a correr ao quarto de todos avisar os colegas: “Malta, amanhã se faz favor” [risos]. Eles são incríveis.

Como é que vai parar ao Qatar?
Quem me levou para o Legia foi um treinador, o Jan Urban, um polaco que jogou em Espanha. Entretanto a meio veio o Henning Berg, um norueguês, e a forma dele trabalhar foi bastante complicada para mim, basicamente dividia o grupo em dois, punha os 11 titulares e os 11 suplentes e calhou-me a mim ficar nos suplentes. Havia sempre jogos às quartas e aos sábados, os suplentes jogavam à quarta e os outros jogavam ao fim de semana. Acabei por jogar mas não tanto como gostava, e decidimos não continuar no Legia. Acabou o meu contrato e fui à minha vida. Entretanto estava à procura de clube, já não tinha ligação com o Carlos Gonçalves, tinha rescindido com ele logo no segundo ano em que estive em Chipre. Chateámo-nos porque eu dizia-lhe: “Não vim para ficar cá. Se é para renovar em Chipre, posso fazê-lo sozinho. O meu trabalho está a ser visto aqui, mas eu quero é que me tires daqui para fora.” Entretanto rescindi com ele. Estava portanto sem empresário e surge uma oportunidade de ir para a Grécia, para o Iraklis, e a meio da viagem recebi o telefonema de um empresário, o Bruno Silva, a dizer para eu não assinar na Grécia porque tinham uma oferta que não se podia recusar, do Qatar. Acabei por sair da Grécia e viajar directo para a Alemanha. Encontrei-me com o empresário na Alemanha e viajei para o Qatar. Foi uma coisa muito rápida, não estava à espera.

A família também vai consigo?
Ao princípio não. Estava muito calor, fiquei duas semanas sozinho no Qatar, depois fomos para a pré-época na Eslovénia. Quando regressei da Eslovénia já a família veio toda para o Qatar.

Como foi o primeiro impacto ao chegar ao Qatar?
Um calor que é insuportável. É mesmo complicado. Tem que se estar sempre com ar condicionado. É impossível estar na rua ao meio da tarde, há muito calor. Quase não dá para respirar. Foi este o primeiro impacto, mas eu adorei o Qatar. Gostei muito de lá viver, das pessoas, do estilo de vida, gostei muito.

Esteve lá quanto tempo?
Não chegou a um ano. O meu contrato era de dois anos mas infelizmente a equipa para onde fui era uma equipa muito fraca. Era a primeira vez que estava na Primeira Liga do Qatar e lá só podem ter três estrangeiros da Europa ou da América e um asiático, o resto da equipa tem que ser com jogadores locais. Só que os melhores jogadores locais não queriam vir para a minha equipa, porque era a que pagava menos e, como era a primeira vez que estava na Primeira Liga, supostamente estava condenada logo a descer. A equipa basicamente era eu, o brasileiro Erivelto, que foi avançado do Covilhã, o Rafael Amorim e mais um do Irão - o resto eram miúdos do Qatar. Uns com 16, 17 anos. Tinha miúdos que me davam pela cintura. Cada vez que havia um livre ou um canto, meu Deus, sofríamos golos que era uma coisa maluca. Todos os dias apareciam jogadores novos que ninguém sabia quem eram. De tal maneira que às vezes eu próprio convidava amigos para lá irem à tarde fazer uma peladinha. Em Portugal era impensável acontecer uma coisa dessas, chegar ao clube e haver gente nova praticamente todos os dias para treinar com a equipa. Tive um bocadinho de azar, porque gostei muito do Qatar e gostava de ter lá ficado. Quando chegou a Janeiro já estávamos condenados, tsó ganhámos um jogo e empatámos outro, o resto era só derrotas. O meu contrato no final do ano já não ia ser renovado porque descia de divisão e surgiu a possibilidade de ir jogar para o Anorthosis, em Chipre. Chegámos a um acordo, rescindi. Isto foi no princípio de Fevereiro, já tinha assinado tudo, viajei para Chipre, mas quando lá cheguei os papéis tinham entrado dois minutos depois da hora, não se deu a inscrição, e fiquei sem jogar até ao verão.
O que fez nessa altura? Ficou a viver onde?
Vim para Portugal, para o Algarve, onde tenho casa, e aproveitei para ficar com a família e fazer coisas que nunca tinha feito, porque raramente estava com os meus filhos e com a minha esposa. Foi um período, por um lado, difícil, porque gosto de jogar à bola e gostava de estar inserido num clube a trabalhar, mas por outro lado foi bom porque tive tempo para estar com a família e com amigos e ter uma parte mais social.

Entretanto surge a Noruega. Como?
Tinha ficado aquele período entre Fevereiro e Junho sem nada, apareciam ofertas mas como estava habituado a uma certa realidade... Vou dar um exemplo. Apareceu, por acaso, uma oferta do Boavista e ofereceram-me valores a que não estava habituado na altura e achei que não queria. Se fosse hoje, se calhar aceitava. Foi-se passando o tempo, as janelas foram-se fechando, vi que já não tinha mais nada e é quando surge a possibilidade de ir para a Noruega. Estava lá um treinador português, o Luís Pimenta, e o adjunto, o Bruno Gonçalo Pereira. E quem me levou para lá foi o Bernardo Vasconcelos, um grande amigo meu que agora é empresário. Depois correu tudo muito bem, acabámos por ir à final da Taça, perdemos contra o Rosenborg e lutámos até ao fim em playoffs de subida para a Primeira Liga. Acabámos por não subir mas foi muito bom, foi uma experiência muito agradável.

A sua família foi consigo para a Noruega?
Dessa vez não. Foi das poucas vezes em que a família não foi. Só fui quatro meses, mas vinha a Portugal todos os meses.

A Noruega tem um estilo de vida muito diferente daquilo a que estava habituado. Ou não?
Sim, muito diferente, é muito mais calmo. Estava a 45 minutos de Oslo, num sítio onde não se passava nada. Era uma paz de alma. Vais treinar e ficas a ouvir os passarinhos [risos]. Na maioria das vezes, quando não tinha treinos, ia para Oslo ou para outro lado, porque ali realmente não se passava nada. Tinha um rio, ficavas a ver o rio e a dar umas caminhadas, mais nada. Jogava-se às cartas. Muitas vezes acabávamos o treino, almoçávamos no clube e ficávamos ali a jogar às cartas, a conviver com os jogadores ou então ia-se para casa ver televisão. Eu ia mais para casa para poder falar no Facetime com a família e com os miúdos.

Estava num hotel ou num apartamento?
Arranjaram-me lá um apartamento. Mas foi muito positivo, gostei bastante da Noruega.

Salta da Noruega para a Grécia?
Quando acabou a Noruega, aquilo tinha corrido bastante bem e recebi várias ofertas e uma delas era de uma equipa da Segunda Liga da Turquia, com um bom contrato. Fui para a Turquia. Estive lá três semanas, já tinha assinado o contrato, até me pagaram o prémio de assinatura, estava tudo normal. 

Qual era o clube?
O Mersin. Fui eu e mais quatro rapazes, que eles contrataram na janela de Janeiro. Já estávamos a treinar, tudo normal, a fazer jogos de treino, tudo numa boa. Entretanto chega o final de Janeiro e eles dizem que a Federação turca não aceitou a nossa inscrição porque o clube tinha umas dívidas enormes. Foi uma confusão danada e pensei, bom, está a acabar o mês, vou ficar outra vez até Junho sem jogar. O mercado já tinha fechado em muitos sítios mas estava ainda aberto na Grécia. Pensei que entre estar em casa sem fazer nada ou jogar, vou para a Grécia jogar dois ou três meses. Mas arrependo-me de ter ido para o Trikala.

Porquê?
Não gostei nada da Grécia.

Então?
Não gostei do sítio, não gostei do ambiente, não gostei. Praticamente só estive um mês e quinze dias na Grécia. Cheguei, joguei dois jogos, acabei por me lesionar, estive duas ou três semanas lesionado, regressei e o clube já tinha mudado duas ou três vezes de treinador. Uma confusão danada. Uma vez fomos jogar à ilha, foram umas quatro horas de autocarro e depois umas dez horas de barco. Fomos, perdemos o jogo e quando voltamos, o presidente fez uma reunião no barco, no navio. O presidente tinha dois seguranças. Sentou-se, pôs a arma dele em cima da mesa e começou a falar: “Mas o que é isto? Vocês só têm três opções. Chegam a Atenas e estão lá os adeptos para vos bater ou ficam sem receber até ao final do ano. A terceira opção são vocês que vão decidir. Conversem entre vocês e venham dizer-me o que é que vocês querem”. Aquilo para mim foi uma realidade de malucos e à primeira oportunidade... Ainda aguentei lá umas duas semaninhas, voltaram a mudar de treinador… Uma loucura.

A situação do barco como acabou? O que decidiram?
O nosso capitão foi falar com ele e disse-lhe: “Presidente, não se preocupe, nós temos jogo na quarta-feira e vamos ganhar, vamos dar a vida”. Entretanto passaram-se uns dias e o nosso presidente infelizmente teve um problema no coração, foi para o hospital, teve que fazer uma operação e deixou de ir ao clube. E acho que foi a melhor coisa que aconteceu ao clube porque ele deixou de meter pressão nos jogadores e as coisas começaram a correr melhor, a equipa começou a ganhar jogos. Mas entretanto tinha passado um mês, recebemos o salário, que já não vinha como tinhamos combinado, e aproveitei que não havia presidente para vir embora. Nessa altura ainda estava sozinho, não tinha arranjado casa, estava num hotel e decidi falar com a minha mulher, ir embora. Já não estava a aguentar mais estar sozinho, as condições não eram as melhores, havia campos que eram uma vergonha, o balneário parecia um campo onde havia animais, como não havia palhotas os animais ficavam lá a dormir, era muito degradado. Não estava para passar por aquilo, fui falar com as pessoas do clube para rescindir. Não queria que me dessem nada, só queria ir embora. Eles lá aceitaram, resolvemos tudo muito rápido e fui logo embora.

Foi para onde?
Vim para Portugal. Cheguei em Fevereiro, fiquei praticamente até ao final de Março sem nada, depois apareceu o Kongsvinger da Noruega, que estava a passar dificuldades. O director ligou-me, ligava-me muitas vezes para eu lá ir dar uma ajudinha, e acabei por ir dar uma ajuda para eles não descerem de divisão.
Voltou a ir sozinho?
Não, dessa vez já fui com a minha mulher e com os meus filhos. Estivemos lá três meses.

Eles gostaram?
Para ser sincero, não muito. Ali não se faz nada, é muito pacífico, é muito parado. Aquilo é bom para quem tem problemas de coração. Vai para ali e fica logo bom [risos]. É muito calmo, há muita natureza .

Estava a dizer que ficou lá três meses.
Sim, dois meses e meio. Assim que o campeonato acabou vim para Portugal. Mal cheguei, o empresário turco que me tinha levado para o Mersin arranjou-me logo uma proposta para ir para a Índia, para o NorthEast United, onde estava o treinador João de Deus. Foi muito rápido, mal cheguei comecei logo a tratar dos papéis para ir para a Índia, o que demorou umas três semanas, e no dia 15 de dezembro viajei com a família.

Qual foi o impacto?
Era totalmente oposto à Noruega. Na Noruega era frio e tudo muito organizado, tudo muito certinho e direitinho. Cheguei à Índia era uma confusão, lixo, trânsito que nunca mais acabava, uma balbúrdia. Mas foi uma experiência boa, aprendi bastante, conheci realidades diferentes e acabamos por dar valor ao que nós temos.

Viu muita pobreza?
Vi. Muita pobreza, crianças a apanhar lixo, é complicado. Assim damos valor ao que temos em Portugal, Estamos num sítio incrível e fantástico.

Esteve na Índia quanto tempo?
Cheguei em dezembro e o campeonato acabou em abril. Depois ainda havia uma taça para jogar mas já não joguei porque achei que não valia a pena continuar lá. A minha mulher ficou a viver com as crianças num hotel e aquilo 24 sobre 24 horas, com duas crianças, foi um bocadinho stressante e eu acabava por ficar muito tempo fora. Às vezes íamos jogar a uma cidade e depois dessa íamos logo de seguida para outra e chegava a ficar dez, quinze dias fora.
Vem novamente para o Algarve. Como surge a hipótese do Louletano?
Na Índia já tínhamos decidido que independentemente de jogar ou não, não íamos sair mais de Portugal, porque o meu filho ia entrar na primeira classe e queríamos criar raízes. Queria que o meu filho no seu aniversário tivesse amigos para convidar e a minha filha o mesmo. O Kevin quando cá chegou tinha cinco anos e os aniversários nunca foram passados com ninguém da família ou com amigos. Era pelo Facetime, a falar com os avós, muitas vezes nem eu estava presente e achámos que era o momento certo. Era hora de parar e estabilizar. O Faria, que é um grande amigo meu, estava no Louletano, e um dia ligou-me: “Mano, vais ficar em Portugal, podes vir dar uma ajudinha ao Louletano. Vem para aqui comigo”. Apresentou-me ao presidente, conversámos, gostei da forma como estão a fazer as coisas e pronto.

É uma realidade completamente diferente do que estava habituado.
Em termos de futebol praticado, sim, é diferente. Claro que se apanham estádios diferentes, jogadores diferentes, mas estou a gostar bastante. Gosto muito do grupo que temos, da forma como o clube está estruturado e organizado. Temos um investidor, o Hugo Garcia, que tem um projecto para o clube que me parece muito interessante e nós trabalhamos como uma equipa profissional. Tomamos pequeno-almoço, temos treino, sala de vídeos, temos banhos e massagens, temos uma estrutura não com tanta qualidade, mas com todas as coisas que as equipas profissionais fazem.

Actualmente onde é que está a viver?
Eu vivo em Vilamoura. Tinha e tenho um apartamento que está alugado. Na altura quando estava na Polónia, comprei um terreno e construí uma moradia mesmo ao lado do apartamento em Vilamoura. 

Onde ganhou mais dinheiro?
No Qatar.

Investiu onde?
Investi praticamente em apartamentos, no imobiliário.

Nunca se meteu em negócios?
Não. Já tive quatro apartamentos, entretanto já vendi dois, agora tenho a moradia e o apartamento. Cheguei a ter um apartamento em Chipre que entretanto vendi. Basicamente foi sempre em imobiliário. Neste momento eu e o Flávio Casal do Benfica estamos a tentar ter um negócio em Portimão, relacionado com desporto, já tivemos reuniões com a câmara mas ainda está tudo muito fresco.

Mas seria o quê em concreto?
É uma zona para praticar desporto com campos sintéticos, campos de padel, de futepadel. Uma área que englobe várias modalidades.

A sua mulher profissionalmente fez mais alguma coisa?
Neste momento gere a parte imobiliária, vê o que há para comprar, trata do aluguer dos apartamentos, toma conta da casa e dos filhos, o que dá muito trabalho. Dou-lhe valor porque agora que estou em casa, também ajudo, mas vejo que dá muito trabalho [risos].

Ficou com algum sonho por cumprir?
Talvez não ter sido internacional na selecção A, nem por Portugal, nem pelo Chipre. Fui chamado dos sub-17 até aos sub-20, aos sub-21 já não fui.

O que é que sentiu ao vestir pela primeira vez a camisola da selecção?
No futebol o que mais me marcou foi o ter sido internacional por Portugal e jogar a Liga dos Campeões, quando estava em Chipre. O ser internacional era um sonho de criança. Lembro-me que nos sub-15, estava no Benfica, e quando era a convocatória para a selecção ia sempre ver se lá estava o meu nome. Andava sempre ali e ficava muito triste quando não era chamado. Por isso quando fui a primeira vez foi um sonho, foi espectacular. Foi uma sensação incrível, adorei.

Foi praxado?
Fui, já nem me lembro quem é que me praxou. Era a praxe do treinador, já não sei se era o Silveira Ramos ou o Caçador... Davam umas chapas na cara , uma brincadeira.

Estava a dizer que se calhar a sua maior frustração foi não ter jogado pela selecção A. Pode dizer-se que se calhar isso aconteceu por não ter jogado e vingado mais nos clubes grandes portugueses e no futebol português?
Sinceramente não. Eu pude sentir um bocadinho o que era estar no Benfica, que é um dos maiores clubes de Portugal. Desfrutei muito por ter jogado em clubes grandes de outros países. Fui campeão em Chipre, na Polónia. Em Portugal também fui campeão de juvenis. Sempre adorei lutar por títulos e se tivesse ficado em Portugal a jogar em clubes onde lutava era para não descer ou para subir, se calhar aí não ia estar realizado. Hoje sinto-me bastante realizado por ter conseguido fazer do futebol o meu sustento para mim e para a minha família, e por ter conquistado títulos.
Está com 34 anos. Já lhe passa pela cabeça pendurar as chuteiras?
Mais ou menos. Agora é ano a ano. Este ano estou a gostar muito da experiência do Louletano, estou em casa, com a minha família e amigos. Entretanto já comecei a tirar o curso de treinador de nível I. Mas estou a sentir-me bem, estou a jogar e estou a gostar. No final do ano logo se vê.

No futuro o que se vê a fazer?
Há dias em que me vejo ligado ao desporto e há outros em que me vejo ligado a outro tipo de negócios, por isso não sei dizer. Gostava se calhar de começar a treinar na formação. Mas ainda não tenho objectivo concreto.

Os seus filhos torcem por que clube?
O meu filho em Abril começou a jogar aqui à bola e entretanto foi chamado para as escolas do Sporting, na Guia. É maluco pelo Ronaldo. E adora o Sporting."

Quem 'matou' a mudança? Suspeito n.º 8 - A relação com o líder


"Tudo estava calmo e tranquilo, o Detective Colombo caminhava junto à margem do rio, até que toca o telemóvel com aquele som estridente – de forma a nunca perder qualquer chamada. Olha para o visor e vê o nome Robert Jones e de imediato atende. “Olá Colombo, necessito falar contigo, tenho um problema com os meus filhos e necessito da tua ajuda” e sem deixar o Detective Colombo responder, continuou – “podes almoçar comigo hoje?”. “O que te preocupa e é tão urgente?” – perguntou o Detective. “Colombo é urgente, pode ser?” – devolveu o seu amigo Robert. Num flash de menos de um segundo, passaram-lhe pela cabeça todas aquelas imagens em que se conheceram, durante a recruta em Infantaria, se apoiaram e começou a sentir alguma apreensão, com a urgência, com o tom de voz do seu amigo e com a companhia da voz interior que lhe dizia - tens que responder sim - e de imediato disse – “sim, claro, onde e a que horas?”; “ao meio-dia na Taberna” – devolveu o amigo.
Depois de desligarem, o Detective Colombo ficou algo inquieto e questionava-se – “o que é que está a preocupar o Robert, é urgente e tem a ver com os filhos?” Ao chegar ao Taberna, verificou que o amigo já o esperava, o que achou estranho, pois era muito boa pessoa, mas chegava sempre atrasado a tudo o que combinavam e se o amigo já lá estava, é porque era mesmo importante. Por isso, o Detective Colombo ficou ainda mais preocupado. Enquanto se aproximava do seu amigo, que ao contrário do habitual, não o estava a receber efusivamente, observou um olhar e rosto fechado e, depois de se saudarem, o Detective Colombo tirou a sua famosa gabardine e perguntou – “o que se passa, que te preocupa e é urgente?”. “São os meus filhos” – respondeu o amigo Robert. “O que se passa? Está tudo bem com o Julian e com o Henry?” – perguntou com um ar angustiado o amigo Colombo.
O Julian e o Henry eram dois adolescentes, gémeos verdadeiros, aparentemente semelhantes em tudo. Ambos altos, morenos, bem constituídos e até tinham um sinal igual na cara. Adoravam futebol e ambos jogavam no F.C. Galácticos. Nada os distinguia, a não ser o comportamento.
“Colombo, como sabes não sou de incomodar ninguém com os meus problemas, mas a situação está a provocar um desconforto enorme, não estou a conseguir resolvê-la e necessito de ajuda. Estás disponível e queres ajudar-me?” – perguntou o amigo Robert. “Claro que sim. O que se passa Robert?” – perguntou o Detective Colombo, até que são interrompidos pelo garçom – “boa tarde, sejam bem-vindos ao Taberna, aqui estão as ementas. Há alguma coisa que possa trazer de imediato, enquanto escolhem?”. Esta interrupção e pausa pareciam ter demorado uma eternidade. “Obrigado, respondeu o Detective. Por favor, traga uma água enquanto escolhemos” – disse o Detective Colombo.
“O Julian e o Henry estão a preocupar-me.” – começou por dizer o amigo Robert – “O Henry faz tudo o que o treinador lhe pede, segue à letra as suas solicitações, não dá um passo sem o aval do treinador, enquanto o Julian parece o negativo do Henry, pois está sempre contra todas as indicações do treinador, não o ouve, faz tudo à sua maneira. Estou irritadíssimo com o que está a acontecer com ambos e não sei qual é a alternativa”.
“Qual é a imagem que te aparece, quando pensas em cada uma das situações?” – indagou o amigo Colombo. “A de uma pessoa que necessita de ajuda para tudo, no caso do Henry, como se estivesse dependente do treinador para tudo e a de uma outra pessoa que recusa qualquer ajuda dos outros, no caso do Julian, como se estivesse contra qualquer dependência do treinador” – devolveu o amigo Robert. “O que é importante para ti Robert?” – perguntou o amigo Colombo. “É importante que os meus filhos respeitem e escutem os outros, que se respeitem a si próprios e sejam autónomos” – respondeu o amigo Robert, que perante o olhar do amigo Colombo continuou – “como sabes ambos treinam há muitos anos, ambos adoram jogar, mas o Henry parece que não confia nas suas enormes capacidades, quase que as nega, até receia as consequências de confiar nelas e portanto não arrisca, não toma a iniciativa, induz a ajuda das outras pessoas, nomeadamente do treinador e para mim é importante que eles aprendam a fazer algo, a lutar por aquilo que desejam, não fiquem sempre dependentes, à espera que os outros os ajudem. Por outro lado, o Julian manifesta uma confiança do tamanho do mundo nas suas capacidades, receia as consequências de não confiar nelas, desconfia da capacidade dos outros, inclusive de colegas e do treinador, assume que tem capacidades e toma a iniciativa, mas não escuta nem aceita qualquer ajuda dos outros, quando muito e curiosamente, está sempre pronto para ajudar os outros”.
“Como é que o treinador reage a tudo isso?” – perguntou o amigo Colombo. “A reacção é extremamente paradoxal e acaba por ser confusa” – devolvia o amigo Robert, enquanto o amigo Colombo exclamava – “paradoxal e confusa!”. “Sim, o treinador no início tem uma excelente relação com o Henry, dado que ele segue todas as suas indicações, contudo e com o tempo, quando chegam os jogos importantes e o treinador precisa que o Henry vá à luta e arrisque, não é isso que acontece, porque o Henry está à espera que seja o treinador a resolver o problema. Ou seja, ambos estão à espera que o outro resolva, mas dada a relação de dependência alimentada, o Henry não toma a iniciativa, os resultados não são os esperados pelo treinador e ele começa a irritar-se com o Henry, por ele se ter tornado no que o treinador alimentou” – disse o amigo Robert, enquanto com extrema curiosidade o amigo Colombo perguntava – “e quanto ao Julian, o que se passa de paradoxal?”.
“O Julian irrita o treinador desde o início da época, os problemas, as repreensões, os castigos, o ficar fora da convocatória, as ameaças de abandono, a rebeldia e revolta, (…), são constantes, o que é desgastante para todos: ele, treinador e nós pais. Entretanto, quando chegam os momentos decisivos, os jogos a “doer”, que marcam as épocas, o Julian tenta, arrisca, faz algo para as coisas acontecerem e umas vezes correm mal e outras vezes correm bem. Quando correm bem, acabam por ser os “Julians” os jogadores que ajudam a ganhar os jogos a “doer”, mas de uma forma individualista, e, paradoxalmente, acabam por receber os elogios dos treinadores. Ou seja, é elogiado por se ter recusado a tornar no que o treinador inicialmente desejava” – devolveu o amigo Robert.
“Ou seja, os jogadores que dependem os treinadores, recebem a sua aceitação no imediato, não confiam nas suas capacidades, não as desenvolvem, não ajudam as equipas a vencer e, a longo-prazo, colhem o desinteresse dos treinadores. Isso irrita-te, porque acreditas que a autonomia, a liberdade, a iniciativa e o direito à diferença são importantes; enquanto, os jogadores que se revelam contra a dependência dos treinadores, obtêm a sua reprovação imediata, mas e por confiarem nas suas capacidades, continuam a tentar, desenvolvem as suas capacidades e confiança e, por vezes, acabam por ajudar as equipas a vencer. Consequentemente, a longo-prazo, recebem o interesse dos treinadores e isso irrita-te porque o respeito pelos outros, a congruência de comportamentos e a justiça são coisas importantes para ti. O teu desejo é que ambos desenvolvam e confiem nas suas capacidades, mas que também confiem nas capacidades dos outros, que ambos respeitem os outros e que ambos se respeitem a si próprios, ou seja que ambos sejam capazes de criar relações de interdependência com treinador hoje e com os líderes amanhã, quando forem trabalhar” – tentava resumir o amigo Colombo. “Correto, entendeste-me na perfeição e, já agora e pior, este problema não afecta só dos meus filhos. Pelo que percebo esta situação é comum às diferentes equipas do Clube” – comentou o amigo Robert.
Enquanto ouvia a aprovação do amigo Robert, o Detective Colombo associou esta situação a: dois colegas de trabalho, um sempre dependente do chefe, a tentar agradá-lo, mas que não toma a iniciativa e um outro que está sempre a fazer tudo à sua maneira, “sofre” as explosões do chefe e que geram problemas idênticos aos descritos, com emoção, pelo amigo Robert; dois primos e da relação que mantinham com Pai deles, que tanto tentavam agradar-lhe que acabaram por se tornarem no que o Pai não desejava, pessoas reactivas; alguns treinadores que queriam muito ganhar, para isso necessitavam de jogadores proactivos, mas fruto do tipo de relação que semearam com eles, acabavam por colher exactamente o oposto; de outros treinadores que tentam estimular a autonomia e iniciativa, dizendo menos e estruturando mais, e que alguns dirigentes e pais confundem com falta de apoio, quando apenas desejam que os seus Atletas e Filhos façam por serem o que desejam ser.
Para além disso e dado que continuava a trabalhar na investigação do crime - quem tinha “matado” a mudança no F.C. os Galácticos - o Detective Colombo pegou no seu bloco de notas e escreveu:
1. “A relação com os líderes, de dependência ou de contra dependência, é mais um dos suspeitos de estar a “matar” a mudança nos Galácticos;
2. Tenho de falar com o Presidente Angie, se quer que a mudança aconteça, então é importante substituir as relações de dependência e contra dependência por relações de interdependência, no seu Clube”.
Entretanto, o jovem garçom regressa à mesa e pergunta: “já escolheram …” Enquanto o amigo Robert pegava na ementa pela 1ª vez, para escolher, o Detective Colombo pensava – que tipo de relação os pais querem estabelecer com os filhos, os professores com os alunos, os treinadores com os jogadores e os líderes com os colaboradores?"

Benfiquismo (MXVI)

Os grandes também se abatem...!!!