"Em dois dos mais emblemáticos confrontos com o Atlético de Madrid, Eusébio marcou quatro golos. Exibições esfuziantes de categoria 'encarnada' no Vicente Calderón (1967) e em Badajoz (1969) ficaram para a história do Clube escritas a letras de prata lavrada.
Voltemos ao Atlético de Madrid, aos «rapazes dos colchões».
Há histórias suficientes de jogos contra o Benfica para encherem uma boa dúzia de páginas de jornal, mas era o que faltava estar aqui e maçar-vos com exageros, fiquemo-nos por mais esta que completa a da semana passada e deixemos restante prosa para tempos que aí venham.
Ficámos, no último número deste seu semanário, em Caracas, Venezuela, e na Pequena Taça do Mundo conquistada precisamente pelo Benfica frente ao Atlético de Madrid.
Alinhou, se bem se recordam, nesses dois jogos (0-3 e 2-0) um defesa madrileno de nome Griffa. Jorge Bernardo Griffa: nascido no dia 7 de Maio de 1935, em Casilda, Santa Fé, Argentina, foi uma das grandes figuras do Atlético de Madrid, mantendo-se dez anos ao serviço do clube, vencendo taças, campeonatos e uma Taça das Taças e só deixando em 2011 de ser o estrangeiro com mais jogos de camisola às risquinhas vestida.
No dia 1 de Novembro de 1967, o Atlético de Madrid promove um jogo em homenagem a tão distinta figura.
Convidado? O Benfica!
Manzanares assistiu a uma enchente quase total. Ninguém quis perder a festa.
Havia, de um lado e do outro, muita gente a repetir os confrontos de Julho de 1965.
ATLÉTICO DE MADRID - Madinabeytia; Colo, Griffa, Calleja e Glaria; Jayo e Cardona; Luís, Mendonça, Peiró e Collar.
BENFICA - José Henrique; Cavém, Raul, Jacinto e Cruz; Jaime Graça e Coluna; José Augusto, Torres, Eusébio e Amaro Vieira.
Foi um Benfica com pressa. E um Eusébio mais apressado ainda. Não terá sido por acaso que, no ano antes, no Mundial de Inglaterra, os jornais lhe chamaram «A Man in a Hurry».
Aos cinco minutos faz o primeiro golo num pontapé fulminante; aos dez minutos tirou uma fotocópia do primeiro.
Lentos, os madrilenos limitavam-se a ver jogar os portugueses. O povo aplaudia de pé os lances desenhados pelo Benfica. Só à beirinha do final é que Luis tornou o resultado mais simpático.
Griffa saía em ombros.
O Benfica fazia a vénia aos estrepitosos aplausos. Era grande o seu prestígio pelo Mundo.
Eusébio, o caçador...
Passaram-se entretanto dois anos sobre esse dia 1 de Novembro.
Eis-nos no Verão. E ainda em Espanha. Mais precisamente em Badajoz, com Elvas à vista, para a disputa da terceira edição do Troféu Ibérico, ou Torneio de Badajoz.
A ideia que presidia à competição era a de pôr em confronto equipas espanholas e portugueses. Nas duas edições anteriores, vitórias lusitanas de Vitória de Setúbal e Sporting.
Chegara a vez do Benfica.
Cabia-lhe em sorte a Real Sociedad no primeiro jogo; no outro, o Vitória de Setúbal defrontava o Atlético de Madrid.
Cá estamos nós de volta à dita vaca fria.
Vitória 'encarnada' sobre os bascos por 1-0.
Vitória dos colchoneros sobre os setubalenses por 2-0.
Final marcada para o Estádio El Vivero.
Eusébio queixava-se de uma lesão que o obrigara a sair a meio do jogo frente à Real Sociedad.
Mas fui à luta. E luta a sério!
«Foi um dos jogos em que apanhei mais pancada», diria no fim. «Não esperava uma coisa destas».
Pois. E quem mais caçou as pernas de Eusébio foi... Eusébio. O outro. O do Atlético.
Eusébio Bejarano Vilaro, seis anos mais novo do que o autêntico Eusébio. Natural de Badajoz, estava em casa. E distribuía fruta a seu bel-prazer nas canelas do seu homónimo.
Eu escrevi luta, mas devia ter escrito guerra.
Os espanhóis usaram todos os meios, lícitos e ilícitos. Elementos da Guarda Civil colaram-se ao banco do Benfica e provocaram desentendimentos com o treinador Otto Glória e alguns dos dirigentes e suplentes. O jogo foi longamente interrompido. Os protestos de Toni valeram-lhe a expulsão.
E ainda não estavam decorridos 20 minutos!
Nessa altura, o resultado estava em 1-1. Um golo fantástico de Eusébio, de livre directo, e um chapéu de Garate a José Henrique.
Setenta minutos para jogar e o Benfica com dez.
«Eram só dez. Mas quando se esperava que o Atlético de Madrid redobrasse os seus ataques e aumentasse a sua pressão, o que se viu foi o Benfica fazer uma sorte de prestidigitador - 'nada nesta mão, nada naquela' - e dar uma tal volta naquilo tudo que pareciam ser mais os de encarnados».
Este é o testemunho de Mário Zambujal, jornalista ímpar que não perdeu pitada com os seus próprios olhos.
E concluiu: «Cremos ter sido a melhor actuação do Benfica nesta sua tão agitada época. E foi, sem dúvida, uma exibição perfeitamente ao nível dos seus famosos jogos, em épocas anteriores. (...) A segunda parte foi toda ela um 'show' benfiquista».
O resultado? Ah! Claro! Não nos esquecemos desse «pormaior»: 4-1!
Vejamos:
ATLÉTICO MADRID - Zubizarrain; Mariano (Melo), Jayo, Iglesias e Calleja; Eusébio e Irurarte (Benegar); Ufarte, Adelardo, Garate e Hermández.
BENFICA - Zé Henrique; Malta da Silva, Humberto, Zeca e Adolfo; Toni e Coluna; Jaime Graça, Torres, Eusébio e Simões.
Golos de Eusébio - 4 e 44 minutos; Garate - 18; Jaime Graça - 68; Simões - 88.
Uma sumptuosa peça de prata lavrada era erguida por Mário Coluna no final.
Nada a dizer contra uma vitória alicerçada no brio e no saber de uma equipa experiente como poucas.
«Aqueles que têm dito e escrito que eu e toda a equipa do Benfica estávamos acabados, deviam ter assistido ao jogo de hoje», espicaçava Eusébio. Eusébio português, o bom, não o outro, sarrafeiro, claro está.
No calor abafado de Badajoz levantava-se uma brisa de orgulho."
Afonso de Melo, in O Benfica