"Bruno Lage já deixa algumas boas primeiras impressões. Ele sabe como ir vencendo é sempre decisivo; mas sabe mais
Nem precisaria o presidente do Benfica de vir publicamente confirmar Bruno Lage como treinador do Benfica até final da época para termos percebido, desde que Rui Vitória saiu, que era mais ou menos isso que inevitavelmente iria acontecer. Lage não seria apenas a escolha óbvia como, na circunstância, seria também a escolha mais sensata, tendo em conta a improbabilidade de qualquer treinador de topo - como o Benfica parece desejar para o futuro - aceitar o desafio de pegar no Benfica assim sem mais nem menos, em Janeiro, a meio de uma caminho tão difícil e sinuoso, quando o cenário no campeonato parece tão mais favorável ao grande rival FC Porto.
Para ir à procura de um treinador disposto a correr todos os riscos, na perspectiva de ter muito mais a ganhar do que a perder - e esse não é o caso de um treinador de topo, como bem sabemos - então seria sempre preferível deitar mão de um treinador da casa, que pelo menos não perde tempo a conhecer a clube nem a identificar o contexto em que vai trabalhar.
Não me custa nada a admitir, por isso, que o presidente do Benfica fale verdade quando diz que Lage foi sempre a primeira opção, como já tinha sido sensivelmente um mês antes, quando Vitória esteve quase com os dois pés de fora da Luz e acabou por ficar em qualquer proveito para ele próprio, para a equipa e para o Benfica.
Sabe tão bem como eu o presidente das águias que nesta altura, depois de tudo o que a equipa do Benfica foi perdendo pelo caminho, seria quase tão difícil conseguir que um treinador com estatuto aceitasse o desafio como encontrar uma agulha no palheiro.
Lage é, pois, repito, a escolha mais natural e a mais sensata.
Claro que, como sempre acontece com os treinadores, também ele será refém dos resultados que a equipa vier a obter. Mas terá sempre muito mais margem de manobra no que diz respeito à tolerância. Nenhum benfiquista exigirá a Bruno Lage o que exigiria a qualquer outro treinador que fosse contratado fora, com outra dimensão, outro custo e, também por isso outra, e muito maior, responsabilidade.
A responsabilidade de Bruno Lage não é a de ganhar tudo e mais alguma coisa. A responsabilidade de Lage é unir o que se desuniu, motivar o que se desmotivou, e evitar que a equipa do Benfica seja, daqui para a frente, pior do que foi, esta época, até aqui.
É exactamente por não ter estatuto nem experiência que Bruno Lage é um treinador com muito mais a ganhar do que a perder.
Se, mais coisa, menos coisa, o Benfica não passar da cepa torta, o pior que pode suceder a Lage é ter de voltar atrás, ao lugar de treinador da segunda linha, onde o seu lugar parece altamente respeitado e valorizado, mesmo sabendo que isso o fará naturalmente atrasar-se na ambição de ser treinador na principal competição do futebol português.
Se, pelo contrário, endireitar a equipa, a fizer jogar melhor futebol e continuar algumas coisas, superando, por exemplo, pelo menos alguns dos tremendos desafios que aí vêm, sobretudo de Fevereiro até aos primeiros dias de Março - altura em que o Benfica joga no Dragão para a Liga e fecha, talvez o mais difícil ciclo da águia de que há memória nos tempos mais recentes -, então pode Bruno Large ficar certo de ter encontrado o seu lugar entre o lote de treinadores que contam na equação dos clubes da Primeira Liga.
Terá sempre, portanto, muito mais a ganhar do que a perder, porque ninguém pode perder o que à partida não tem.
E, à partida, Bruno Lage não tem dimensão, nem experiência, nem estatuto, nem obviamente, e por isso mesmo, a responsabilidade.
E muito a ganhar se a coisa lhe correr bem!
Pode mostrar a competência que certamente tem, mas também vive a oportunidade de mostrar se tem ou não a personalidade, o espírito, o discurso, a exigência, algum carisma por muito pouco que ainda seja, e algum sentido de liderança por muito fraco que possa ainda revelar-se.
Duas pequenas vantagens que me parece ter, o modo como se mostra confortável na posição e o modo como fala sem complexos de futebol, do jogo e de jogadores.
É realmente o melhor que tem a fazer porque é o treinador do Benfica, pelo menos, até final da época e ponto final.
Outras primeiras impressões: mostrou convicção ao mudar o sistema de jogo e firmeza na decisão de incluir de imediato no onze o jovem João Félix.
E diz estar focado no que realmente interessa: no treino e nos jogadores para tornar melhor a equipa e tornar melhor o jogo da equipa.
Em Guimarães, esta semana, por exemplo, pareceu-me ter lido muito bem o que o jogo pediu no momento mais difícil do Benfica.
E o discurso, sendo simples, tem conteúdo. E tem uma forma engraçada de dizer algumas coisas. E é directo. E mostra poder dizer muito com pouco.
Parece, pois, ser capaz de vir a honrar uma certa tradição de qualidade das gentes de Setúbal no mundo do futebol em geral, e, de algum modo, no Benfica em particular.
É um feeling!
(...)"
João Bonzinho, in A Bola