"No próximo dia 26, o Benfica vai a Glasgow jogar em Ibrox. Só por uma vez lá esteve, no dia 28 de Setembro de 1965, perdendo um particular por 3-1. Quarenta e oito horas mais tarde, estava no Luxemburgo e golear o Dudelange por 8-0 para a Taça dos Campeões Europeus.
O Benfica recebeu o Rangers para a terceira jornada da fase de grupos da Liga Europa, e será caso para dizer, lançando mão ao jargão popular, que se viu da cor dos gatos para sair do jogo com um resultado mais ou menos positivo: 3-3. No próximo dia 26, será a vez de visitar Ibrox, um dos estádios mais fascinantes do mundo, situado nas margens do Clyde e cuja primeira versão data de 1899, o que faz dele igualmente peça digna do museu.
Todos os que já lá estiveram conhecem o ambiente esfuziante que os adeptos do Rangers lhe emprestam desde que saíram do Kinning Park, o local de disputadas antes de Ibrox. Hoje está reduzido a uma capacidade de pouco ou mais de 50 mil espectadores - e o mal que se infiltrou entre nós de forma velhaca fá-lo-á estar mais silencioso do que nunca quando os encarnados lá jogarem -, mas já foi um gigante capaz de albergar, num Rangers - Celtic, o exagero de 118567 pagantes - calcule-se quantas pessoas estiveram nessa tarde de 2 de Janeiro de 1939 se contabilizarmos convidados e borlistas. É evidente que não são números que assustem benfiquistas que viram, na velha Luz, apertarem-se como sardinhas em lata, multidões que ultrapassavam os 120 mil. Mas, seja como for, dispus-me aqui a falar de Ibrox e, já agora, da única vez que o Benfica lá jogou, em 1965, num encontro particular.
Em 1965, todo o mundo, dos Estados Unidos à Austrália, passando pelo Irão e pelo Iraque, queria ver o famoso Benfica. Duas Taças dos Campeões Europeus conquistadas e mais duas finais perdidas tinham colado aos lábios dos amantes desse jogo que os ingleses tratam por association nomes como os de Eusébio e Coluna, Germano e José Augusto, Torres e Simões. Pois, todos eles estiveram em Glasgow no dia 28 de Setembro. Ou, melhor, não estiveram, mas já lá vou.
Um entrave
A expectativa era muita. A despeito de se tratar de um amigável e estar um tempo de alfinetes, mais de 45 mil pessoas correram para os seus lugares na expectativa de verem aquela que era considerada, quase unanimemente, a melhor equipa da Europa. Infelizmente para os adeptos escoceses, o Benfica faltou à chamada. Isto é, esteve mutos e muitos furos abaixo do seu real valor. E, no entanto, lá estavam, vestindo as mágicas camisolas vermelhas, berrantes, os nomes que apaixonavam os maiores amantes do futebol.u
Quando José Augusto, aos 26 minutos, abriu a contagem, todos ainda se convenceram de que o Benfica iria partir para um daqueles atropelamentos mais próprios de um comboio do que de um grupo de apenas onze homens. Nada disso. Mas o golo do meu querido amigo Zé foi lindo: ameaçou e avançou, fez que ia mas não ia, os defesas recuando, recuando, e com a baliza na mira saiu um pontapé colocado e indefensável para o pobre Richie. Edward Kerry, um jornalista escocês que esteve presente nesse jogo de Ibrox, tratou de escrever. 'Acabado um período inicial de dez minutos fulgurantes, nos quais o Benfica demonstrou aquele futebol fluído, agradável e fácil que a todos nós encanta, o Rangers começou a assentar o seu jogo de luta constante no meio-campo e passes longos para os dois pontas-de-lança, McLean e Johnson, e engasgou a máquina portuguesa'.
William Handerson, um rapazinho de apenas 21 anos, natural de Baillieston, um subúrbio industrial de Glasgow, começou a dar água pela barba a Coluna, surgindo consecutivamente nas costas do capitão do Benfica e diminuindo-lhe o habitual raio de acção. A atenção de Coluna passou a ser mais defensiva que ofensiva, e isso mexeu duramente com o colectivo português.
O jogo fora para intervalo com 1-1 (golo de McLean aos 43 minutos), e a verdade é que, apesar do domínio escocês e das escassas investidas do Benfica, com Eusébio e Simões (seria substituído por Yaúca) quase sempre incapazes de desequilibrarem a defesa contrária, matéria em que eram autênticos mestres, deixando Torres à mercê dos poderosos centrais do Rangers, dava a sensação de que iria terminar assim. Diziam os latinos: 'audax fortuna juvat', que é como quem sentencia - a sorte protege os audazes. Mais audazes, os escoceses fazem golos tardios, ambos por Forrest, aos 83 e aos 89 minutos. O público delirou. A surpresa caía sobre Ibrox como uma nuvem escura. Coluna veio a público explicar a derrota: 'O Benfica jogou abaixo das suas possibilidades, mas foi evidente o cerco que fizeram a Eusébio, nem sempre de forma muito correcta. No entanto, quero dizer que perdemos contra uma equipa que jogou com todo o afinco e que mostrou jogadores de qualidade como Handerson, Forrest e McLean, para citar os principais'. Forrest, encontrava outra resposta: 'O Benfica é uma equipa terrível. Tanto defende como ataca no espaço mais curto de tempo possível. Acho que o facto de terem um jogo para a Taça dos Campeões aí a chegar pesou na exibição deles'.
Dois dias depois, em Ech-sur-Alzette, no Luxemburgo, o Benfica iniciava o seu percurso na maior prova da Europa com uma goleada de 8-0 sobre o Stade Dudelange. Talvez tenha valido a pena a poupança."
Afonso de Melo, in O Benfica