"25 de Abril - um dia bonito para Portugal. Nove anos antes da liberdade, a Selecção Nacional dava, graças a um golo formidável de Eusébio, um passo gigante em direcção à fase final do Mundial de 1966. Mas perdia um dos grandes cavalheiros do Futebol - Fernando Mendes. Que sofre agora um momento triste da sua vida...
Brastilava teve nomes de mais. Presporok, Pressburgo, Pozsony, Posonium...
Nomes em excesso para uma cidade simples, embora bonita.
No dia 30 de Março de 2005, estive orgulhosamente no Estádio do Slovan, trabalhando para a Selecção Nacional que lutava pelo apuramento para o Campeonato do Mundo de 2006. Alguns dos elementos da equipa federativa foram destacados para um banco do outro lado relvado onde se encontrava o banco dos treinadores e suplentes.
Ao sair do túnel, acompanhei o meu bom amigo Eusébio em direcção a esse lugar a que nos destinaram. Foi arrepiante. As lágrimas vinham-se aos olhos. À medida que Eusébio ia contornando o relvado, os adeptos eslovacos de todas as idades, levantavam-se dos seus lugares e aplaudiam-no gritando o seu nome.
Estávamos em Março de 2005. Quarenta anos antes, Eusébio calara todas as gargantas que agora se histerizavam.
E é aí que me cabe falar de Fernando Mendes. Um senhor, um adversário digno e respeitador, um homem de que me orgulho chamar amigo. Beirão de Seia, durante tantas e tantas épocas jogador do Sporting, vencedor da Taça das Taças, depois treinador e campeão como treinador.
Em 1965 era titular da grande Selecção Nacional que lutava por um lugar na fase final do Campeonato do Mundo de Inglaterra.
Era um dos indiscutíveis!
Nessa tarde em Brastilava, 25 de Abril, Portugal entrou em campo com José Pereira; Festa, Germano «cap», José Carlos e Hilário; Coluna e Fernando Mendes; José Augusto, Eusébio, Torres e Simões.
Caiu uma tempestade sobre o Slovan Stadium. Chuva copiosa, vento incessante.
Os checos são fortes. Fortíssimos! Ainda vice-campeões do Mundo, com gente como Schroiff, Popluhar, Pluskal, Masny e, claro!, Josef Masopust.
Aos três minutos, logo aos três minutos, Kvasnak choca brutalmente com Fernando Mendes. Os pitons do adversário cravam-se no joelho direito do valente português. Os ligamentos ficam irremediavelmente comprometidos. Não há substituições: Portugal terá de enfrentar com dez todas as contrariedades.
O jogador do Sporting ainda não o adivinhava sequer: está traçado o fim da sua carreira!
A valentia de Portugal!
Contra a intempérie e contra a infelicidade, os dez homens que ficaram em campo seriam os protagonistas de um dos momentos mais refulgentes e sensacionais da história do Futebol português. José Augusto recuou para o lado de Coluna, e o ataque ficou entregue ao esforço de Torres, ao azougue de Simões e à grandeza de Eusébio.
Aos 21 minutos, Eusébio limita-se a ser Eusébio; recolheu a bola junto à linha de meio-campo e começou a correr em direcção à área checa; Pluskal e Popluhar foram em sua perseguição, mas não conseguiram deter a sua força extraordinária; descaído sobre a direita, Eusébio dispara um remate fortíssimo e colocado: a bola entra rasteira, junto ao poste, impossível de defender por Schroiff.
O próprio descreveria o golo assim: «Bati um checo, avancei para a linha de cabeceira e vi o guarda-redes a saltitar olhando de lado. Mas eu também olhei e quando ele estava ligeiramente distraído atirei um grande remate e a bola entrou. Foi o melhor golo da minha vida».
À avalanche adversária que se seguiu, responderam os portugueses com uma serenidade extraordinária na defesa. António Simões desdobra-se incansavelmente em funções defensivas e ofensivas e é um perigo constante para a defesa contrária graças aos seus dribles e simulações.
José Carlos e Hilário tornam-se imponentes. Mas há ainda um minuto fundamental: o minuto 43. Kvasnak entra na área portuguesa, leva Festa a seu lado; o jogador do FC Porto estica a perna, talvez tenha tocado primeiro na bola, mas derruba o seu opositor. «Penalty», diz o árbitro Atanas Stavrev, que veio de Sófia, na Bulgária.
Os portugueses reclamam, mas não há nada a fazer. A vitória está agora nas mãos de José Pereira, a quem chamam o «Pássaro Azul», apenas «internacional» pela primeira vez na semana anterior, em Istambul. E é ele quem a segura. O remate de Masny destina a bola junto ao poste, mas o «Pássaro» voa em dua direcção e sacode-a. A luta irá continuar por toda a segunda parte, mas a vontade lusitana é cada vez mais inquebrantável.
- Inesquecível!, grita Manuel da Luz Afonso, o seleccionador nacional, no fim do encontro.
- Este jogo ficará gravado a letras de ouro na história do nosso Futebol. Lutámos contra os checos, contra o campo e contra o árbitro. Pareciam vinte, e não fez os nossos jogadores. Admiráveis, simplesmente admiráveis, no querer, na coragem e no sacrifício.
Pela primeira vez, Portugal apurava-se para a fase final de um Mundial. Em Julho de 1966, viveríamos o Verão do nosso contentamento.
Por entre a alegria dos companheiros, Fernando Mendes não calava a amargura: «Houve má intenção por parte do adversário. Antes já tentara dar no Eusébio e no Simões. Mas vibrei na mesma com a vitória dos meus companheiros. Foram formidáveis! Estou emocionado com o seu brio».
Um senhor, sempre um senhor!
Iria a Inglaterra, como um «Magriço» supranumerário, na função de ecónomo, junto da equipa que era a sua.
Voltou a vibrar e a emocionar-se. Viu Eusébio ser mais Eusébio do que nunca.
Hoje tem aqui o meu abraço. Voltará a erguer-se tranquilo numa manhã de sol..."
Afonso de Melo, in O Benfica