"1. Por vários sítios aparece como tendo nascido a 13 de Julho de 1934 no Peso da Régua. Mas não, não foi: «Foi a 3 de Maio, nessa altura eram normais essas diferenças nos registos». O seu primeiro ídolo foi Pinga e aos 12 anos, lembrou-se de aprender o ofício de torneiro-mecânico: «Ao fim de oito dias, entalei o dedo médio da mão esquerda numa máquina, ficou esmagado, tiveram de mo amputar...»
2. Aos 15 anos foi para o Reguenses - e tinha outra paixão: o cinema. Sobretudo, Greta Garbo. «Para ver um filme numa esplanada não comprei bilhete, fui empoleirar-me numa árvore. A certa altura a pernada caiu, partiu-se-me a perna, a costela...»
3. Famoso pelo seu pontapé canhão, aos 17 anos tornou-se jogador do Sport da Régua. No ano seguinte, a Lisboa o chamaram-no para a tropa. Leôncio, seu companheiro de caserna, jogava pelo Palmense - e desafiou-o para lá.
4. Os golos a fio no Palmense aqueceram-lhe o sonho - pelo que se atreveu a aparecer no Benfica para um teste. Otto Glória chegara do Brasil mas foi Valdivieso quem lhe fez a prova. Mandou-o passar pela secretaria, Albino Rato afirmou-lhe: «Veja se, na Régua, arranja a carta de desobrigação e, depois, volte cá». Não gostou do tom - e no Palmense continuou.
5. Tropa feita, foi oferecer-se ao Braga, Imbelloni não o quis. Apanhou a camioneta para Guimarães, ao cabo de 15 dias, Galloway revelou-lhe: «Não, rapaz, não serves para nós...»
6. Tinha amigo no Salgueiros, falou dele a Alfredo Valadas, que o treinava - e ao segundo treino acertou-se a sua contratação, dando-se 3000 escudos ao Sport da Régua.
7. Meses depois, o FC Porto foi buscá-lo à Régua, hospedou-o no Lar do Jogador, dizendo-lhe que a prova decisiva para ficar era jogo na Póvoa, contra o Varzim. Não chegou a fazê-lo, tio da mulher desviou-o para o Caldas, que subira à I Divisão.
8. Com Fernando Vaz a treinador arrancou para 55-56 como avançado-centro. Magoando-se Abel, passou ele para central. O FC Porto voltou à carga - a resposta do Caldas foi: «Não demos mais de 100 contos por um jogador para o utilizar só uma época». Num choque, com Cavém partira a cabeça - e na jogada seguinte mais um choque com Cavém voltou a parti-la: «Andei uma semana maluco, com tonturas quando andava na rua, chegando até a cair - mas não, não deixei de jogar nem um dia». Em 1958-59 foi médio-centro - e pelas Caldas apareceu-lhe Gastão Silva a dizer que Guttmann o queria na Luz. «Assinei, desci as escadas da sede a gritar: Já sou do Benfica. Com copo de três o comemorei numa tasca ao lado e, de braços no ar, continuei até ao Rossio, a gritar: Já sou do Benfica!»
9. Esteve na batalha de onde o Benfica saiu para a final da Taça dos Campeões. Vencera o Rapid na Luz por 3-0. 15 dias depois no Prater, havia 1-1, à beira do fim. Skocik caiu na área, o árbitro mandou seguir, Guttmann pôs as mãos à cabeça, pressentindo a ira. Águas também - e correu para o jiz a suplicar-lhe que assinalasse o penalty contra o Benfica, disse-lhe que não, que não fora nada. Após soco a um benfiquista, Skocik agrediu o árbitro a pontapé, ele deu o jogo por findo. Fugiu para a cabina, aconselhou os benfiquistas a fazerem o mesmo.
10. Espectadores rasgaram redes, saltaram das bancadas, desmontaram o placard do relógio, arrancaram cadeiras, precipitaram-se para o balneário onde os benfiquistas se barricaram. Ouviram-se gritos, vidros a estilhaçarem-se, pontapés na porta - e José Augusto contou-o: «Lá dentro, tínhamos martelos, ferros de bater nos pitons, navalhas de raspar as pernas. Os primeiros a entrar caíam. Depois era uma avalanche». O autocarro que levara o Benfica foi quase destruído por chuva de pedras, a comitiva teve de voltar ao monte nas carrinhas da polícia, protegidos por metralhadoras.
11. Por se ter lesionado num joelho, em Berna, nos 3-2 ao Barça, o médio esquerdo não foi ele - foi o Cruz. Deixou o Benfica em 1963, três vezes campeão. Esteve dois anos jogador-treinador no Benfica de Castelo Branco. Treinador deixou de ser no Torralta em 1976, ficou responsável por piscinas no Alvor - e morreu, em Portimão, na segunda-feira."
António Simões, in A Bola