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quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Benfica: a expectativa é tramada


"Lembro-me como se fosse ontem. Na verdade, foi há poucos meses, mas era habitual que a comunicação do Benfica ou alguns apoiantes da atual direção explicassem que havia um grande equívoco, mal-intencionado, em relação a Roger Schmidt. Na verdade, nada daquilo que víamos e que nos angustiava correspondia à realidade. Se bem me recordo, tudo não passava de uma ficção criada por pessoas que queriam o insucesso do Benfica e celebravam cada exibição pífia, mesmo quando trazíamos os três pontos, como se fosse uma derrota. Lembro-me bem das táticas comunicacionais, porque são empregues há alguns anos, mas lembro-me particularmente bem do abismal desfasamento entre a estatística e a realidade.
Semanas antes da penosa reta final de Schmidt, havia um número que circulava muito: a percentagem de vitórias do alemão ao serviço do Benfica. Segundo a estatística, Roger Schmidt era um dos melhores treinadores da história do clube. Segundo os olhos dos seres humanos que assistiam aos jogos, era uma tortura. Lembro-me bem dos resultados negativos, mas lembro-me igualmente das muitas vitórias magras, em que a maioria de nós parecia convencida de que isto ia acabar mal, ao contrário das técnicas de propaganda que nos diziam o contrário. Enquanto Schmidt ganhava, negava-se a realidade. Subitamente, no momento em que Rui Costa desceu ao balneário antes do final de um jogo em Moreira de Cónegos, fez-se luz, e, afinal, toda a gente sabia que isto ia acabar mal. Descobrimos que o mal-estar com o treinador era mais que muito, que muita gente já suspeitava deste final, que os críticos, afinal, tinham guardado para si, tudo em nome da importante causa de adiar o final mais que previsível da passagem de Schmidt pelo Benfica.
Virada a página, veio Bruno Lage e o que interessava mesmo era colocar o Benfica a ganhar novamente. Mas não só, como o próprio Lage afirmou na sua apresentação. Era preciso jogar um futebol divertido, empolgar os adeptos e responder à exigência desmedida sem pestanejar. Foi assim que equipa técnica e jogadores deitaram mãos à obra. Os adeptos acrescentaram a sua esperança ao movimento regenerativo da presente época, et voilà, entre a qualidade dos novos reforços e o shot de entusiasmo próprio dos novos começos, estava dado o arranque para um capítulo mais risonho. A expectativa natural era que, antes de mais, conseguíssemos rapidamente uma série de vitórias. Esse pleno foi atingido até um tropeção chato com o Feyenoord.
Acontece que a expectativa é tramada: após a goleada frente ao Atlético de Madrid, tornou-se difícil aceitar que não poderíamos dizimar sempre os adversários. Ser do Benfica é viver um pouco nesta vertigem. Queremos sempre mais. Se me mostram que é possível jogar como se jogou naquela noite, eu tenho dificuldade em aceitar que possamos vencer de outra forma. Mas tudo bem, a pessoa acorda no dia seguinte, põe um pé à frente do outro e conclui que não tem outra opção que não seja habituar-se a não ganhar sempre por muitos ou a jogar muitíssimo bem. É triste, mas é mesmo assim.
Permitam-me, no entanto, correr o risco de ser demasiado exigente. Sinto que devo salientar outra expectativa em relação a este novo ciclo. Lage chegou há pouco tempo e foi o próprio a referir em várias ocasiões a necessidade de mais tempo com estes jogadores para os fazer evoluir. Isto leva-me a crer que há sempre mais que alguém como Lage saberá tirar destes jogadores, espremendo um pouco de talento a cada semana que passe, consequentemente elevando o nível da equipa até não ser possível exigir mais. Ninguém sabe muito bem onde se situa este pico exibicional, mas pressinto que vimos algo muito parecido frente ao Atlético de Madrid. Daí decorre a parte chata: nos últimos jogos, por diferentes motivos, a trajetória de ascensão exibicional parece ter emperrado um pouco.
Por um lado, vê-se que jogadores como Akturkoglu, Carreras e até Pavlidis são opções válidas que dão soluções à equipa, soluções que, no caso de Carreras e Akturkoglu, não apareciam com esta qualidade no onze há algum tempo. Por outro lado, há sempre Di María, pronto para desbloquear jogos da Liga portuguesa como se fosse um chamamento. Em sentido inverso, há um meio-campo mais macio do que seria desejável nesta fase da temporada e, na sua vizinhança, há uma defesa pouco oleada que tem pregado sustos em quase todos os jogos. Não foi só o jogo do Feyenoord que expôs algumas destas vulnerabilidades. Se formos práticos, é fácil concluir que os problemas não têm impedido a equipa de vencer praticamente todos os jogos. Também é aceitável afirmar que isso tornou alguns desses jogos menos confortáveis e, a espaços, menos interessantes. Junte-se a melhor preparação dos adversários, que já parecem começar a perceber algumas dinâmicas desta equipa do Benfica, e temos um desafio pela frente. Por exemplo: este último sábado, frente ao Farense, vimo-nos obrigados a jogar mais andebol do que estava à espera.
Em suma: estatisticamente, está tudo bem; mas, quando se vê a bola a rolar, fica a sensação de que é possível fazer mais e melhor. É o tal desfasamento entre os números e o que nos mostra a realidade. Não vejo a equipa a jogar o futebol que já esperava ver nesta fase, o que não equivale a dizer que esta equipa atingiu o seu pico exibicional. Estou ciente de que o Benfica não joga contra pinos, mas temo que existam ainda umas quantas inconsistências por resolver. Admito que o problema seja a minha exigência mal medida, mas sinto-me mais inclinado a pensar que é uma exigência legítima.
Felizmente, nada do que escrevo significa que não tenhamos margem para continuar a progredir. Ninguém que eu conheça trocaria uma série ininterrupta de 34 vitórias magras e pouco empolgantes por um terceiro lugar a jogar bonito, mas acho que todos ganhamos quando as duas coisas se tornam possíveis em simultâneo. Felizmente, vêm aí duas excelentes oportunidades para fazer aparecer o melhor Benfica da época até agora. Sem desprimor para quem nos defrontou até aqui, os jogos mais importantes começam agora. Houve tempo para fazer a equipa crescer dentro de campo e há jogos que concentram toda a motivação de uma época e permitem construir uma identidade vencedora e uma dinâmica mais difícil de interromper. Bayern e FC Porto serão testes fundamentais à capacidade de atingir um patamar exibicional mais elevado. A expectativa é tramada, mas o Benfica é mesmo assim."

Os dois centímetros de Lage


"A melhoria do Benfica está nos detalhes de Lage, sempre à procura que a melhor versão de cada jogador valorize o coletivo, mesmo conhecendo o risco de perder os papéis do Plano de Pormenor

Exímio contador de histórias, Cândido Costa recordou, há cerca de dois anos, uma história particularmente interessante sobre Jorge Jesus. Não me refiro ao (mais célebre) episódio do raspanete ao rapper 50 Cent por estar a atrapalhar o treino do Belenenses com o sound check — embora esse momento também ilustre bem a exigência do técnico. Refiro-me à memória de JJ, na preparação para a primeira final da Taça de Portugal que disputou como treinador, pelo emblema do Restelo, atravessar o campo de uma lateral à outra para corrigir um posicionamento de Cândido, colocando-o uns dois centímetros ao lado. Duas cadeiras ao lado, no estúdio do Canal 11, João Pereira, que agora vai ser treinador principal do Sporting, acenou com a cabeça, ou não tivesse trabalhado com Jesus.
Não sei se Bruno Lage chegará a este nível de detalhe de Jesus, obcecado sobretudo com a última linha defensiva, mas lembrei-me da história contada por Cândido Costa ao ver jogar o Benfica. É no Plano de Pormenor que se percebe a melhoria promovida pela troca de treinador. No acerto do posicionamento de Kokçu, que não é 6 nem 10. Na especificidade do papel de Rollheiser, primeiro, e de Aursnes, depois, para proteger Di María, que frente ao Atl. Madrid até foi menos ala direito e mais segundo avançado. E Akturkoglu, que agora joga ainda mais perto de Pavlidis, embora a partir da meia-esquerda, por vezes com Beste encostado à linha e Carreras a formar trio com Otamendi e Tomás Araújo, sobretudo na primeira fase de construção.
Lage não precisou de muito tempo para definir a sua base, mas é no detalhe que procura otimizar. Talvez não seja ao centímetro, mas muitas vezes a mudança avalia-se mesmo a metro. O técnico do Benfica continua a trabalhar para que a individualidade fique o mais confortável possível, convencido de que isso proporcionará um coletivo melhor. Existe sempre o risco de um perfecionismo exagerado, que acabe por tirar referências aos jogadores, mas até ver a equipa tem evoluído nas dinâmicas que apresenta, o que aumenta o grau de dificuldade para os adversários. O Benfica tem sido 4x4x2, 4x2x3x1, 4x2x4, 3x4x3…
É provável que se torne cada vez mais difícil resumir equipas a uma disposição tática única, até porque o playbook há muito que deixou de ser exclusivo do futebol americano — se é que alguma vez o foi. O problema é que a linha entre volatilidade e desorientação tática será sempre bastante ténue."

Ganhar balanço?


"Bruno Lage tem razão quando recorda que o Benfica fez três jogos em sete dias e que desses jogos resulta um esclarecedor score de 10-1 entre golos marcados e sofridos. O microciclo trouxe outras boas notícias, como o regresso de Pavlidis aos golos (três em dois jogos) e de Renato Sanches à titularidade; o entendimento já quase perfeito entre Di María (que golo na quarta-feira!) e Akturkoglu (só não marcou ou assistiu contra o Santa Clara) ou a cada vez maior consistência de Carreras e Tomás Araújo. Sublinhado o “copo meio cheio”, importa também reconhecer que, nestes jogos, o Benfica esteve em decréscimo exibicional, mostrou inesperadas dificuldades para ganhar ao último e pareceu cansado. É verdade que o relvado não ajudou e que o Farense teve mérito, mas a exibição foi claramente a pior desde que Lage assumiu o comando. Esperamos todos que tenha sido um cansaço aparente ou momentâneo e que a equipa use estes oportunos quatro dias para ganhar balanço para o que aí vem, pois o que aí vem é exigente e requer o “Benfica do Atleti”: rigoroso, concentrado, pressionante e ambicioso. Em Munique, bem sabemos, nunca foi fácil e só um “super meio-campo” poderá “estancar” o volume ofensivo de um Bayern sedento de pontos (Kokçu terá de ir de bombo e não de violino) e, novamente quatro dias depois (um luxo nos tempos que correm), receberemos o Porto num jogo que terá de ser para ganhar. Defender bem e atacar melhor, ainda que menos, será a chave. Desejamos todos que este último jogo tenha sido para ganhar balanço, muito balanço, pois vai ser preciso..."

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