"Durante muitos anos o Benfica teve um problema: excesso de mística. Não me entendam mal, não sou contra o conceito de 'mística'. Bem pelo contrário, o Benfica é também uma ideia que assenta, em importante medida, numa comunhão com uma realidade espiritual, 'ser benfiquista'. Há neste movimento, é claro, muito de misticismo. Uma verdade que só alcançamos através da história daqueles que vestiram e honraram as camisolas vermelhas.
A questão é outra: a mística sugere uma certa passividade, algo que surge num momento de dificuldade, que nos ultrapassa e que compensa os nossos falhanços na vida real. Enquanto apostamos na mística, num qualquer recurso redentor, passa para segundo plano tudo aquilo que nos pode guiar à vitória. E o Benfica andou demasiados anos a depender da mística, de um conjunto de ideias salvíficas, que surgiriam para contrariar todos os sinais que iam sendo dados em campo, mas também na organização do futebol.
Não digo que não seja fundamental transformar o Benfica numa comunidade de pertença, baseada na história popular e corajosa dos nossos fundadores e na glória dos que fizeram do SLB um clube grandioso. Aliás, quando fizermos o balanço da actual direcção, a forma como soube recuperar as velhas glórias e dar-lhes o papel central que merecem no presente do Benfica será certamente um dos seus legados mais relevantes.
Estamos perante mais um daqueles casos em que a asserção de George Orwell é verdadeira: 'Quem controla o presente, controla o passado, controla o futuro'. No caso não se trata de nenhuma distopia, mas sim da construção de um futuro que só será feito de vitórias se estiver ligado intimamente ao nosso passado: ao Cosme Damião, ao Rogério Pipi, ao Zé Águas, ao Mário Coluna, ao Eusébio, ao Simões, ao Toni, ao Humberto, ao Shéu Han, ao Nené, ao Bento, ao Chalana, ao Diamantino, ao Vítor Paneira, ao Rui Costa.
Mas as ideias místicas não são a matéria de que são feitas as vitórias. Um presente e um futuro ganhadores constroem-se com opções estratégicas claras, com rumo, com trabalho e uma fidelidade ao clube que vai bem para além daqueles que transitoriamente representam as nossas cores.
Precisamos de menos mística, porque precisamos de mais talento, profissionalismo e suor em campo, de mais capacidade estratégica de quem dirige, de estabilidade nas escolhas que vão sendo feitas e de fervor dos adeptos. Enquanto dependíamos do manto protector da mística perdíamos; o bicampeonato que ainda celebramos e que abre portas para o 'tri' não foi conquistado com mística. Ela, é verdade, esteve presente e fez diferença. Mas o que nos colocou na senda vitoriosa que hoje nos acompanha de novo foi o suor do Maxi, o talento do Gaitán, a liderança do Luisão, a estabilidade das escolhas estratégicas da direcção e, claro, o colinho dos adeptos.
Tudo realidades bem materiais e que de pensamento mágico nada têm."
Pedro Adão e Silva, Mística