"César Menotti, esse grande gerador de ideias sobre futebol, entende que há duas formas de ser médio-centro. Diz El Flaco, que viveu sempre à frente do tempo e permanece, aos 77 anos, fonte de inspiração para muitos adeptos, que a tarefa pode executar-se utilizando um cão de guarda ou um cão assassino. O primeiro ataca mal se sente acossado, afugenta os assaltantes e regressa ao posto de trabalho; o outro, desvairado pela agressividade, é capaz de percorrer quilómetros atrás dos invasores, cego ao ponto de fazê-lo apenas para lhes ferrar os dentes - convém recordar que, enquanto vai e não volta, a porta fica aberta, vulnerável às perversas intenções dos potenciais inimigos. Mesmo sem haver um modo ideal para ocupar o espaço - depende da equipa, do seu modelo, das características dos futebolistas e da articulação pretendida entre quem habita a ampla zona onde tudo se concebe e desenvolve-, há estilos que o futebol moderno rejeita liminarmente: o velho trinco chegou ao fim.
Fejsa é precioso pela visão de 360 graus que identifica os grandes centro-campistas; pela inteligência que lhe permite antecipar acontecimentos e chegar centésimos de segundo antes de ocorrerem; por ser indomável na utilização do corpo nos despiques individuais e no talento para tomar sempre as melhores decisões face ao momento do jogo e ao posicionamento da equipa - é impressionante como raramente se engana quando tem de defender o espaço, atacar a bola ou simplesmente barrar o caminho ao adversário. É uma arte como outra qualquer: está sempre onde deve e age como chefe da segurança e principal responsável pela porta de acesso ao cofre-forte da equipa. Fejsa não alterou o estilo mas aproveitou o tempo e as necessidades tácticas do novo Benfica para, aos 27 anos, expressar-se como nunca. Sem as sucessivas e prolongadas lesões que o têm afetado, mais as dificuldades provocadas pela excelência atingida por Samaris, podia ser uma referência europeia na função.
É menos participativo do que o grego nos processos de aproximação a zonas mais adiantadas e abdica da relevância de William na circulação e distribuição; não tem os dotes de lançador de Xabi Alonso nem a presença e o ímpeto de Danilo na procura da bola; falta-lhe a classe de Matic e o golo de Javi. Mas numa equipa de propensão expansionista que, para ganhar consistência, teve de inserir um todo-o-terreno como Renato Sanches e entregar a Pizzi missão estratégica a partir da direita para o meio, é natural que Rui Vitória se sinta mais confortável com Fejsa. O sérvio depurou a intervenção no jogo e aprimorou cada tomada de decisão interpretando com precisão cada vez maior o papel de avançado dos defesas e libero dos atacantes. Sendo um jogador com poucas (ou nenhumas) aspirações artísticas, é muito mais do que um simples empregado de limpeza; sem magia avulsa para criar desequilíbrios à frente, a noção de unidade e consistência torna-o fundamental. Nos últimos jogos tem sido ele a carregar o Benfica às costas.
Fejsa é a rede salvadora do trapézio que permite aos acrobatas deliciarem plateias com as suas invenções inverosímeis: é o amparo das genialidades de Jonas, das travessuras de Gaitán, da frieza goleadora de Mitroglou, da paixão de Renato Sanches, das invenções de Pizzi, das aventuras de André Almeida e Eliseu... O futebol seria um jogo mais pobre, um espectáculo menos interessante, um negócio mais modesto e um fenómeno inexistente como expressão de arte só com intérpretes tão limitados. Jorge Valdano resume o dilema recordando que o cimento sustenta o mosaico bizantino mas que uma coisa é o cimento e outra o mosaico. Mas fica assim esclarecido que para proporcionar condições à exaltação dos génios que nos enchem a alma, por mais voltas que dermos, o futebol não pode prescindir dos Fejsas desta vida."