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terça-feira, 13 de outubro de 2015

O voo do pássaro, a força do rei e a desgraça do príncipe

"25 de Abril - um dia bonito para Portugal. Nove anos antes da liberdade, a Selecção Nacional dava, graças a um golo formidável de Eusébio, um passo gigante em direcção à fase final do Mundial de 1966. Mas perdia um dos grandes cavalheiros do Futebol - Fernando Mendes. Que sofre agora um momento triste da sua vida...

Brastilava teve nomes de mais. Presporok, Pressburgo, Pozsony, Posonium...
Nomes em excesso para uma cidade simples, embora bonita.
No dia 30 de Março de 2005, estive orgulhosamente no Estádio do Slovan, trabalhando para a Selecção Nacional que lutava pelo apuramento para o Campeonato do Mundo de 2006. Alguns dos elementos da equipa federativa foram destacados para um banco do outro lado relvado onde se encontrava o banco dos treinadores e suplentes.
Ao sair do túnel, acompanhei o meu bom amigo Eusébio em direcção a esse lugar a que nos destinaram. Foi arrepiante. As lágrimas vinham-se aos olhos. À medida que Eusébio ia contornando o relvado, os adeptos eslovacos de todas as idades, levantavam-se dos seus lugares e aplaudiam-no gritando o seu nome.
Estávamos em Março de 2005. Quarenta anos antes, Eusébio calara todas as gargantas que agora se histerizavam.
E é aí que me cabe falar de Fernando Mendes. Um senhor, um adversário digno e respeitador, um homem de que me orgulho chamar amigo. Beirão de Seia, durante tantas e tantas épocas jogador do Sporting, vencedor da Taça das Taças, depois treinador e campeão como treinador.
Em 1965 era titular da grande Selecção Nacional que lutava por um lugar na fase final do Campeonato do Mundo de Inglaterra.
Era um dos indiscutíveis!
Nessa tarde em Brastilava, 25 de Abril, Portugal entrou em campo com José Pereira; Festa, Germano «cap», José Carlos e Hilário; Coluna e Fernando Mendes; José Augusto, Eusébio, Torres e Simões.
Caiu uma tempestade sobre o Slovan Stadium. Chuva copiosa, vento incessante.
Os checos são fortes. Fortíssimos! Ainda vice-campeões do Mundo, com gente como Schroiff, Popluhar, Pluskal, Masny e, claro!, Josef Masopust.
Aos três minutos, logo aos três minutos, Kvasnak choca brutalmente com Fernando Mendes. Os pitons do adversário cravam-se no joelho direito do valente português. Os ligamentos ficam irremediavelmente comprometidos. Não há substituições: Portugal terá de enfrentar com dez todas as contrariedades.
O jogador do Sporting ainda não o adivinhava sequer: está traçado o fim da sua carreira!

A valentia de Portugal!
Contra a intempérie e contra a infelicidade, os dez homens que ficaram em campo seriam os protagonistas de um dos momentos mais refulgentes e sensacionais da história do Futebol português. José Augusto recuou para o lado de Coluna, e o ataque ficou entregue ao esforço de Torres, ao azougue de Simões e à grandeza de Eusébio.
Aos 21 minutos, Eusébio limita-se a ser Eusébio; recolheu a bola junto à linha de meio-campo e começou a correr em direcção à área checa; Pluskal e Popluhar foram em sua perseguição, mas não conseguiram deter a sua força extraordinária; descaído sobre a direita, Eusébio dispara um remate fortíssimo e colocado: a bola entra rasteira, junto ao poste, impossível de defender por Schroiff.
O próprio descreveria o golo assim: «Bati um checo, avancei para a linha de cabeceira e vi o guarda-redes a saltitar olhando de lado. Mas eu também olhei e quando ele estava ligeiramente distraído atirei um grande remate e a bola entrou. Foi o melhor golo da minha vida».
À avalanche adversária que se seguiu, responderam os portugueses com uma serenidade extraordinária na defesa. António Simões desdobra-se incansavelmente em funções defensivas e ofensivas e é um perigo constante para a defesa contrária graças aos seus dribles e simulações.
José Carlos e Hilário tornam-se imponentes. Mas há ainda um minuto fundamental: o minuto 43. Kvasnak entra na área portuguesa, leva Festa a seu lado; o jogador do FC Porto estica a perna, talvez tenha tocado primeiro na bola, mas derruba o seu opositor. «Penalty», diz o árbitro Atanas Stavrev, que veio de Sófia, na Bulgária.
Os portugueses reclamam, mas não há nada a fazer. A vitória está agora nas mãos de José Pereira, a quem chamam o «Pássaro Azul», apenas «internacional» pela primeira vez na semana anterior, em Istambul. E é ele quem a segura. O remate de Masny destina a bola junto ao poste, mas o «Pássaro» voa em dua direcção e sacode-a. A luta irá continuar por toda a segunda parte, mas a vontade lusitana é cada vez mais inquebrantável.
- Inesquecível!, grita Manuel da Luz Afonso, o seleccionador nacional, no fim do encontro.
- Este jogo ficará gravado a letras de ouro na história do nosso Futebol. Lutámos contra os checos, contra o campo e contra o árbitro. Pareciam vinte, e não fez os nossos jogadores. Admiráveis, simplesmente admiráveis, no querer, na coragem e no sacrifício.
Pela primeira vez, Portugal apurava-se para a fase final de um Mundial. Em Julho de 1966, viveríamos o Verão do nosso contentamento.
Por entre a alegria dos companheiros, Fernando Mendes não calava a amargura: «Houve má intenção por parte do adversário. Antes já tentara dar no Eusébio e no Simões. Mas vibrei na mesma com a vitória dos meus companheiros. Foram formidáveis! Estou emocionado com o seu brio».
Um senhor, sempre um senhor!
Iria a Inglaterra, como um «Magriço» supranumerário, na função de ecónomo, junto da equipa que era a sua.
Voltou a vibrar e a emocionar-se. Viu Eusébio ser mais Eusébio do que nunca.
Hoje tem aqui o meu abraço. Voltará a erguer-se tranquilo numa manhã de sol..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Na cidade das Mil e Uma Noites

"Como convidado de honra para a inauguração do maior estádio do Médio Oriente, o Benfica faz a primeira viagem ao Iraque
'Eusébio-Benfica-Portugal: a «senha mágica» que abriu o «mundo árabe»', escreveu-se na imprensa da época. Após o Mundial de 1966 a fama de Portugal e de Eusébio tornara-se num verdadeiro 'abre-te Sésamo!', abrindo as portas ao mundo.
Coube ao Benfica a honra de inaugurar o Estádio Al-Shaab (Estádio do Povo) em Bagdade, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e projectado por dois arquitectos portugueses, Keil do Amaral e Carlos Manuel Ramos. Foram, também, vários os técnicos e operários portugueses que fizeram parte desta extraordinária obra, que custou cerca de oitenta mil contos.
Depois de uma viagem com bastante turbulência, devido a uma tempestade que assolou a Europa, a comitiva Benfiquista chegou exausta a Bagdade, às 4h da madrugada de 6 de Novembro de 1966, o próprio dia do encontro. Apesar do tardio da hora, tiveram uma acolhedora recepção.
Mais uma vez provou-se que a popularidade de Eusébio ultrapassava todas as fronteiras, pois foram vários os admiradores iraquianos que o abordavam. Foi-lhe inclusivamente recomendado que não saísse à noite sozinho, uma vez que poderia ser raptado. Estando na cidade de Ali Babá e os 40 Ladrões, Eusébio decidiu não arriscar!
Estava um magnífico dia de domingo, e desde manhã cedo o novo Estádio de Bagdade começou a receber uma autêntica multidão. Com capacidade oficial para 30 mil pessoas, suportou cerca de 50 mil! Foi um acontecimento extraordinário em ambiente de grande festa. Até as mulheres de várias individualidades da sociedade iraquiana, que por costume árabe ficavam recolhidas em casa, estiveram presentes e assistiram entusiasmadas ao desafio.
Apesar da actuação discreta dos jogadores Benfiquistas, resultado do cansaço da viagem, os esforços dos jogadores da selecção de Bagdade não foram suficientes para travar o ataque mais famoso da Europa, que venceu por 2-1, com golos de Torres e Cavém.
Após o desafio, houve uma cerimónia de recepção ao Benfica, na qual lhe foi oferecido um valioso serviço de café pela Federação Iraquiana de Futebol, que se encontra exposto na área 26. Benfica universal do Museu Benfica - Cosme Damião."

Ana Filipa Simões, in O Benfica

Diácono Remédios (adaptação)

"O Porto não lhe deu troco e o Benfica só tem de seguir o mesmo caminho: deixar BdC a falar sozinho, até se cansar

O presidente do Benfica tomou a posição mais sensata ao não apadrinhar o clima de confrontação verbal com o vizinho. Com a sua atitude não só respeitou a grandeza da instituição a que preside como teve a preocupação de convidar os adeptos encarnados a não atribuírem importância ao que classificou de insinuações avulsas que, como sublinhou, não alcançam nem a reputação nem o bom nome do emblema da águia.
Do ponto de vista do relacionamento institucional, Luís Filipe Vieira, com virtudes e pecados, mas com importante obra feita, também não deve alimentar o capricho truculento de quem está a chegar e que, à parte queixas e denúncias que faz, ou diz que faz, ainda pouco apresentou de visível, além de ter questionado as gestões anteriores, desde Pedro Santana Lopes e José Roquette a Dias da Cunha, Filipe Soares Franco, José Eduardo Bettencourt e Godinho Lopes, reclamando o papel de justiceiro que defende o bem e combate o mal. Quer descobrir todas as malfeitorias passadas e expor na praça pública quem as permitiu.
O primeiro alvo foi o FC Porto, com principal incidência na pessoa do seu presidente, sobre a qual se referiu com oratória violenta e deselegante, como acredito que todos quantos acompanham o fenómeno futebolístico devem estar recordados, embora se saiba que há memórias frágeis que, de repente, perdem a capacidade de retenção de situações menos simpáticas em nome de interesses pouco dignos de se recomendarem. Bom, adiante, Bruno de Carvalho referiu-se a Pinto da Costa como lhe deu na gana, aliviou as suas tensões, mas, em troca, recebeu nada. Ou seja, como se diz em linguagem comum, ficou a pregar no deserto. E sem resposta que lhe aguce a criatividade no verbo a força da sua mensagem dilui-se, perde a eficácia que preza, como confessou na entrevista ao Expresso. É como um caçador em coutada despida de caça. A pontaria de pouco lhe serve se não tiver alvos (aves, coelhos e afins) para neles acertar os seus disparos, pois de outro modo perde tempo, gasta dinheiro e faz barulho. Tudo somado corresponde a inutilidade absoluta, nos antípodas do que persegue BdC.

É a única via que o bom senso e a inteligência aconselham a LFV; sem se desgastar: deixar o homólogo do outro lado da Segunda Circular entretido na sua cruzada de purificar o futebol português, porque, como já deu para verificar, precisa de opositor que o motive e de tema que o inspire nas suas longas intervenções em nome da razão suprema, que julga pertencer-lhe, e da prática de bons costumes subordinada, igualmente, à sua linha de pensamento. Espécie de Diácono Remédios em versão adaptada, porque a original, interpretada por Herman José, além de soberba, é inimitável. O Porto não lhe deu troco e o Benfica só tem de seguir o mesmo caminho: deixar BdC a falar sozinho, até se cansar, no pressuposto de não voltarem a ser violados os limites do razoável.
Estou de acordo com o fundamental de algumas ideias de BdC, sobretudo no que se refere ao sector da arbitragem, desde sempre nebuloso, tipo sociedade secreta com poderes para destituir treinadores, influenciar classificações e despromover clubes, embora considere que devem ser protegidos os melhores em vez de os misturar todos no saco do sorteio, como chegou a ser alvitrado. O recurso às tecnologias também me parece acertado, é uma questão de tempo... No entanto, impõe-se que a clareza seja presença constante em todas as circunstâncias, não devendo BdC cair na tentação do 'ouve o que te digo mas não repares no que faço'. Da mesma maneira que lhe contam coisas, também há descrições de comportamentos seus em circuito fechado que só não tiveram consequências por haver árbitros a quem, de facto lhes pesa a consciência e delegados que veem mal e ouvem pior. Mas é como digo, contaram-me, e por isso fico-me por aqui, sendo certo que não havia necessidade de BdC provocar grossa tempestade para se anunciar como intransigente partidário da verdade. De aí que me permita duvidar da eficácia da empreitada, ele que ainda não percebeu, ou não quis perceber que a história e a dimensão do Sporting exigem outra estratégia política. Os presidentes dos grandes clubes não costumam sentar-se nos bancos de suplentes. Vemo-los nas tribunas presidenciais, o lugar que lhes pertence. O resto... é foguetório para as claques baterem palmas, sendo certo que o universo de apoiantes leoninos representa imensamente mais. O Sporting é enorme, BdC (ainda) não... Eis o problema."

Fernando Guerra, in A Bola

Lançar tochas

"Estive entre os milhares de benfiquistas que celebraram a vitória do Glorioso no Vicente Calderón. Sei bem que aquela alegria imensa só foi interrompida pelo ato bárbaro de meia dúzia de delinquentes que lançaram tochas em direcção aos adeptos do Atlético Madrid. Foi por isso, com satisfação que assisti à reacção imediata da direcção do Benfica, pedindo desculpas e repudiando o comportamento 'vergonhoso' de alguns adeptos.
O futebol assenta numa cultura adversativa e por vezes parece a continuação da guerra por outros meios. Mas a chave é mesmo os 'outros meios'. É possível conciliar celebração pelo clube que seguimos e aversão aos rivais, sem que isso se traduza numa violência intolerável. Há, a este propósito, um muro que precisa de ser erguido e defendido entre quem faz do futebol uma paixão animada a rivalidades e aqueles que aproveitam para transformar os estádios em espaços de delinquência.
Deixem-me recuar ainda uma semana ao lastimável programa da TVI24, em que participou o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho. É triste que um presidente de um clube se preste a um papel daqueles. Degrada a imagem da instituição que dirige. Contudo, como não sou sportinguista, deixo essa questão para os adeptos do clube de Alvalade.
Mas, como benfiquista, posso assegurar-vos que a maioria dos adeptos do Glorioso não se revê no estilo truculento e de insulto permanente de Pedro Guerra. O que me leva a questionar: pode um clube repudiar a acção de adeptos que lançam tochas nos estádios e tolerar quem 'lança tochas' em permanência na comunicação social, ajudando a incendiar o clima nos estádios de futebol?"


PS: Esta necessidade de dar uma no ferro e outra na ferradura, era dispensável. O Pedro Guerra tem muitos defeitos, mas ao contrário dos outros paineleiros, não tem por hábito insultar os oponentes. Pode manipular a informação, pode ser demasiado Vieirista, fala pelos cotovelos, mas não recorre ao insulto facilmente... Aliás, no programa com o Atrasado Mental, muita contenção teve o Pedro Guerra, outra pessoa qualquer naquela posição, teria respondido de outra forma...

Ao pé-coxinho

"A Liga de basquetebol começou coxa. A má imagem deixada no último sábado, com dois jogos adiados no campeonato. pode prolongar-se e ganhar outros contornos, caso não haja acordo e garantias da parte da Associação Nacional de Juízes de Basquetebol (ANJB) em relação aos prémios em atraso e outras questões que precisam de ser definidas. Numa leitura muito rápida, a primeira ilação a retirar é que se a situação continuar, no fim de semana a federação volta a organizar uma jornada com o credo na boca. Daí a solução avançada por Domingos Almeida Lima, vice-presidente do Benfica. que defendeu a interrupção do campeonato enquanto não houver acordo. E no sábado haverá um Benfica-FC Porto, que promete. Qualquer falha na arbitragem significa o rastilho para agravar a polémica.
A federação tardou a resolver o problema e os juízes não cederam a pressões, mesmo que a entidade federativa tenha garantido o pagamento das verbas em atraso. Quem saiu prejudicado foram os clubes e, de facto, não faz nenhum sentido um treinador ter de programar a semana de treinos em função de um adversário, com a observação de vídeos e de jogadas específicas, e depois não haver jogo, com a agravante de as equipas terem gasto dinheiro nas suas deslocações.
Decididamente, o basquetebol entrou numa nova era. E nesta fase era importante pensar nas repercussões causadas, seja em termos de patrocinadores, seja na valorização da modalidade. Os juízes devem ter a sua independência, mas, ao mesmo tempo, acautelar os prejuízos e as consequências. Caso contrário teriam tanto poder como nos tribunais: o juiz decide, está decidido..."

Ajuste de contas

"Fazia eu zapping fugindo de telenovelas e programas de futebol que alguns designam de desportivos, quando me aparece o presidente de um importante clube. A curiosidade matou o gato e fiquei a assistir durante um bocado. Um pouco mais de uma hora que é, para mim, extraordinário recorde. Santo Deus, como era possível?! Vi o que me pareceu um verdadeiro ajuste de contas em que se envolveram um dos participantes que julgo pertencer ao painel de residentes, mas que eu desconhecia por completo dado não ser seguidor destes debates (?) e o presidente. O primeiro vinha bem munido de documentos que serviriam de artilharia para o combate e o segundo, que antecipara o cenário da batalha, a dado momento contra-atacou com outros documentos. Não se pode ter expectativas de que aqui sejam tratadas as questões verdadeiramente relevantes do ponto de vista desportivo, mas a certa altura já nem dos fait-divers do futebol se falava. Eram aspectos das vidas pessoais que se arremessavam.
Sem qualquer simpatia clubista neste contexto, é-me, à partida, totalmente indiferente qual o clube que ganha o campeonato, ainda que no seu desenrolar possa ir simpatizando mais com uma equipa, quer por razões desportivas, quer porque algum amigo ou ex-aluno lhe esteja associado. Orgulho-me de pertencer a uma família de desportistas prestigiados que serviram verdadeiramente Portugal e que, em mais de cem anos, fundaram dois clubes agora clássicos em Lisboa e no País. Transmitiram-me valores que tento honrar. Ensinaram-me a distinguir desporto de fanatismo.
Em vez de derramar lágrimas de crocodilo por vítimas de incidentes violentos em espectáculos desportivos, seria bom reflectir no modo como o tipo de confrontos facciosos em programas de adeptos nas televisões influenciam as atitudes do adepto comum, vulgarmente com menor nível cultural. Discussões baseadas em visões enviesadas pela paixão irracional exacerbam sentimentos no contexto desportivo e do país que são socialmente incendiários."

Sidónio Serpa, in A Bola