Últimas indefectivações

terça-feira, 10 de julho de 2018

Cinco escudos azuis muito vermelhos

"Em tempo de Mundial, recordemos a extraordinária participação portuguesa no Torneio de Independência do Brasil, perdido no último minuto da final do Maracanã para os canarinhos por 0-1. Eusébio parecia regressado a 1966, e a influência do Benfica na selecção nacional comandada por José Augusto era avassaladora.

O alegre Verão da Minicopa, torneio comemorativo dos 150 anos de Independência do Brasil, foi um momento muito especial para a selecção nacional e, agora, que vivemos em pleno Campeonato do Mundo da Rússia, vem a propósito recordá-lo porque também foi a fase de presença mais maciça de jogadores do Benfica na equipa que exibe no peito as cinco quinas azuis representando os cinco reis mouros vencidos por D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique.
Explico primeiro como a competição foi organizada.
Vejamos: 20 selecções nacionais e continentais disputaram a taça extraordinária de beleza e ostentação, em 12 estádios. Basicamente, um Mundial. Ao qual faltava os nomes ilustres da Itália, da Alemanha e da Inglaterra, pelo que houve quem acusasse a CBF de 'fabricar' um torneio à medida da vitória brasileira. Quinze equipas - Argentina, Selecção de África, França, Selecção da América Central, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Irlanda, Venezuela, Chile, Irão, Jugoslávia e Portugal - seriam distribuídas por três grupos; outras cinco - Brasil, Uruguai, URSS, Checoslováquia e Escócia - ficariam isentas da primeira fase. Em seguida, formavam-se dois grupos de quatro equipas que decidiam o acesso à final em sistema de poule. Portugal começou por ficar no Grupo II, juntamente com Euquador, Irlanda, Irão e Chile.
Isto não é um filme de suspense, por isso digo já que um Portugal de enorme categoria, comandado pelo capitão Eusébio, a bater à porta dos seus 30 anos, atingiu a final do Maracanã perdendo para o Brasil campeão do mundo no último minuto graças a um golo de Jairzinho (0-1).
Até lá foi brilhante: na primeira fase, 3-0 ao Equador, 3-0 ao Irão, 4-1 ao Chile e 2-1 à Irlanda; na segunda, 3-1 à Argentina, 1-1 com o Uruguai e 1-0 à União Soviética.


Fazendo miséria!
O seleccionador responsável pela presença esplendorosa de Portugal nessa Minicopa foi José Augusto, o bicampeão europeu pelo Benfica. E para verem a força do Benfica nessa convocatória, acrescento que Jaime Graça e Eusébio eram os únicos sobreviventes da saga dos Magriços (Simões, lesionado, ficara em Lisboa), e a juventude de Jordão (19 anos), Nené (22), Humberto Coelho (22), Damas (24) e Toni (25) parecia garantir uma selecção para os anos que se seguiam. Viajaram, portanto: guarda-redes - José Henrique (Benfica), Damas (Sporting) e Mourinho (Belenenses); defesas - Artur (Benfica), Humberto Coelho (Benfica), Laranjeira (Sporting), Messias (Benfica), Adolfo (Benfica) e Murça (Belenenses); médios - Jaime Graça (Benfica), Peres (Sporting), Toni (Benfica e Matine (V. Setúbal); avançados - Nené (Benfica), Chico (Sporting), Artur Jorge (Benfica), Abel (FC Porto), Eusébio (Benfica), Dinis (Sporting) e Jordão (Benfica).

Onze jogadores encarnados! Mas, mais espantoso, quase sempre titulares, embora Nené, Jordão e Artur Jorge tenham sido também utilizados como suplentes.
Pode dizer-se sem rebuço que Eusébio fez, no Brasil, a sua grande despedida da selecção nacional, embora, claro, continuasse a ser indispensável. Mas as exibições que realizou faziam os jornalistas brasileiros recordar o que se passara cinco anos antes nos estádios de Inglaterra aquando do Mundial.
Futebol bonito, técnico, expressivo. O jogo criativo de Jaime Graça, Peres, Eusébio, Jordão e Dnis era avassalador; as arrancadas de Artur e Adolfo, devastadoras; as fintas surgiam em avalancha, as situações de perigo junto às balizas contrárias eram permanentes, não foi por acaso que só na final contra o Brasil, Portugal ficou em branco.
No jornal O Globo, o famoso jornalistas brasileiro João Saldanha, que chegara a ser seleccionador nacional antes de Zagallo, escrevia: 'Há muito tempo que não vejo um time jogar tão bem. Nenhumas falhas. Se caprichassem um pouquinho, era cinco os seis em qualquer um. Toni tem uma raça impressionante; Eusébio é a calma personificada; os laterais, perfeitos; Peres dá aula; Jordão faz miséria'.
Por seu lado, após da formidável vitória sobre a Argentina no Maracanã, Nelson Rodrigues, o grande mestre da crónica brasileira, não perdeu a hipótese de escrever sobre o encontro do mesmissísmo O Globo: 'Na partida de anteontem havia um favorito, que era a Argentina. Assim, o impacto da vitória portuguesa foi muito mais firme e mais forte do que seria em condições normais. Mas, se pensarmos bem, verificaremos que não havia razão para surpresa. Portugal mostrou que as suas condições técnicas são muito melhores do que as da Argentina. Eu diria que Portugal vive o grande momento da sua história futebolística. O time luso jogava com tanta folga e com uma facilidade tão humilhante, que os seus jogadores, em dado momento, deram um olé no meio. O admirável no futebol luso é a influência brasileira. Não há dúvida nem sofisma. As nossas características, Otto Glória as levou para Portugal. Já em 66 os lusos deram uma alta demonstração de desenvolvimento. Só não fez mais contra a Inglaterra porque o seu time entrou em pane psicológica. Mas se houver um novo confronto, em campo neutro e com uma arbitragem neutra, sou muito mais Portugal. Anteontem foi impressionante. Enquanto o adversário chorava a sua impotência e frustração, os portugueses construíam a sua bela vitória. Muita gente lamentava que o Brasil não tinha adversário nessa copa. É falso, mil vezes falso. Aí está, por exemplo, o quadro português. Grande escrete, que melhora de 15 em 15 minutos'.
Decorriam os meses de Junho e Julho de 1972. A equipa lusitana permaneceu por mais de um mês em terras brasileiras.
Em Portugal, o povo não perdia a oportunidade da pilhéria e chamavam à selecção portuguesa... Sport Lisboa e Peres.
Esse Verão ficaria para a história do futebol português como um quadro maravilhoso pendurado na parede de corredor da memória."

Afonso de Melo, in O Benfica

Tripazo...

Século novo, estádio novo!

"Em dia de inauguração, o público iluminou e... a Águia voou.

Depois de 47 anos ao serviço do Sport Lisboa e Benfica e da sua massa associativa, o Estádio da Luz, inaugurado a 1 de Dezembro de 1954, cedeu o seu lugar.
A construção de um novo estádio foi aprovada em Assembleia-Geral a 28 de Setembro de 2001 e, ainda nesse ano, foi iniciado o processo de demolição do antigo. Num esfregar de olhos, o novo estádio começou a ganhar forma e em apenas dois anos e projecto do arquitecto Damon Lavalle estava concretizado.
A cerimónia inaugural teve lugar a 25 de Outubro de 2003. Nem o 'céu nebuloso, (os) ventos fortes e (os) aguaceiros' desencorajaram os benfiquistas que desde manhã cedo coloriram as redondezas de vermelho, vindos 'de todos os cantos do planeta'.
'Precisamente às 21h18, Jorge Sampaio (Presidente da República) declarou inaugurado o novo  Estádio' ao descerrar a placa que, na porta 1-2-3, assinala a data. No interior, os 65 000 espectadores - boquiabertos e visivelmente emocionados, não paravam de exclamar: 'É lindo!' - acompanharam tudo através de ecrãs gigantes. Seguiram-se os habituais discursos, muito fogo de artifício e coreografias com dezenas de bailarinos.
O público juntou-se à festa e participou nas coreografias, ascendendo os cartões-luz que a organização distribuiu à entrada do recinto. E a cada sinal, nas bancadas, 'milhares de luzes piscaram como estrelas do céu'.
Um dos momentos mais altos da noite teve Vitória como protagonista, uma águia que, para surpresa e júbilo dos presente, desceu, planando, do alto do terceiro anel, 'passou sobre a equipa' e pousou 'altiva e dominadora' no emblema. Ou melhor, o objectivo era esse. Talvez assustada pelo enorme ruído que a envolvia, aterrou primeiro no chão, mas voltou a bater as asas e lá 'cumpriu o objectivo, aceitando com agrado os pedaços de carne que já a aguardavam'.
A finalizar a cerimónia, o jogo com o Nacional de Montevideu. Eusébio deu o pontapé de saída e Nuno Gomes estreou a baliza. 'E os festejos prosseguiram pela noite dentro...'
Na exposição temporária Jornal O Benfica - 75 Anos de Missão, patente no Museu Benfica - Cosme Damião, encontra expostos alguns objectos referentes à inauguração do Estádio, entre eles um dos cartões-luz entregues aos adeptos."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Gesto solidário com jovens da Tailândia

"Benfica convida jovens tailandeses para estágio de uma semana no Caixa Futebol Campus, no Seixal.
Na sequência do resgate dos primeiros quatro jovens, o presidente Luís Filipe Vieira endereçou uma carta no domingo ao Embaixador do Reino da Tailândia em Portugal a manifestar o desejo de que a restante operação decorresse com sucesso e a informar da disponibilidade do SL Benfica para acolher o grupo de 12 crianças e o seu jovem técnico para realizarem um estágio de uma semana no Caixa Futebol Campus, no Seixal, assegurando na totalidade as suas viagens e estadia.
Este convite visa minorar o momento difícil porque passaram estes jovens e que para sempre perdurará nas suas memórias e tem em conta a sua forte paixão pelo Futebol.
Tal como foi transmitido na carta endereçada, “acreditamos que este simples gesto possa contribuir para que aqueles rostos reencontrem a felicidade e o sorriso que toda e qualquer criança nunca deveria perder.” Realçando que “O Sport Lisboa e Benfica tem vincadamente inscrito no seu código genético os valores da solidariedade, da generosidade e da justiça”.
Junto em anexo segue a carta endereçada pelo presidente do Sport Lisboa e Benfica."

Alvorada... do Bernardo

O triunfo dos filhos do subúrbio

"Os franceses voltam a viver com os mesmos sonhos de vitória que em 1998, quando a sua equipa se sagrou campeã do Mundo. E esperam também que a sua nova estrela Kylian Mbappé, vindo, tal como muitos outros jogadores da selecção, das duras e marginalizadas periferias das grandes cidades, contribua para acalmar a violência que as continuou a marcar apesar da vitória da equipa de Zidane, há 20 anos

As esperanças são as mesmas de há 20 anos. São altas no campo desportivo, mas são muito mais moderadas do que em 1998, no domínio da correcção das fracturas sociais e da convivência saudável entre diversas comunidades que muito raramente se cruzam.
O troféu conquistado nessa altura foi então visto por alguns analistas como a salvação ou, pelo menos, como o ponto de partida para alcançar finalmente a paz na conflituosa sociedade francesa.
Há duas décadas, a equipa era, em termos de origem social dos jogadores, idêntica à actual – uma mistura de jovens vindos de diversos horizontes, muitos deles da emigração africana e dos guetos pobres e marginais que abundam à volta das grandes cidades. Era a imagem da ansiada harmonia que se desejava implantar e transferir quase automaticamente para a sociedade.
Mas o convívio entre estas duas franças durou apenas os dias das comemorações da vitória e, depois, nada se alterou no dia a dia da vida real das pessoas. A violência e a fractura social mantiveram-se e até aumentaram. A xenófoba Frente Nacional alcançou, depois de 1998, os seus melhores resultados eleitorais de sempre e as duas franças continuaram irremediavelmente de costas voltadas.
Ainda hoje o drama permanece bem vivo. Enquanto a selecção marcava golos na Rússia e Kylian Mbappé, um filho de Bondy, na “banlieue” norte de Paris, dava nas vistas e começava a ser apontado como uma provável futura estrela do futebol francês e mundial, na precária periferia da cidade de Nantes viveram-se cinco noites consecutivas de grande violência, com incêndios e confrontos, depois de um jovem de 22 anos ter sido abatido a tiro por um polícia durante um banal controlo de um carro numa rua.

O Viveiro
Na actual equipa tricolor abundam jogadores nascidos nos subúrbios e que cresceram profissionalmente sobretudo nos da capital, Paris. Alguns são muito conhecidos e já fazem parte da elite do futebol. Têm nomes afirmados nos terrenos dos jogos, como é o caso, além de Mbappé, de Blaise Matuidi, N’Golo Kanté, Paul Pogba ou Presnel Kimpembe. No total, no grupo seleccionado por Didier Deschamps, eles representam mais de um terço do total.
As periferias, essencialmente as parisenses, são autênticos viveiros para o futebol francês. Nestes deserdados e discriminados subúrbios há muito pouco para fazer, há elevadíssimas taxas de desemprego jovem, a ascensão social não opera como no resto do país, a escola funciona mal e, para que os seus filhos não caiam definitivamente na marginalidade e no banditismo, os pais empurram-nos desde miúdos para a prática do futebol.
Em Montfermeil, Bondy ou La Courneuve, localidades da região parisiense, as crianças jogam futebol entre as degradadas torres de habitação e basta uma curta visita aos guetos num dia sem chuva para o constatar. Todos os miúdos querem ser futuros Zidanes ou Mbappés e o futebol passou ser quase a única perspectiva para sair da vida dura na “banlieue”. Jogam em campos improvisados, dirigidos por treinadores amadores ou pelos próprios pais.
Nos últimos anos, as suas hipóteses de subirem na vida através do desporto-rei aumentaram. No tempo da selecção de Michel Platini, há mais de 30 anos, ainda existiam poucos internacionais vindos da periferia de Paris na equipa nacional. Mas, desde há pouco mais de 20 anos, as equipas profissionais contrataram "olheiros" para detectar novos talentos e eles têm aparecido.
“Atualmente, mais de 60 por cento dos jogadores profissionais franceses vêm da região parisiense”, explica Jean-Claude Lafargue, director de um centro de formação em Clairefontaine (campo de base da selecção francesa), que treinou Mbappé quando ele era ainda uma criança. “Os jovens das periferias de Paris são muito motivados pelo futebol e os clubes profissionais montaram redes de recrutamento eficazes em toda a região”, acrescenta Jamel Sandjak, presidente da Liga de Paris-Ile-de-France.
Em França, os jovens das periferias são discriminados em tudo, menos no futebol. Não conseguem empregos facilmente, porque são suspeitos de estarem irremediavelmente contaminados pela violência e, até, pelo radicalismo islâmico. O futebol é, muitas vezes, a única porta de saída para muitos.
Se, esta noite, os tricolores ganharem à Bélgica, estes jovens vão celebrar de novo a vitória e a esperança de terem uma vida mais feliz. Mas a fractura é imensa e há muitos outros que não o farão. Já durante o Euro de 2016 muitos deles celebraram a vitória de… Portugal, porque, disseram então alguns a este repórter, “não gostamos da França”.
Na vida não há apenas uma cor e a realidade francesa tem pouco a ver com os sonhos. O futebol é uma esperança para as gentes das “banlieues”, mas a árvore Mbappé não consegue esconder a floresta."

A alma russa não precisa de amoníaco

"Com salários principescos, acomodados num campeonato medíocre, os jogadores russos viram-se perante uma tarefa demasiado exigente para os seus hábitos ociosos: não envergonhar o país.

Nas vésperas do Mundial, adivinhava-se uma catástrofe de proporções tolstoianas para os russos. Não tanto para a organização do evento, mas para a própria selecção. Havia quem desconfiasse da capacidades dos anfitriões saírem com vida de um grupo com Arábia Saudita, Egipto e Uruguai, o que não era propriamente um sinal de optimismo. Com salários principescos, acomodados num campeonato medíocre (a liga russa) e sem grande vontade de arriscar uma carreira no estrangeiro, os jogadores russos viram-se perante uma tarefa demasiado exigente para os seus hábitos ociosos: não envergonhar o país.
Com a equipa preste a entrar em campo, os jornais de Moscovo traçavam o mais sombrio dos cenários: “Velha e inexperiente: porque é que a selecção russa está condenada ao fracasso”, rezava uma manchete num tom que ninguém classificaria de patriótico. O único russo com alguma fé devia ser Stanislav Cherchesov, o seleccionador. Ainda antes do torneio começar, um jornalista dinamarquês perguntou-lhe se tinha alguma mensagem para o povo russo. Cherchesov sorriu: “Você teria dificuldades em perceber os labirintos da alma russa.” O que ele disse depois não interessa. Aliás, nem sequer interessa o sentido da resposta. O que conta é a referência à alma russa, essa ideia viva e cheia de profundezas, de mistérios, de abismos, de contradições que nós, ocidentais, temos muita dificuldade em compreender, como bem apontou Cerchesov.
A história da alma russa é a história dos seus líderes megalómanos e sanguinários, da crença colectiva num destino grandioso quer nos sucessos, quer nos fracassos, de um misticismo que ferve no caldeirão dessa alma e se derrama para a religião, a política e a literatura, de uma grandeza terrível que parece sempre em risco de colapsar e arrastar na sua queda o resto do mundo. Foram os russos que ergueram o farol do comunismo, um farol com voz de sereia que, afinal, atraía os navios para as rochas. Quando a desgraça parecia inevitável, superaram-se em Estalinegrado. Quando o sistema soviético parecia sólido, ruiu como um baralho de cartas. Esta selecção russa juntou-se às narrativas inesperadas, neste caso de triunfo (relativo, bem sei), que não só contrariou os prognósticos catastrofistas, como dificilmente existiria sem eles. A indiferença dos compatriotas, também eles incapazes de compreender certos traços da alma russa, tornou-os co-autores do sucesso da selecção. 
Se jogaram bem ou não, é assunto para os especialistas da bola. Que Cherchesov tinha um desígnio, lá isso tinha. Após a exibição de docilidade estratégica contra a Espanha, quem diria que a Rússia era equipa para atacar com tanta ferocidade a Croácia? No entanto, há quem atribua o desempenho dos russos a jogadas na fronteira da legalidade. O espectro do doping pairava sobre as conversas e diz-se agora que, antes de entrarem em campo, os jogadores cheiraram bolas de algodão embebidas em amoníaco, substância permitida mas que estimula a respiração e melhora o fluxo de oxigénio no sangue. Mas, acreditem, o doping decisivo para os russos foi o doping espiritual. Tal como os uruguaios são louvados pela garra charrúa e os espanhóis de antanho eram respeitados pela fúria, os russos merecem a nossa consideração por serem capazes de ressuscitar nas ocasiões mais improváveis graças aos suplementos de alma. Eu, que não quereria Cherchesov para treinador do meu clube, era bem capaz de lhe confiar um exército, uma nação. Com ou sem amoníaco."

Um lago sem tubarões

"Entre as quatro selecções nas meias finais, dois campeonatos do mundo. Menos, só em 1966, quando dos semi-finalistas só a Alemanha tinha conquistado um, e apenas um, campeonato.

Quando no lago só restam tubarões, uma pessoa queixa-se que são os mesmos de sempre. Quando no lago já não há praticamente tubarões, uma pessoa lamenta a extinção precoce da espécie. Somos como o povo sempre a gritar pela revolução e, depois de a revolução ocorrer, a chorar as cabeças cortadas dos aristocratas. Inglaterra, França, Croácia e Bélgica. Entre as quatro selecções, dois campeonatos do mundo. Menos, só em 1966, quando dos semi-finalistas só a Alemanha tinha conquistado um, e apenas um, campeonato. No outro extremo, temos o Itália 90, em que nas meias-finais só havia campeões do mundo (Alemanha, Argentina, Itália e Inglaterra), cenário que não se voltou a repetir. Mesmo assim, o Itália 90 é considerado por muitos analistas um dos piores campeonatos de sempre (por razões afectivas e um golo de Claudio Cannigia não posso concordar), e, embora a falta de distância possa influenciar a opinião, são muitos os que consideram que este Rússia 2018 representa, no mínimo, uma subida de qualidade relativamente aos últimos mundiais. Ou seja, aparentemente o desaparecimento dos tubarões não significou uma queda abrupta na qualidade.
O facto é que eles não estão cá, onde nos habituámos a vê-los, e isso causa alguma estranheza. Desta vez, temos campeões do mundo, sim, mas de entre estes só os que ganharam uma única vez e, curiosamente, em casa. É caso para dizer que, de aristocratas, só têm o título. Ao chegar às meias-finais a Bélgica já garantiu pelo menos que iguala o melhor resultado de sempre, o 4º lugar no México 86. Já a Croácia, que também nunca passou das meias-finais, terá de ficar em 3º para igualar o seu melhor desempenho, no França 98, em que se estreou em mundiais como país independente. No capítulo das curiosidades ressalta o facto de Croácia e Bélgica chegarem pela segunda vez às meias-finais e, pela segunda vez, terem aí a companhia da França, eliminada pela Alemanha em 86 e que eliminou precisamente a Croácia em 98.
No entanto, se esta Bélgica pede meças à de 86, a Croácia parece francamente inferior à sua antepassada de 98, que ficou para a história com a estrondosa eliminação da Alemanha nos quartos-de-final por 3-0. Em termos de qualidade absoluta, a França actual não fica nada a dever à França que conquistou o campeonato em 98. Falta-lhe um Zidane, é certo, mas a contribuição de Zidane nesse campeonato, onde marcou dois golos na final, não foi tão significativa como, por exemplo, em 2006. Na frente de ataque, a selecção de Deschamps-seleccionador é até muito superior à de Deschamps-jogador. Griezmann, Mbappé e Giroud chegariam facilmente para a nulidade Stephane Guivarc’h e os então muito jovens David Trezeguet e Thierry Henry. Aliás, o ataque era mesmo o ponto fraco da selecção francesa – nos jogos a eliminar, os avançados não marcaram qualquer golo. Dois anos depois, no Euro 2000, confirmada a explosão de Trezeguet e Henry, esse problema já não existia. 
Finalmente, a Inglaterra. Dizer que esta equipa não tem os valores individuais de outras equipas inglesas do passado (e limitemos o passado a 1990, ano em que a Inglaterra chegou pela última vez às meias-finais) é uma constatação quase tão óbvia como dizer que, efectivamente, já superou os melhores resultados dessas selecções que tiveram Rio Ferdinand, Sol Campbell, John Terry, David Beckham, Paul Scholes, Frank Lampard, Steven Gerrard, Joe Cole, Alan Shearer, Michael Owen, Wayne Rooney, e, também é verdade, uma série de guarda-redes, de David Seaman a David James, passando por Robert Green, com propensão sobrenatural para dar os frangos de uma vida em mundiais.
Esta nova Inglaterra começou o jogo de ontem com Jordan Pickford, Harry Maguire e Jordan Henderson. São maus jogadores? Não são, mas falta-lhes o pedigree de ilustres antecessores. E é essa falta de pedigree que talvez explique o percurso da Inglaterra neste mundial. Sempre no radar, porque uma selecção inglesa, por mais baixas que sejam as expectativas, nunca corre por fora, à equipa não lhe parece pesar a camisola, nem a tradição negativa, nem sequer os adversários, que tem despachado sem demasiado fulgor, mas com grande presença de espírito, mesmo nos momentos de maior pressão. Que outra equipa inglesa teria superado a provação de um golo sofrido no último minuto como aconteceu contra a Colômbia? Não apaixona, mas até agora não desiludiu. E isso é muito mais do que os adeptos ingleses estão habituados."

Benfiquismo (DCCCLXXXIV)

Grande abraço...

Bruno Lage...

Tróia...

Um grande senhor da história do SLB

"Que exemplo de Shéu Han frutifique, nestes tempos em que em nome da tecnocracia e do pragmatismo proliferam os mercenários.

Shéu Han, nascido há quase 65 anos em Inhassoro, Moçambique, disse adeus ao futebol profissional do Benfica, depois de uma ligação consecutiva de 48 anos, em que foi jogador, treinador, secretário técnico e o que mais os encarnados lhe pediram que fosse. Contactei pessoalmente com o Shéu em 1976, durante o Torneio de Toulon. Eu tinha sido, nessa época de 1975/76, em que representei o Sporting, guarda-redes da Selecção Nacional de juniores e, à última hora, acabei por ser integrado na equipa que foi a França para o mais importante certame de Esperanças a nível mundial. Entre as grandes estrelas do futuro presentes em Toulon (Hugo Sanchéz, Vercauteren, Zdravkov, Yontechev, Bransdts...) Shéu Han arrecadou o galardão para melhor técnica, prémio que assentou como uma luva àqueles pés de veludo. Nos anos seguintes defrontei Shéu muitas vezes, mas só tive oportunidade de conhecê-lo realmente e em profundidade a partir de 1982, quando ingressei no Benfica. Vou deixar aqui uma declaração que tenho a certeza de que será compartilhada por muitos ex-companheiros: joguei, ao longo dos 17 anos de carreira, com fantásticos profissionais. Mas nenhum foi mais profissional, dentro e fora do campo, que Shéu. Alguns (que vou guardar para mim) foram do mesmo calibre, interessados, entregues, íntegros, absolutamente exemplares. Mas, mais do que Shéu, não sei se há ou se houve. Só que nunca vi...
Do que vivi com Shéu no Benfica, eu sei, ele sabe, e mais ninguém tem de saber. Mas a forma como Shéu Han foi capaz de permanecer durante 30 anos nos bastidores do futebol encarnado, sem nunca cometer uma inconfidência, uma imprudência, uma imprecisão seria, por si só, notável. Mas Shéu foi mais do que isso, ganhou a confiança de sucessivas gestões e foi digno dela, ouviu muito e calou ainda mais, sempre com aquilo que era o seu entendimento do superior interesse do Benfica no pensamento.
O tempo não perdoa e Shéu Han entendeu que este era o momento certo para o adeus. Sem ele, o Benfica não vai ficar mais forte. Mas, pelo menos, que o exemplo de dedicação de Shéu frutifique, nesta era de tecnocracia e pragmatismo, tão propício a mercenários.

PS - Também o Sindicato de Jogadores tem muitas razões para estar grato a Shéu Han.

Bruno que ir a votos. Ir ou não ir, eis a questão
«Temos de continuar a trilhar o caminho do sucesso, de mãos dadas com os sportinguistas. Decidimos avançar com a candidatura...»
Bruno de Carvalho, candidato a presidente do Sporting
Embora a justiça tenha o seu próprio tempo, o Sporting precisa que a Comissão de Fiscalização delibere, quanto antes, sobre o processo disciplinar que envolve Bruno de Carvalho e os ex-dirigentes do CD leonino. O ambiente eleitoral, onde proliferam candidatos, precisa de clarificação e esta só pode acontecer se todas as premissas estiveram bem definidas.

Ás
Cristiano Ronaldo
É a figura do defeso, actor numa das transferências mais mediáticas de sempre, de Madrid para Turim. Esgotada a sua etapa na Casa Blanca, a escolha da vecchia signora, em detrimento de um contrato três vezes mais alto, na China, revela que a opção desportiva continua a ser a mais importante. CR7 está ara lavar e durar.

Rei
Patrick M. Carvalho
Consumado o divórcio, no Belenenses, entre clube e SAD, a desavença passou a um patamar superior. O clube vai ter equipa sénior a competir, para já, nos Distritais, e reclama o nome e o emblema à SAD, num cenário que o legislador não previu. Quem irá ao Jamor ver a equipa de Silas? Para onde caminha o Belenenses?

Duque
Neymar Jr.
Em defesa do astro do PSG, há que dizer que, após prolongada paragem, não chegou ao Mundial da Rússia nas melhores condições físicas. Mas a abordagem por que optou, feita de teatralidade e engano, prejudicou-lhe a imagem, até que ponto ainda está por saber. Fora das contas da Bola de Ouro, Neymar vai ter de reinventar-se.

Os jornais dos vencedores
O que têm em comum estas quatro capas de jornais de Inglaterra (Sunday Times), Croácia (24 Horas), França (L'Equipe) e Bélgica (Gazeta de Antuérpia)? Alegria, felicidade, orgulho e... esperança. Os semifinalistas do Mundial da Rússia foram louvados pelos seus e apontam agora baterias para os jogos que podem abrir-lhes as portas de Moscovo. Dois deles já foram campeões do mundo (Inglaterra, 1966, e França, 1998, ambos em Mundiais caseiros) e os outros dois foram às meias-finais em 1986 (Bélgica) e 1998 (Croácia). Não estamos, pois, perante nações inexperientes na alta-roda do futebol mundial, o que torna difícil qualquer antecipação do vencedor. No entanto, arrisco uma previsão: gostava que ganhasse a Bélgica, mas creio que o vencedor vai ser a França...
(Em relação à Inglaterra, que fez o trabalho de casa em tempo devido e agora está a colher os benefícios, haverá muito a dizer numa próxima edição)
Uma capa de futebol e mais do que futebol
O diário Marca deu capa na edição de ontem ao drama dos jovens futebolistas tailandeses, e do seu treinador, presos numa gruta há duas semanas. As notícias mais recentes apontam para quatro resgates, com as operações de salvamento ainda em curso. A FIFA já prometeu lugares na final do Mundial. Nós fazemos figas."

José Manuel Delgado, in A Bola

BdC e a atracção pelos holofotes

"Bruno de Carvalho anunciou - sem grande surpresa, deve referir-se - ser candidato às eleições de 8 de Setembro. Fê-lo através de um directo no Facebook (podia lá ser de outra forma?...) e deixou mais explicações para quarta-feira, quando realizar aquilo a que chamou de conferência de imprensa mas que será, na realidade, um comício, já que para o evento convidou todos os sócios que o apoiam - tentando, talvez, sentir numa franja anónima mais indefectível o apoio que não foi capaz de reunir quando convidou para uma reunião a meio da semana passada alguns dos que sempre estiveram do seu lado e que agora lhe viraram as costas.
Não é, repetimos, uma surpresa. Por mais que tente mostrar o contrário, Bruno de Carvalho é incapaz de resistir a uma guerra. E pouco lhe importa a paz tão necessária a quem está a tentar juntar, de forma possível, os cacos em que os seus últimos meses de (des)governação transformaram o Sporting. Para Bruno de Carvalho não há nada mais importante do que Bruno de Carvalho. Estar longe dos holofotes não se coaduna com a sua personalidade. Por isso avança, mesmo que pelos estatutos não possa avançar - até porque já se tinha percebido que para ele os estatutos são coisa pouco relevante. O importante, já se percebeu, é que não se esqueçam dele. Por muito mal que isso possa fazer ao Sporting. Nada de novo, portanto...

PS - Caso fosse admitida a candidatura de Bruno de Carvalho, como fariam aqueles que, após a atribulada AG destitutiva, rasgaram os cartões de sócios e prometeram não mais pagar quotas? Farão, provavelmente, como Bruno: voltam atrás na intenção de deixar de ser sportinguistas."

Ricardo Quaresma, in A Bola

Olimpismo: o novo ópio dos políticos

"O filósofo francês Raymond Aron publicou em 1955 o livro “O Ópio dos Intelectuais” onde critica o conformismo da esquerda política relativamente ao totalitarismo que, então, se vivia nos regimes marxistas. E ao afirmar que o marxismo era o ópio dos intelectuais pretendeu, por analogia, parafrasear a célebre metáfora de Karl Marx que proclama a religião como sendo “o ópio do povo”. 
Passado o tempo das grandes narrativas, os dirigentes políticos por esse mundo fora, órfãos de ideologias que lhes sustentem o discurso perante massas de eleitores ávidos de espectáculo político, seja ele qual for, estão a virar-se para o desporto em geral e o futebol em particular pelo que, agora, passaram a vibrar com os grandes espectáculos desportivos e a, religiosamente, rejubilar perante os resultados que lhes podem valorizar a imagem, facilitar-lhes as eleições e a proporcionar-lhes o poder tão desejado.
O que está a acontecer é que, enquanto droga psicotrópica de carácter religioso, o marxismo alienava os intelectuais da realidade terrena ao ponto de lhes entorpecer os critérios de valor relativos aos direitos humanos, agora, o espectáculo desportivo, ao instituir o culto pagão do endeusamento dos atletas, da idolatria clubista ou, ainda pior, da veneração chauvinista da bandeira nacional, entorpeça a visão da realidade social aos dirigentes políticos e desportivos que passam a viver na ilusão de omnipotência sustentada numa “moral de rebanho” que está a destruir a democracia nos mais diversos países. Neste sentido, num atentado tanto à inteligência quanto à memória histórica e na mais profunda ignorância, há dirigentes políticos e desportivos que procuram elevar o desporto à categoria de “desígnio nacional” sem perceberem, minimamente, o sentido protofascista do alcance dos seus desejos!
Perante o que se está a passar à escala planetária, seria de todo o interesse que o desporto nacional fosse submetido a uma avaliação séria e competente acerca do que em matéria de educação, cultura e desenvolvimento deve ser precavido. Porque, não é possível que se continue, impunemente, a “despejar” somas consideráveis de dinheiro em várias organizações desportivas sem que os efeitos dessa aplicação sejam devidamente considerados no quadro de uma visão estratégica para o desporto nacional e, ainda menos, sem que a utilização dessas verbas seja, devidamente controlada e avaliada na sua relação custo / benefício. Por exemplo, não se percebe como é possível que, por um lado, as verbas destinadas ao Desporto Escolar, uma estrutura pública a funcionar abaixo da linha de água, não estejam atempadamente garantidas ao ponto de ter havido crianças e jovens que acabaram por não participar nos últimos Campeonatos Escolares (Record, 2018-06-27) e, por outro lado, o mesmo Ministério possa financiar uma entidade privada com uma verba de 600 mil euros a fim de 233 atletas participarem nos Jogos do Mediterrâneo que decorreram de 22 de Junho a 1 de Julho de 2018 em Tarragona sem que os objectivos da Missão estivessem perfeitamente esclarecidos relativamente à sua integração no quadro do processo de desenvolvimento do desporto nacional.
Para além de um certo desejo turístico-emocional de carácter desportivo de alguns dirigentes, não se conhece qualquer análise que sustente a necessidade do desporto nacional participar nos Jogos do Mediterrâneo. Apesar disso, o Ministro da Educação e o Secretário de Estado da Juventude e Desporto não deixaram de estar presentes. Contudo, segundo o Observador.pt (2018-07-01) o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) não ficou satisfeito com a presença de só dois membros do Governo. Ele queria mais. E, do alto do seu pedestal, manifestou um olímpico “desconforto” pela “completa marginalização” dada aos atletas presentes em Tarragona, por parte de “membros da hierarquia do Estado”. Quer dizer que, sua excelência o presidente do COP, pelos vistos, não se sentiu confortado só com a presença de dois membros do Governo, uma vez que, certamente, esperava que se tivessem deslocado a Tarragona o Primeiro-ministro, o Presidente da Assembleia da República e, possivelmente, até o próprio Presidente da República!
Entretanto, independentemente do deslumbramento do presidente do COP relativamente ao lugar que ocupa, é bom que se diga que, embora a Missão portuguesa tenha ganho nos Jogos do Mediterrâneo 24 medalhas, o que é facto é que, se tratou de uma prova de segunda ou terceira categoria onde, apesar das parangonas relativas ao sucesso desportivo anunciadas acriticamente pela comunicação social, a referida Missão acabou por ficar classificada em 13º lugar que significa o primeiro lugar do grupo dos últimos, num total de 26 países.
Sem qualquer desmerecimento para com os atletas na medida em que todos eles foram seleccionados por mérito próprio e por quem de direito e, como o presidente do COP garantiu, aqueles que faltaram à chamada justificaram com “razões de natureza clínica”, a análise que fazemos da Missão portuguesa aos Jogos do Mediterrâneo não tem nada a ver com os atletas de per si, tem, tão só, a ver com a racionalidade das escolhas que, em matéria de políticas públicas no quadro global do processo de desenvolvimento do desporto nacional, foram realizadas.
Nesta perspectiva, a participação portuguesa que conquistou 24 lugares de pódio esteve longe de corresponder ao êxito proclamado pelo presidente do COP na medida em que, na classificação por países, Portugal ficou atrás de países como a Eslovénia, Chipre, Tunísia, Croácia, Marrocos, Sérvia e, até, da Turquia e da Grécia. Itália, que ficou em primeiro lugar, conquistou 156 medalhas; Espanha ficou em 2º lugar com 122 medalha; a Turquia em 3º lugar com 95 medalhas. A Grécia ficou em sexto lugar com 47 medalhas, quer dizer, praticamente, o dobro das medalhas portuguesas. A triste realidade da participação da Missão Olímpica portuguesa nos Jogos do Mediterrâneo (2018) é que, infelizmente, se bem repararmos no quadro das medalhas, os países que ficaram atrás de Portugal foram, por exemplo, a Albânia, San Marino, o Líbano ou o Montenegro que, mesmo assim, também conquistaram lugares de pódio. Daqui se pode aferir a reduzida importância dos Jogos do Mediterrâneo.
Para uma efectiva avaliação da Missão portuguesa acresce considerar que, segundo o presidente do COP, os Jogos do Mediterrâneo foram considerados “como uma espécie de ‘berço’ para atletas, modalidades, treinadores e mesmo para o desporto nacional” (Record, 2018-07-01). Assim sendo, salvo alguns resultados de mérito obtido por atletas jovens perfeitamente identificáveis, deve ser levado em conta que, pelo menos, 10 dos 24 pódios conseguidos foram-no através de atletas olímpicos ou por atletas consagrados como os da equipa equestre, do atletismo (Estafeta 4x100m masculina) e da selecção masculina de Ténis de Mesa. Ora, esta situação nada tem a ver com o berçário do presidente do COP.
Perante esta triste realidade e tendo em atenção que o Olimpismo, à escala mundial, está a ser transformado no novo ópio dos políticos só nos podemos regozijar pelo facto das mais altas figuras do Estado não se terem deslocado a Tarragona na medida em que não iam fazer grande figura. Mas, também não se compreende a presença em Tarragona tanto do Secretário de Estado do Desporto como do Ministro da Educação. O que é que lá foram fazer? De amas-secas já que se tratava de uma espécie de “berço competitivo”? A presença do presidente do Instituto do Desporto e Juventude com um ou dois técnicos a fim de avaliarem a maneira como os recursos públicos estavam a ser despendidos tinha sido mais do que suficiente e poupado o erário público.
Por isso, as palavras do presidente do COP quando “manifestou ‘desconforto’ pela ‘completa marginalização’ dada aos atletas que participaram nos Jogos do Mediterrâneo, em Tarragona, Espanha, por parte de ‘membros da hierarquia do Estado’” só podem ser entendidas no quadro de excesso de vaidade institucional e no quadro da confrangedora falta de cultura olímpica que está a tomar conta do desporto. Quanto à vanidade, “presunção e água benta cada qual toma a que quer” todavia, mesmo admitindo que estamos numa lógica em que “o olimpismo é o novo ópio dos políticos” trata-se de um ridículo paroquialismo institucional lamentar a ausência de altas figuras do Estado num evento desportivo de segunda ou terceira categoria onde a missão portuguesa ficou no grupo dos últimos, embora em primeiro lugar. Relativamente ao espírito olímpico recordamos o pensamento sempre actual de Pierre de Coubertin quando afirmava que se opunha a que os atletas que ganhassem notoriedade fossem colocados ao serviço de quaisquer ideologias, castas ou oligarquias. Em conformidade, cunhou a seguinte máxima: “Athletae proprium est se ipsum noscere, ducere et vincre”. Quer dizer, “é dever e essência do atleta conhecer-se, conduzir-se e superar-se”. Porque, o aprender a conhecer-se, o ser capaz de se conduzir e o pretender superar-se, liberta o atleta da exclusiva dimensão biológica e experimentalista do desporto e abre-o à busca da superação e transcendência nas quais a vaidade terrena pela eventual presença de dignitários políticos se desvanece perante os desígnios morais que se encontram no extraordinário campo de afirmação pessoal proporcionado pelo rendimento desportivo. Quer dizer, num sadio Espírito Olímpico, os atletas estavam em Tarragona por eles próprios e não em nome de qualquer individualidade ou estrutura burocrática ou, sequer, em representação dos altos dignitários da nação. É esta a independência que o Movimento Olímpico deve preservar. Porque, qualquer CON só cumpre a sua verdadeira missão quando, através do desporto, forma cidadãos conscientes das verdadeiras virtualidades pessoais e sociais da prática desportiva e não pequenos ídolos com pés de barro que, infelizmente, às vezes, vemos desmoronarem-se no mundo do desporto a partir do momento em que deixam de usufruir dos favores dos momentos de glória pelos quais passaram. Neste sentido, tenho para mim que a dignificação social do desporto não passa, certamente, por transformar os atletas numa espécie de saltimbancos de feiras, os treinadores em lanistas de circo e os Comités Olímpicos Nacionais em órgãos de logística dos eventos desportivos ao serviço de políticos ou de empresas em busca de visibilidade. A presença de figuras de Estado em Tarragona se pecou foi por excesso e não por defeito. Por isso, ao contrário do presidente do COP, não lamento a ausência das mais altas figuras de Estado em Tarragona, antes pelo contrário, considero que a sua ausência foi uma atitude bem sadia que nos evitou ter de ver uma triste repetição daquilo que se passou no Campeonato do Mundo de Futebol (2018).
Em Tarragona, a ausência que verdadeiramente se fez notar e ficou por explicar foi a de Rosa Mota. Porque, sendo ela, vice presidente do COP e a atleta olímpica de maior notoriedade nacional estranha-se que, numa lógica de Efeito de Ídolo, não tenha estado presente nos Jogos do Mediterrâneo. Mas estranha-se ainda mais que, desde há cerca de um ano a esta parte, Rosa Mota tenha deixado de ser uma presença constante tanto nos eventos do COP bem como nas imagens do portal da instituição. Ora bem, em Tarragona, Rosa Mota só podia acrescentar inteligência competitiva à Missão tanto mais que o evento se tratava de uma espécie de “berço da competição desportiva”. Por isso, sobre a estranha ausência de Rosa Mota o País fica à espera de uma explicação por parte do presidente do COP.
Infelizmente, à falha das grandes narrativas que já não conseguem mobilizar as massas, hoje, vemos muitos políticos, numa despudorada conquista de popularidade, a agarrarem-se ao fenómeno desportivo de onde resulta o Olimpismo como o último reduto da sua salvação. Lamento dizê-lo mas, com a conivência de muitos dirigentes desportivos, o Olimpismo, à semelhança daquilo que se passava nos jogos de circo da Roma antiga, está, à escala mundial, a ser transformado no novo ópio dos políticos."

Quem 'matou' a mudança? Suspeito n.º 2

"A luz era intensa e brilhante, mal conseguia ver, estava a encadear, fechei um olho, como me tinham ensinado na tropa, e franzi o outro. Estava no relvado do magnifico estádio do FC Galácticos, corria com a bola nos pés, tinha o guarda-redes, a baliza, a bancada repleta e as pessoas à minha frente, de pé, a gritar “Golo”. Sentia todos os músculos das pernas, como se a concentrar toda a minha energia para rematar, o coração batia cada vez mais rápido, forte, parecia sair do peito, tinha tudo para rematar e … uma voz forte interrompe. “Sr. Colombo, está tudo bem?” – perguntou Robert West, alto, forte, corpulento, cabelo grisalho, com óculos; tinha sido um grande jogador, depois treinador e agora era o Director Geral do Clube.
“Sim, está tudo bem; mas o que fazem as pessoas que treinam e dirigem este Clube, para se conseguir bons resultados: qual é o vosso lema?” – perguntou o Detective. “O nosso lema é recrutar para ganhar” – respondeu o Sr. West e continuou “canalizamos a maior parte do orçamento para contratar jogadores, contratando os melhores das equipas adversárias que nos criaram problemas, os génios; desvalorizamos os jogadores que o Clube forma; fechamos os olhos aos desvios das estrelas e somos exigentes com os outros jogadores, como que fortes com os fracos e fracos com os fortes; passamos os treinadores para segundo plano, que se focam em usar esses génios.”
“Estão satisfeitos com os resultados desta abordagem?” – verificou o Detective Colombo. “Não, de modo nenhum e ao contrário do que esperávamos, recrutar para ganhar não nos tem levado a nenhuma conquista, bem pelo contrário” – devolveu o Sr. West.
“Qual é o motivo por trás desta ideia?” – inquiriu o Detective Colombo. “Acreditamos que se conseguirmos juntar os melhores jogadores, os génios, os talentos, então estamos mais próximos de ganhar” – complementou o Sr. West.
“Quais têm sido os comportamentos resultante dessa crença?” – perguntou o Detective. O Sr. West olhou para cima, como que a organizar as suas ideias e respondeu - “O que é que acontece no ano seguinte, quando jogamos com as equipas a quem fomos contratar esses génios, é: algumas dessas equipas desaparecem, deixam de ser competitivas – é como se tivéssemos queimado aquele clube – pois não nos estimulam a melhorar; e noutras equipas, isso leva-as a surgirem com novos talentos, que nos criam ainda mais problemas, que nos anos anteriores. Internamente, ao estarmos tão concentrados nos resultados, usamos os jogadores para ganharmos e muitas vezes não só não ganhamos, como os jogadores que tínhamos contratado regridem, enquanto os jogadores da casa sentem-se desvalorizados e dependentes das estrelas; criamos divisões entre os jogadores; os sócios ficam muito iludidos a curto-prazo, nas pré-temporadas, e terminamos as épocas como que com uma granada nas mãos, pronta a explodir, com as críticas dos sócios; comprometendo quer os resultados imediatos quer os futuros. Quer a relação, quer a imagem – interna e externa, quer a vontade das pessoas continuarem no Clube, quer ainda os resultados competitivos têm sido desastrosos” – referiu o Sr. West.
“Quais são os KPI’s do Clube?” – tentou saber o Detective Colombo. “Os nossos indicadores de performance – KPI´s – são os resultados colectivos e individuais. Premiamos a conquista de campeonatos, taças, golos marcados e isso mesmo está nos contratos por objectivos, que é uma prática do Clube” – respondeu Robert West.
“Esse tipo de contratos está a produzir os resultados que desejavam?” – interpelou o Detective Colombo. “Não, efectivamente tem-se verificado um efeito oposto. As pessoas não olham aos meios para atingirem os seus objectivos pessoais, algumas pessoas pisam os outros, é o vale tudo; há competição interna dentro das equipas; as pessoas concentram-se nos seus objectivos individuais e deixam os colectivos e do Clube para segundo plano; as pessoas concentram-se nos resultados e perdem o contacto com o que era necessário fazer para conseguir esses resultados. Qualquer atalho dá menos trabalho, mas também leva a deixar de prestar atenção aos detalhes, essenciais para as grandes conquistas” – disse o Sr. West.
“Sr. West, por curiosidade, se tivesse que escolher uma figura geométrica para representar as relações entre as pessoas do Clube que jogam, treinam, dirigem, apoiam, (…), que figura é que escolheria?” – perguntou o Detetive Colombo. “Um triângulo, …, ou melhor uma pirâmide, com os colaboradores e Atletas na base, a seguir os Treinadores, depois os Dirigentes e por último, no topo da pirâmide, o Presidente e toda a interacção dentro do Clube segue esta sequência” – respondeu o Sr. Director Geral. 
“O organograma em forma de pirâmide tem ajudado o Clube a chegar ao seu destino?” – perguntou com curiosidade o Detective Colombo e tentando compreender a situação perguntou ainda: “Por que é que a interacção no Clube está organizada num organograma em forma de pirâmide?”. “As pessoas precisam de ordem, organização e de saber quem manda em quem” – devolveu o Sr. West. “Pode parecer um absurdo Sr. Colombo, mas os resultados desta forma de organização não são os melhores” e como que adivinhando aproxima pergunta, o Sr. West continuou: ”esta situação provocou lutas de poder, dependências para agir, insatisfações com treinadores e dirigentes, uma enorme centralização, não respondermos em tempo útil às múltiplas solicitações diárias, sobrecarga sobre o Presidente e no final só conseguimos insatisfação”.
O Detective Colombo respirou profundamente, parecia estar a pensar na próxima pergunta. O Director Geral do Clube, o Sr. West, aproveitou para sintetizar algumas ideias chave - “Detective Colombo, pelo que estou a perceber os resultados insatisfatórios do Clube também estão ligados a algumas convicções, como: a crença de recrutar para ganhar, no talento, nos génios; o princípio de valorizar os resultados, a performance; a crença na hierarquia. Ou seja, resumidamente, a nossa cultura influencia os resultados e as experiências de todos.”
“Muito bem Sr. West, descobriu o meu segundo suspeito de ter “matado” a mudança no Clube, a Cultura do Clube, e deixe-me agradecer-lhe a sua abertura, interesse genuíno e frontalidade” e acrescentou “a cultura dos Clubes influencia não só quem cada um pode ser, mas também em quem cada um se pode tornar” e que “uma vez criada – a cultura – é muito difícil mudá-la.” – disse o Detective Colombo.
Nisto o telefone toca, era o Sr. Mark Angie, presidente do Clube. “Sim” – atende o Sr. Colombo e de imediato o Sr. Angie disse: “Sr. Colombo já sabe qual é o outro suspeito de ter “matado” a mudança?”. “Sim, já …” – responde o Detective Colombo. “Então, diga lá senhor Detective” – retorquiu o Presidente. “Sr. Presidente tive uma conversa muito produtiva com o Director Geral e ele está em condições de partilhar consigo as conclusões a que chegamos” – devolveu o Detective Colombo. “OK, irei falar com ele. Obrigado” – respondeu o Presidente.
“Sr. West, agradeço-lhe uma vez mais toda a ajuda, estou certo que regressarei para voltarmos a falar, até porque nas entrelinhas disse algo que necessito de investigar e para além disso gostava imenso que me pudesse contar como ganharam aquele Campeonato Mundial em 1984” – mencionou o Detective Colombo. “Com certeza Detective Colombo, terei todo o gosto. Foi uma experiência fabulosa” – respondeu o Sr. West.
“Olá Sra. Burlington” – saudou o Director Geral – “venho falar com o Presidente Angie”. “Por favor acompanhe-me, o Presidente aguarda-o e pediu-me que entrasse assim que chegasse” - referiu a Sra. Judy Burlington.
A Sra. Burlington, secretária do Presidente do Clube, era uma pessoa extremamente preocupada e cuidadosa. Trabalhava no Clube há mais de 30 anos, trabalhou com vários Presidentes, tinha um amor enorme pelo Clube e fundamentalmente pelo que o Clube já tinha representado. Estava curiosa com o que o Director Geral estaria a falar com o Presidente Angie, mas como o Presidente Angie não lhe pediu para ficar, estava na sua secretária ansiosa por saber as novidades. Olhava para o relógio, mas o tempo parecia não passar. Foi tratando de todos os assuntos pendentes, a seguir regou as plantas, depois deu de comer aos peixes do aquário, que estava antes da porta do gabinete do Presidente, e … abre-se a porta e o Presidente pediu-lhe “Sra. Burlington, pode chamar a Directora de Recursos Humanos” – disse o Presidente, depois de abrir a porta do seu Gabinete.
Enquanto a Directora de Recursos Humanos não chegava, o Presidente tinha na cabeça duas frases que estavam a deixar o Presidente intrigado. Aquelas duas frases que o Detective tinha partilhado do Director Geral e que este lhe tinha contado: que a cultura dos Clubes influencia não só quem cada um pode ser, mas também em quem cada um se pode tornar e que uma vez criada – a cultura – é muito difícil mudá-la. Estas frases repetiam-se na sua cabeça, dizendo - como os sinais vermelhos dos semáforos nos dizem – PÁRA, é muito perigoso continuar. A situação afinal era mais grave do que poderia pensar-se. A cultura pode comprometer o que as pessoas podem ser e em quem se podem vir a transformar, os resultados no presente e no futuro e que uma vez estabelecida é muito difícil mudá-la, pelo que quanto mais cedo se procederem a correcções, melhor. Queria um futuro diferente, melhor. Era tempo de mudar.
Depois da Sra. Burlington ter tratado do assunto e da Sra. Susan Will entrar no gabinete do Presidente. “Susan chamei-a porque gostava de explorar um conjunto de situações consigo” – referiu o Presidente Angie.
O Presidente Angie partilhou com a Susan Will tudo o que o Diretor Geral lhe tinha contado da conversa com o Detective Colombo. Por fim, perguntou – “Susan quais são as alternativas para estas situações?”
A Sra. Susan sentiu-se importante e útil pois finalmente estava a começar a disponibilizar recursos na sua área para melhorar o funcionamento do Clube e prosseguiu.
“Presidente Angie relativamente à cultura de génios e ao lema recrutar para ganhar que resultava de se acreditar que os talentos não se desenvolvem, havia a alternativa da cultura de desenvolvimento e o lema formar para ganhar, baseada na convicção de que todos podemos aprender, desenvolver capacidades e competências. Nesta lógica, os Treinadores estão para os Dirigentes como os Jogadores estão para os Treinadores. Ou seja, do mesmo modo que os Treinadores necessitam de bons jogadores, para obterem bons resultados, também os Dirigentes necessitam de bons Treinadores para concretizarem o que desejam. Por isso, em vez de se concentrar em contratar bons jogadores, o Clube passaria a concentrar-se em contratar bons Treinadores neste caso, Treinadores que conseguissem formar jogadores. O perfil do treinador passaria de usar jogadores para desenvolver jogadores. Os jogadores da casa passariam a ter a esperança de representar a primeira equipa. Os adeptos passariam a identificar-se com o plantel e o Clube começaria a ganhar sempre, pelo menos ganhar o futuro todos as épocas, e a arriscar-se a poder a qualquer momento ganhar o presente. A ideia de nunca mais vivermos uma época sem ganhar nada - nem o futuro, nem o presente - pois o futuro o Clube iria sempre, pelo menos, ganhar o futuro, parecia agradar ao Presidente, dada a sua atenção e as suas expressões.”
“Ao foco nos indicadores de performance (KPI’s) e, portanto, nos resultados, podíamos concentrarmo-nos também no processo necessário para conseguirmos esses resultados.” – continuou Susan Will. “Sim Susan, isso faz-me lembrar a travessia do rio Mississipi a remo que assisti recentemente. O nosso atleta Frank Carter tinha um indicador de performance baseado no resultado, ganhar a prova. Contudo, para a vencer, o Frank necessitou de treinar, depois iniciar a prova, durante a prova teve que se esforçar, com isso aproximar-se do objectivo e finalmente e concretizar o resultado. Ou seja, podemos distinguir dois tipos de “P’s” – performance e processo. Ao nível da performance podemos considerar quer a performance propriamente dita – resultado – quer os progressos e acrescentar indicadores de processo nomeadamente a preparação, a partida e a persistência” – partilhou o Presidente Angie. “Ou seja, o Presidente acabou de descobrir um novo conceito de KPI’s – o conceito de KP5I’s” – continuou Susan Will. “KP5I’s?” – perguntou o Presidente. “Sim, para os atletas e as equipas serem bem-sucedidas elas e eles necessitam de Preparação, Participação, Persistência, Progresso e Performance, portanto de KP5I’s” – partilhava a Susan Will.
“Relativamente há estrutura hierárquica, podemos ter a possibilidade de promover uma estrutura com relações baseadas na meritocracia (no mérito) e no apoio do Presidente.” – estava a Sra Will a falar. 
Nesse momento, o Presidente começou a pensar e a comparar duas imagens: “uma a de uma pirâmide do Egipto – representando a sua estrutura hierárquica - e a outra de um pião a girar, como aquele que tinha e com que passava horas a brincar, com aquela ponta em ferro e o corpo em madeira, aquela corda a enrolar e depois o lançar do pião e observá-lo a rodar, rodar e rodar. O Presidente começou a pensar como seria ter uma estrutura no Clube em forma de pião, com ele, o Presidente na base, sendo ele aquela parte de ferro que serve de apoio a todo o Clube e os colaboradores, jogadores, treinadores, dirigentes, sócios e simpatizantes a serem a energia. Como é que se iriam sentir os colaboradores, jogadores, treinadores, dirigentes, (…), se a imagem do pião estivesse na base da estrutura das relações entre as pessoas que trabalham no Clube?”
O passado recente não era positivo. Porém, o futuro estava a tornar-se cada vez mais claro para o Presidente. O Clube podia começar a mudar criando uma visão partilhada e mobilizadora (suspeito número 1) e desenvolvendo uma cultura que promovesse o sucesso para todos de uma forma consistente, ao longo do tempo (suspeito número 2).
“Vou telefonar ao Robert” - pensou o Presidente. Ligou. “Robert, temos muito que conversar, onde estás?” – perguntou o Presidente Angie. “Estou no meu Gabinete, queres que vá ter contigo?” – perguntou o Director Geral West. “Não, eu vou ao teu encontro, aproveito e faço um pouco de exercício e saúdo vários colaboradores” – disse o Presidente.
“Robert estive a falar com a Susan Will. Todos suspeitamos que a cultura do Clube esteja a “matar” a mudança e, com isso, a comprometer os resultados desportivos e financeiros, a satisfação de colaboradores, jogadores, treinadores, sócios e simpatizantes, a vontade das pessoas que colaboram, jogam, treinam, dirigem e apoiam continuarem no Clube, a imagem que temos do nosso Clube e a imagem que os outros têm do nosso Clube” – disse o Presidente. “Concordo contigo Mark, podemos transformar a cultura de génios e o lema recrutar para ganhar; temos a possibilidade de desenvolver relações baseadas na meritocracia e na pirâmide invertida ou no pião" – referiu o Director Geral. 
“Como podemos colocar na prática estas ideias?” – perguntou o Presidente. “Podemos começar por valorizar os recursos existentes antes de contratar, incorporar o conceito de KP5I’s nos contratos, podemos também contratar Treinadores que estejam habituados a desenvolver jogadores em vez de usá-los, a fazê-lo por várias épocas, podemos …” – estava a responder o Robert, quando é interrompido pelo Presidente - “sim, Robert concordo com tudo isso. Vamos marcar uma reunião com toda a Direcção, partilhar toda esta informação e encontrar em conjunto formas concretas de aplicar estas ideias?”. “Sim, Mark, estou de acordo” – respondeu Robert.
“Mark, antes disso tenho uma pulga atrás da orelha” – disse o Robert. “O que se passa?” – perguntou o Mark. “O Detective Colombo tinha-nos indicado a visão ou a falta de uma visão partilhada e mobilizadora como o suspeito número um e agora a cultura do Clube como o suspeito número dois de estarem a “matar” a mudança no Clube” – disse o Director Geral. “Sim Robert, mas qual é essa pulga que te está a incomodar?” – perguntou o Presidente. “No final da conversa com o Detective Colombo, nas entrelinhas, ele disse que poderiam haver mais suspeitos de terem “matado” a mudança no Clube” – referiu o Robert.
“Robert, estou certo que o Detective Colombo continuará o seu trabalho, entretanto já temos dois pontos de partida para melhorarmos no Clube” – referiu o Presidente. “Sim, vamos abordar as tarefas em mãos e esperar por mais resultados do Detective Colombo” – disse o Director Geral.
Ao chegar a casa, ao final da tarde, Mark Angie convidou Linda, a sua esposa, a tomar um café na Praia. Numa das esplanadas, sobre a praia o Mark Angie via a mesa, as chávenas de café, o mar calmo, a luz do sol a reflectir na água e na linha do horizonte o pôr do sol. “Que sossego, depois de um dia repleto de actividade” – pensou Mark.
O Mark partilhou com a esposa, o que ele e o Robert West tinham descoberto com o Detective Colombo e com as conversas com a Susan. Linda ficou espantada, pois à medida que ouvia Mark, encontrava semelhanças com o que estava a acontecer na sua Escola.
“Afinal o Detective Colombo não deve ter descoberto só os suspeitos por terem “matado” a mudança no FC Galácticos” – disse Linda – “acho que esses também são suspeitos de terem “matado” a mudança na minha Escola” – continuou, “e provavelmente em muitas das organizações” – rematou Mark.
O sol estava quase a desaparecer e com ele a anoitecer e Mark disse – “Linda repara no sol, do mesmo modo que o sol se está a pôr, que irá anoitecer e amanhã haverá nova “aurora”, também no Clube a cultura vigente está a desvanecer, uma nova cultura será construída e, num futuro muito próximo, no Clube irá renascer uma nova cultura e com isso ficará mais próximo do futuro que se deseja”.
Regressando a casa e enquanto conduzia, Mark sentia-se esperançado e curioso. Esperançado por melhorar a cultura do Clube e curioso por descobrir qual seria o próximo suspeito que Detective Colombo acabou por deixar nas entrelinhas.”"