Últimas indefectivações

terça-feira, 10 de julho de 2018

Cinco escudos azuis muito vermelhos

"Em tempo de Mundial, recordemos a extraordinária participação portuguesa no Torneio de Independência do Brasil, perdido no último minuto da final do Maracanã para os canarinhos por 0-1. Eusébio parecia regressado a 1966, e a influência do Benfica na selecção nacional comandada por José Augusto era avassaladora.

O alegre Verão da Minicopa, torneio comemorativo dos 150 anos de Independência do Brasil, foi um momento muito especial para a selecção nacional e, agora, que vivemos em pleno Campeonato do Mundo da Rússia, vem a propósito recordá-lo porque também foi a fase de presença mais maciça de jogadores do Benfica na equipa que exibe no peito as cinco quinas azuis representando os cinco reis mouros vencidos por D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique.
Explico primeiro como a competição foi organizada.
Vejamos: 20 selecções nacionais e continentais disputaram a taça extraordinária de beleza e ostentação, em 12 estádios. Basicamente, um Mundial. Ao qual faltava os nomes ilustres da Itália, da Alemanha e da Inglaterra, pelo que houve quem acusasse a CBF de 'fabricar' um torneio à medida da vitória brasileira. Quinze equipas - Argentina, Selecção de África, França, Selecção da América Central, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Irlanda, Venezuela, Chile, Irão, Jugoslávia e Portugal - seriam distribuídas por três grupos; outras cinco - Brasil, Uruguai, URSS, Checoslováquia e Escócia - ficariam isentas da primeira fase. Em seguida, formavam-se dois grupos de quatro equipas que decidiam o acesso à final em sistema de poule. Portugal começou por ficar no Grupo II, juntamente com Euquador, Irlanda, Irão e Chile.
Isto não é um filme de suspense, por isso digo já que um Portugal de enorme categoria, comandado pelo capitão Eusébio, a bater à porta dos seus 30 anos, atingiu a final do Maracanã perdendo para o Brasil campeão do mundo no último minuto graças a um golo de Jairzinho (0-1).
Até lá foi brilhante: na primeira fase, 3-0 ao Equador, 3-0 ao Irão, 4-1 ao Chile e 2-1 à Irlanda; na segunda, 3-1 à Argentina, 1-1 com o Uruguai e 1-0 à União Soviética.


Fazendo miséria!
O seleccionador responsável pela presença esplendorosa de Portugal nessa Minicopa foi José Augusto, o bicampeão europeu pelo Benfica. E para verem a força do Benfica nessa convocatória, acrescento que Jaime Graça e Eusébio eram os únicos sobreviventes da saga dos Magriços (Simões, lesionado, ficara em Lisboa), e a juventude de Jordão (19 anos), Nené (22), Humberto Coelho (22), Damas (24) e Toni (25) parecia garantir uma selecção para os anos que se seguiam. Viajaram, portanto: guarda-redes - José Henrique (Benfica), Damas (Sporting) e Mourinho (Belenenses); defesas - Artur (Benfica), Humberto Coelho (Benfica), Laranjeira (Sporting), Messias (Benfica), Adolfo (Benfica) e Murça (Belenenses); médios - Jaime Graça (Benfica), Peres (Sporting), Toni (Benfica e Matine (V. Setúbal); avançados - Nené (Benfica), Chico (Sporting), Artur Jorge (Benfica), Abel (FC Porto), Eusébio (Benfica), Dinis (Sporting) e Jordão (Benfica).

Onze jogadores encarnados! Mas, mais espantoso, quase sempre titulares, embora Nené, Jordão e Artur Jorge tenham sido também utilizados como suplentes.
Pode dizer-se sem rebuço que Eusébio fez, no Brasil, a sua grande despedida da selecção nacional, embora, claro, continuasse a ser indispensável. Mas as exibições que realizou faziam os jornalistas brasileiros recordar o que se passara cinco anos antes nos estádios de Inglaterra aquando do Mundial.
Futebol bonito, técnico, expressivo. O jogo criativo de Jaime Graça, Peres, Eusébio, Jordão e Dnis era avassalador; as arrancadas de Artur e Adolfo, devastadoras; as fintas surgiam em avalancha, as situações de perigo junto às balizas contrárias eram permanentes, não foi por acaso que só na final contra o Brasil, Portugal ficou em branco.
No jornal O Globo, o famoso jornalistas brasileiro João Saldanha, que chegara a ser seleccionador nacional antes de Zagallo, escrevia: 'Há muito tempo que não vejo um time jogar tão bem. Nenhumas falhas. Se caprichassem um pouquinho, era cinco os seis em qualquer um. Toni tem uma raça impressionante; Eusébio é a calma personificada; os laterais, perfeitos; Peres dá aula; Jordão faz miséria'.
Por seu lado, após da formidável vitória sobre a Argentina no Maracanã, Nelson Rodrigues, o grande mestre da crónica brasileira, não perdeu a hipótese de escrever sobre o encontro do mesmissísmo O Globo: 'Na partida de anteontem havia um favorito, que era a Argentina. Assim, o impacto da vitória portuguesa foi muito mais firme e mais forte do que seria em condições normais. Mas, se pensarmos bem, verificaremos que não havia razão para surpresa. Portugal mostrou que as suas condições técnicas são muito melhores do que as da Argentina. Eu diria que Portugal vive o grande momento da sua história futebolística. O time luso jogava com tanta folga e com uma facilidade tão humilhante, que os seus jogadores, em dado momento, deram um olé no meio. O admirável no futebol luso é a influência brasileira. Não há dúvida nem sofisma. As nossas características, Otto Glória as levou para Portugal. Já em 66 os lusos deram uma alta demonstração de desenvolvimento. Só não fez mais contra a Inglaterra porque o seu time entrou em pane psicológica. Mas se houver um novo confronto, em campo neutro e com uma arbitragem neutra, sou muito mais Portugal. Anteontem foi impressionante. Enquanto o adversário chorava a sua impotência e frustração, os portugueses construíam a sua bela vitória. Muita gente lamentava que o Brasil não tinha adversário nessa copa. É falso, mil vezes falso. Aí está, por exemplo, o quadro português. Grande escrete, que melhora de 15 em 15 minutos'.
Decorriam os meses de Junho e Julho de 1972. A equipa lusitana permaneceu por mais de um mês em terras brasileiras.
Em Portugal, o povo não perdia a oportunidade da pilhéria e chamavam à selecção portuguesa... Sport Lisboa e Peres.
Esse Verão ficaria para a história do futebol português como um quadro maravilhoso pendurado na parede de corredor da memória."

Afonso de Melo, in O Benfica

Sem comentários:

Enviar um comentário

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!