"No dia 12 de julho, a Seleção Nacional de rugby disputou um jogo de teste contra a seleção irlandesa. Embora não contasse para a qualificação para o Mundial — recorde-se que Portugal já garantiu presença no Campeonato do Mundo de 2027, na Austrália, pela terceira vez na sua história —, este jogo revestia-se de enorme importância para o rugby em Portugal.
Para entender o verdadeiro peso deste jogo, talvez seja útil fazer um breve resumo da história recente da modalidade no nosso país.
Voltemos a 2016, ano em que Portugal foi relegado para o terceiro escalão do rugby europeu, deixando de competir com seleções como Roménia, Geórgia ou Rússia, e passando a enfrentar adversários como Suíça, Polónia ou Lituânia. Em 2019, após uma vitória frente à Alemanha e três anos entre os pequenos da Europa, Portugal conseguiu finalmente a promoção ao segundo escalão do rugby europeu. Este momento marcou o fim da era Martim Aguiar e o início da era Patrice Lagisquet.
De regresso ao patamar onde merece estar — e note-se que o primeiro escalão europeu, o prestigiado torneio das Seis Nações, permanece inacessível por não permitir subidas ou descidas de seleções —, Portugal surpreendeu tudo e todos. Para além dos bons resultados, destacou-se sobretudo pela qualidade das exibições frente a seleções que, sem grande expectativa, foram confrontadas com uma seleção lusa ambiciosa e bem preparada.
Em 2022, Portugal defrontou em Madrid a seleção espanhola num jogo crucial para o apuramento ao Mundial de 2023. Após três anos de crescimento e consolidação da sua reputação internacional, a derrota nesse encontro parecia colocar tudo em causa. No entanto, um erro administrativo por parte da seleção espanhola levou à sua descida no grupo europeu que dava acesso ao Mundial, permitindo que Portugal disputasse o torneio de repescagem no Dubai contra Hong Kong, Quénia e Estados Unidos. Após duas vitórias, a qualificação foi garantida no último minuto do jogo decisivo, com uma penalidade convertida por Samuel Marques, que levou Portugal até França.
O que se seguiu é conhecido até por quem acompanha o rugby de forma mais casual: um empate, uma vitória histórica frente às Fiji e, sobretudo, exibições de encher o olho que conquistaram o respeito da comunidade internacional. Portugal não só foi ao Mundial, como fez história e conquistou, com mérito, um lugar entre os grandes.
E foi precisamente aqui que os problemas começaram.
Terminada a campanha do Mundial — que se esperava ser o início de uma era douradora para o rugby português —, instalou-se antes um clima de instabilidade. Com a saída de Patrice Lagisquet, o novo selecionador Sébastien Bertrank parece ter vindo fazer um estágio de curta duração na Seleção Nacional, e foi substituído por uma equipa de gestão da World Rugby, que teve a proeza de perder frente à Bélgica, naquele que foi um dos piores resultados de sempre, tendo em conta a discrepância entre as posições no ranking mundial. Nunca uma seleção tão bem colocada como Portugal tinha perdido com uma tão mal classificada. A curta passagem de Sébastien Bertrank foi sucedida pela entrada de Simon Mannix.
No entanto, o que mais nos preocupa não é a rotatividade no comando técnico — embora, num contexto pós-Mundial, se esperasse que o cargo fosse altamente atrativo. Talvez, na prática, não o seja por falta de condições oferecidas (algo que se presume, mas não se confirma), mas parece-nos, no mínimo, estranho que uma seleção que demonstrou conseguir bater-se, de igual para igual, com as grandes seleções do rugby mundial, não consiga ter um treinador com mais provas dadas, e tenha ido buscar um selecionador que não falava sequer inglês e não conseguia comunicar com os jogadores.
A nosso ver, o mais preocupante é que está em risco a imagem construída com enorme esforço pelos jogadores e staff, e que pode muito facilmente perder-se. Muitos deles são amadores, que colocaram as suas carreiras profissionais em pausa, pedindo licenças sem vencimento para representar Portugal no Mundial. Graças a esse esforço coletivo, Portugal garantiu jogos de preparação com seleções como Inglaterra, Irlanda, África do Sul (bicampeã do mundo) e Escócia, bem como um jogo de treino com os British and Irish Lions — uma oportunidade raríssima e de prestígio inigualável. Estes jogos são fundamentais para elevar o nível da nossa seleção, oferecendo experiências intensas, exigentes, que obrigam cada jogador a superar-se e a crescer. Só com jogos desta exigência e qualidade poderá a Seleção portuguesa crescer e voltar a ter uma prestação de relevo no Mundial de rugby.
Infelizmente, as prestações nesses jogos foram, na sua maioria, dececionantes — e, por vezes, embaraçosas. Contra a Inglaterra, a convocatória mais pareceu uma reunião informal de amigos, com jogadores escolhidos sem critério aparente. O resultado? Uma derrota por quase 100 pontos. Não culpamos os escolhidos, que certamente deram o seu melhor, mas culpamos quem escolheu jogadores que, na maioria dos casos, não estavam claramente preparados para um jogo daquele nível. Contra a África do Sul, mais uma convocatória inexplicável, vários jogadores de fora e, mesmo com vantagem numérica durante mais de 60 minutos, uma derrota pesada por mais de 40 pontos.
Em Murrayfield, frente à Escócia, o padrão repetiu-se: ausência de vários jogadores-chave e mais uma oportunidade desperdiçada para consolidar a imagem da seleção. O jogo de treino com os Lions — que poderia ter sido um marco histórico — acabou por se revelar uma exibição muito aquém do esperado. Ao nível do campeonato europeu e da qualificação para o Mundial, custa-nos dizê-lo, mas com o nível apresentado em muitos jogos, parece-nos que Portugal, se não tivesse existido uma expansão para 24 países presentes no Mundial, teria tido muitas dificuldades em marcar presença na maior competição de rugby do mundo.
E, a nível interno, a saúde do nosso campeonato também merece uma pequena reflexão. Após um ano em que a final do campeonato nacional foi transmitida em canal aberto — algo que conseguiu atrair um número recorde de visualizações (como foi prontamente anunciado) —, decidiu-se, inexplicavelmente, acabar com a final, tornando o campeonato português uma competição de rugby sem um jogo decisivo, contrariamente ao que existe na grande maioria dos países e, principalmente, nas maiores competições de rugby do mundo.
Este ano, o título nacional foi decidido numa jornada adiada, num jogo entre uma equipa que só precisava da vitória para ser campeã e outra que já jogava sem qualquer motivação competitiva. Como se não bastasse, vários jogadores não puderam sequer comparecer nesse encontro, retirando-lhe qualquer aura de grande momento do rugby nacional. É incompreensível que, numa altura em que o rugby em Portugal precisava de consolidar a sua imagem junto do grande público e atrair mais praticantes, patrocinadores e visibilidade, se abdique de um dos pontos altos da época: a festa de uma final. Além disso, é importante ainda mencionar que a primeira metade da época foi ocupada com um torneio de aquecimento, cuja final não chegou sequer a existir.
Surge então uma série de perguntas sem resposta: onde estão os jogadores que representaram Portugal no Mundial? Porque não voltam a vestir a camisola da Seleção? Se o motivo for financeiro, como é possível que, após o feito em França, não se tenha conseguido atrair mais patrocinadores? Como se compreende que a Federação Portuguesa de Rugby, após um Mundial histórico, acumule uma dívida tão grande? Qual é o plano estratégico da Federação para garantir uma prestação de excelência no Mundial de 2027? Que plano existe para tornar o campeonato português um campeonato competitivo e capaz de formar jogadores aptos a representar Portugal nos grandes palcos?
Tudo isto leva a uma última e inevitável pergunta:
Quo Vadis, FPR?"