"Creio que já o escrevi nesta página, há alguns meses, e como ponto de partida para outra análise: estive, em agosto de 2003, na inauguração do Estádio José Alvalade, e no jogo que, verdadeiramente, constituiu a ignição de Cristiano Ronaldo para uma carreira de sonho no futebol internacional.
Aquela noite, o triunfo do Sporting, por 3-1, sobre o Manchester United, e sobretudo a exuberância da atuação de um miúdo de 17 anos, que seduziu absolutamente jogadores e equipa técnica dos red devils, foram, portanto, a primeira página de um livro dourado, em que quase tudo foi conquistado, em que recordes foram sucessivamente pulverizados e em que o então desconhecido jovem madeirense se tornou um fenómeno de rendimento desportivo e de popularidade universal.
Desde o Euro-2004 que Cristiano não perde uma fase final de grande competição internacional, para o que muito contribuiu a sua crescente influência no jogo e nos desempenhos da equipa principal de Portugal e uma notável capacidade de superação, seja nos objetivos sucessivos que o próprio jogador foi criando a si próprio, seja na quase inigualável capacidade física.
Arrisco dizer que Cristiano Ronaldo é, para muitos, o melhor jogador da História do futebol. Porém, será decerto para todos um dos maiores e, essencialmente, o protótipo dificilmente igualável de um atleta de eleição e de altíssimo rendimento e competência.
Aqui chegados, também surgem as responsabilidades que, decerto, não incomodavam a mente do prodígio brilhante que encantou Sir Alex Ferguson naquela noite de verão, em Lisboa, há mais de 22 anos.
Elas — as responsabilidades — aparecem com o tempo, com a experiência mas, essencialmente, com o que do tempo e da experiência fazemos. E Ronaldo, o madeirense dotado, devotado e esforçado, rapidamente se tornou referência maior das equipas por onde passou e da Seleção do seu país. Daí a ser seu capitão foi um passo, natural e aguardado, nunca questionado durante uma ampla época do seu reinado como o melhor português, pelo menos, da sua geração.
O que se pede a um capitão de equipa, no futebol, no râguebi, no andebol, no hóquei em patins, em qualquer modalidade em que as representações nacionais tenham crescente implantação competitiva, seja pelos resultados o tidos, seja pela frequência de presença em grande palcos mundiais e consequente exposição aumentada, é que seja muito mais do que ele próprio. É que seja o espelho da garra e da vontade da equipa em representar a bandeira nacional. É que dê o corpo às balas, notabilizando-se pela defesa do coletivo sobre a soberba individual, que divida os louros das vitórias e que seja o primeiro a assumir responsabilidades pelas derrotas. Ser capitão implica isso mesmo, como acrescida valia de uma braçadeira que deve ser muito mais do que um objeto identificativo em campo. Deve ser sinónimo de exemplo dentro e fora dele, deve ser extensão da equipa técnica durante o jogo, deve ser visão periférica e leitura com faróis de nevoeiro de todas as situações e respetivas implicações fora do retângulo de pura competição.
Houve, recentemente, dois momentos que contribuíram para questionar a posição de Cristiano Ronaldo. Num deles (a ausência do funeral de Diogo Jota), e independentemente da justificação aduzida pelo próprio, de um foro muito pessoal e familiar, quase na intimidade do seu círculo mais fechado, Cristiano Ronaldo não foi capitão. Alguém com a braçadeira seria o primeiro a chegar de todos os seus colegas de Seleção, para fazer o que o Liverpool fez em Gondomar: prestar uma singela mas muito sentida e presencial homenagem à memória do jovem companheiro de equipa que acabara de partir. Por tão súbita e violenta, a morte de Jota reuniu, das quatro partidas do mundo, o planeta futebol.
À exceção de um capitão que, nesse momento, não conseguiu discernir o pessoal do coletivo e a força da braçadeira.
Do mesmo modo, expulso em Dublin e, por via desse cartão vermelho, desde logo afastado do encontro que se revelaria decisivo para carimbar o apuramento português para a fase final do Mundial-2026, era sua obrigação moral e dever físico a presença junto aos companheiros, no Estádio do Dragão.
Não há nenhuma justificação plausível para a sua ausência da consagração lusa, por mais previsível (e obrigatória) que ela fosse, em face da fragilidade do adversário em questão.
Bem sei que a situação de Cristiano Ronaldo (sobretudo a sua completa liberdade financeira) lhe permite a tomada de qualquer posição pessoal. Já la vamos. Mas esta não é uma posição pessoal. É uma posição do capitão da Seleção de Portugal, tomada no âmbito de um estágio de preparação para um jogo decisivo. Portanto, neste caso, o jogador também não foi, verdadeiramente, capitão.
Escrevi «já lá vamos» no parágrafo anterior. Justamente porque, esta semana, o cidadão (naturalmente por força da sua carreira e da sua dimensão universal) Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro esteve na Casa Branca, num encontro privado com o POTUS (o curioso acrónimo que designa President Of The United States), integrado numa delegação chefiada pelo príncipe Herdeiro da Arábia Saudita, que é, também, o número um do Al Nassr.
Aqui, é Cristiano cidadão a decidir o que muito bem pretende fazer nos seus dias privados. Na América, em Hong Kong, em Ibiza ou na sua mansão de Riade. Não deve nada a ninguém nem deve temer as análises (muitas delas na espuma os dias) dos novos especialistas e tudólogos dos canais 24/7 news ou das redes digitais.
Neste caso, quem esteve em Washington, na elegância incontestável do smoking e no sorriso das selfies, foi o cidadão, que também é futebolista de eleição. E, embora onde Cristiano esteja também acabe por estar Portugal, ele ainda tem a liberdade suficiente para decidir com quem se quer sentar à mesa…
Cartão branco
A impressionante caminhada da Seleção Portuguesa de sub-17 continua. No Golfo Pérsico, faltam dois jogos (e duas vitórias…) para o grande sonho ser tornado realidade. O novo Mundial da categoria, juntando 48 seleções num modelo de disputa idêntico ao que vai caraterizar o Mundial-2026, está a ser testado com sucesso, intensidade e competitividade. E a equipa treinada por Bino Maçães dá mostras de uma incrível personalidade e consistência. Faltam dois jogos, mas o belo exemplo, nos seis entretanto realizados, já fará parte da História."