"Curiosamente, ainda ninguém se lembrou de criar períodos dedicados à transumância de treinadores
1. Setembro, dia 2: o fim do sempre frenético mercado (neste dia em regime de saldos), embora haja há uma espécie de mercado de futuros. Dia 3: o início de (poucos) meses de tréguas na girândola real ou imaginária de transferências, negócios e comissões. Coincidem estes dias com a paragem (a primeira) do campeonato por causa das selecções. Tudo em conjunto, eis algum sossego.
Curiosamente, ainda ninguém se lembrou de criar períodos dedicados à transumância de treinadores. Pensando um pouco sobre o assunto, poderia haver datas diferentes das que se usam para os jogadores. Por exemplo, um primeiro período das «chicotadas precoces» em Setembro, depois um segundo, o «das chicotadas de quem não chegou ao Natal» e, por fim, um período das «chicotadas photo finish», numa versão de poção mágica para as derradeiras jornadas.
Por cá, e ao fim de 4 rondas (pouco mais do que 10% da competição), já houve três treinadores despedidos: o do Paços de Ferreira, o do Belenenses SAD e do Sporting. No caso do técnico holandês, dez meses volvidos sobre a sua entrada que até foi fulgurante, a avaliar pelos primeiros resultados. E, como mandam os eufemismos de ocasião, saiu com palavras de reconhecimento pela entidade patronal que o despediu com distinção e com uma comunicação oficial à CMVM algo inovadora e sarcástica: «existiu uma manifestação de interesse para cessação do contrato de trabalho do treinador Marcel Keizer». Imagino o alívio do homem, depois de, nas delirantes vésperas, ter assistido à saída de Bas Dost e Raphinha e à entrada, por empréstimo, de três «diamantes por lapidar, (re)lapidar ou delapidar» (o próximo futuro dirá). Segue-se Leonel Pontes, actual treinador de uma das equipas do SCP. Não sabemos ainda se para ficar ou se para fazer a ponte para um novo técnico. Afinal, uma solução formalmente semelhante à do sempre odiado Benfica que, neste contexto, como em quase todas as situações, é a verdadeira bitola ou benchmarketing a seguir.
Nos últimos dez anos, o Sporting prepara-se para ter o seu 14.º treinador, o que dá uma média de 8,7 meses de permanência. Já o FC Porto vai no seu 8.º técnico e o Benfica tem em Bruno Lage o seu 3.º líder.
Com a cessação deste período de instabilidade dos plantéis, favorecido pelas instâncias superiores do futebol internacional que, entre outras anomalias, têm permitido que desague pelos campeonatos dentro e até pelas provas europeias, não nos vemos livres, porém, do ruído de alguns canais noticiosos generalistas. Afinal, o circo tem de continuar e se não há mercado, haverá mercadoria, se não há especulação negocial, haverá efabulação nos bastidores. Enfim, o país das notícias condenado a ter de gramar com tudo à volta de futebol, menos o futebol propriamente jogado.
Tenho esperança que também possa hibernar por uns tempinhos toda a fantasiosa novela à volta de Bruno Fernandes-sai-não sai. Uf! Já não aguentava mais, apesar de me ter especializado em zapping alucinante. Não que não o considere um grande jogador e um excelente profissional. Mas acredito que até ele já não deveria ouvir com agrado tanta palavra, tanta especulação, tanta fantasia, tanta rumor, tanta viagem real ou fictícia, tanta milhões para cá e para lá! O jogador fica no SCP, o que, se eu fosse sportinguista, muito me agradaria. Pena não haver ninguém que pegue nas declarações de uns poucos informadores de mercado que falam como infalíveis e usando normalmente o plural majestático. É que até se poderia construir uma montagem sequencial das «notícias em primeira mão» ou «notícias de fonte segurissima», que foram sendo dadas, em abundante diarreia, nestes três longos meses. Seria uma montagem seriamente candidata aos Guiness do que está-para-acontecer-mas-nunca-acontece.
E agora sim, posse ler, com interesse e atenção, a única informação verdadeira e rigoroso sobre os plantéis (e não só) nos sempre bem-vindos Cadernos de A Bola, que, aliás, guardo desde as primeiras edições e que, não raro, me têm sido úteis para esta minha coluna. Ainda bem que agora o rigor factual vence a velocidade da falta de rigor, esperando-se sensatamente pelo fim do tal mercado, pelo que não há jogadores na informação prestada que... deixaram de estar nos plantéis e vice-versa. Apenas como exemplo do que se evita, basta comparar uma edição do género no princípio de Agosto (que as houve) com outra em Setembro, quanto ao plantel do Sporting para a presente época. Em termos informativos, é o que se poderia chamar vender gato por lebre (neste caso,vender gato por leão).
2. Centrando-me agora no meu Benfica, estou em condições de ter a ousadia de opinar sobre alguns aspectos do plantel. Ao todo, são 29 atletas, número excessivo que, todavia, pode ser bem gerido no contexto coordenado da equipa principal + Benfica B + Equipa sub-23 + Juniores.
Em termos qualitativos, terá havido alguma redução, por uma simples razão: não é fácil compensar, em pouco tempo, o que Jonas e João Félix representaram no clube.
No entanto, estas saídas, desportivamente bem dolorosas, devem ser plenamente compreensíveis. A de João Félix, pelos valores que envolveu e que foi a mais elevada transferência do mundo neste defeso. A de Jonas, por ter terminado a sua carreira, por motivos físicos (a propósito, excelente o livro agora publicado O Benfica segundo Jonas, no qual podemos saber muito mais sobre os bastidores e o interior da família benfiquista!). Houve ainda o fim do contrato com Salvio, o que é aceitável, embora pense que continuaria a ser muito útil à equipa (sem lesões, evidentemente).
Quanto aos ingressos, não entro no habitual cliché de panegíricos por um ou outro bom jogo, nem caio na fácil (e, não raro, injusta) maledicência, só porque «ainda não se viu nada do outro mundo». Por isso, prefiro esperar mais umas semanas para ter uma opinião mais precisa. De qualquer modo, não tenho dúvidas que Raul de Tomas é um bom jogador, e acredito na muita utilidade que Vinícius possa vir a ter a longo de uma temporada desgastante. Caio Lucas necessitará de uma fase de transição para perceber que jogar para as bancadas da Arábia não é o mesmo que jogar no campeão nacional. Finalmente, Chiquinho vai ser uma revelação de categoria, saiba ele ultrapassar esta fase de recuperação de uma grave lesão. Trata-se de um jogador inteligente, tacticamente versátil e que, na minha opinião, não fora a lesão,poderia ser já titular. Há ainda uma quase-aquisição chamada Adel Taarabt, que, em boa hora, Lage soube recuperar e potenciar para as muitas qualidades futebolísticas que evidência.
Percebo a continuação de Fejsa atendendo à onda de lesões no meio-campo e tenho muita fezada em Jota que, como agora sói dizer-se, pode «explodir». Dos que ficaram e que, ao que parece, eram para não continuar, fico contente por Cervi se manter na Luz, tratando-se de um jogador útil e laborioso. Já quanto a Zivkovic, penso que foi pena não ter saído até porque não me parece justificar o alto valor da sua retribuição, apesar de ter tido um bom desempenho em 2017/2018 quando substituiu o lesionado Krovinovic. Quanto à posição de guarda-redes, Vlachodimos é um bom jogador, embora precise de um concorrente mais forte, que não veio a acontecer (Svilar ainda está muito verde, salvo seja; Zlobin não foi verdadeiramente testado numa equipa em que o guardião, defendendo poucas vezes, tem de ser categoricamente seguro). Não me refiro aqui aos jovens 3 Tavares (Tomás, Nuno e David, precisando de uma qualquer mnemónica, para neste início, não os trocar), porque ainda não jogaram ou jogaram fora de posição.
Tudo considerado, se tivesse de eleger o meu melhor onze para os próximos meses, seria assim: Vlachodimos; André Almeida, Rúben Dias, Ferro e Grimaldo; Florentino, Gabriel, Pizzi e Rafa; Raul de Tomas e Seferovic (se Chiquinho estivesse bem, hesitaria muito entre ele e um dos dois avançados). Já quanto a uma linha alternativa (plano B), ficaria: Zlobin; Tomás Tavares, Jardel, Samaris e Nuno Tavares; Taarabt, Gedson, Cervi e Caio (se um destes puder fazer o corredor direito); Vinícius e Jota. Sobrariam para emergências, Svilar, Ebuehi, Conti, Fejsa, Zivkovic, David Tavares.
Contraluz
- Gratidão: Na sua vista a Moçambique, o Papa Francisco lembrou carinhosamente Eusébio como um homem perseverante que sempre acreditou e lutou por um futuro à sua medida, alertando, depois, para os dois comportamentos que matam os sonhos: a resignação e a ansiedade. Como católico, português e benfiquista, senti no coração esta homenagem papal.
- Vergonha: No Roménia - Espanha houve um minuto de silêncio pela morte da filha do ex-seleccionador espanhol Luís Enrique. Um breve minuto em que o silêncio foi barbaramente trucidado por alguns vândalos sem o menor pingo de dignidade. Uma tristeza.
- Pleno: A equipa feminina do Benfica estreou-se na última época vencendo tudo o que disputou: campeonato da 2.ª divisão, Taça de Portugal e Supertaça. Excelente!"
Bagão Félix, in A Bola