"É o melhor lateral-direito encarnado e um símbolo da águia. O Benfica vai ter de lutar por ele até ao limite das possibilidades. O grande futebol e os grandes clubes também se fazem de jogadores assim.
1. Sendo uma questão de honra em cada batalha de hora e meia, o futebol é fonte de emoções que a sociedade não pode desprezar - tudo quanto compromete a felicidade do ser humano assume transcendência nem sempre explicável pela razão. Será assim tão estranho, nestes tempos miseráveis de crise, corrupção, desemprego e insensibilidade de quem nos governa como se fôssemos animais que as pessoas se agarrem a uma paixão lúdica e se revejam em personagens comprometidas com o emblema, a bandeira e a história que suporta a paixão comum? Diz Jorge Valdano que o jogo do pontapé na bola mostra o homem autêntico num Mundo que é, cada vez mais, a total consagração da mentira. Talvez por isso, as plateias revelem debilidades na apreciação a quem compensa com suor o que lhe falta em talento.
2. Maxi Pereira é um caso nos nossos dias, porque aglutina paixões e é exemplo para gerações vindouras, correspondendo ao sentir de adeptos fiéis pelas memórias de infância, pela eterna busca de identidade, pela alegria, pelo orgulho, pelo desejo de vingança... Sendo uruguaio, encarnou os alicerces da cultura benfiquista - sabe que está associada a um modo de ser e que a ela correspondem uma sensibilidade, um estilo, ma estética e um compromisso com as raízes. Na gloriosa história da águia não entram só génios de todas as gerações, como Rogério Pipi, Eusébio, Chalana, João Vieira Pinto e Aimar, dela também rezam os porta-estandartes desse valor abstracto que é a mística, cuja origem é atribuída a Francisco Albino, mas de que Ângelo Martins, Veloso, Petit e, fatalmente, Maxi Pereira são exemplos perpétuos.
3. Maxi não é um jogador perfeito mas é um jogador à Benfica, elogio que resiste à tendência de quem prefere enaltecer os seus principais defeitos: comete erros por exageros desfasados da realidade, tanto mais graves quanto está longe da melhor condição física; estabelece eléctrica e permanente comunicação com as bancadas, indiferente aos perigos demagógicos dessa entrega incondicional ao jogo; nem sempre parece entender que as sucessivas descargas energéticas estão proibidas de superar a inteligência, sob risco de a exaltação provocada criar problemas onde devia levar a solução. Ao cabo de quase uma década na Luz, importa reconhecer, porém, que a prestação de Maxi, não sendo imaculada, tem sido suficientemente boa para colocá-lo no lote restrito dos mais marcantes defesas benfiquistas de sempre.
4. É o melhor lateral-direito encarnado, está a fazer uma grande época e, ao contrário do que chegou a suceder a espaços, não tem hoje alternativa credível. Mas os princípios ideológicos que aconselham a renovação do contrato que está no fim excedem a parte desportiva. Confrontado com a necessidade de salvaguardar todos os interesses na ligação futura com um jogador de 30 anos, o Benfica está perante melindroso assunto de Estado, envolvendo fundamentos emocionais, filosóficos e de bem-estar da comunidade. E é essa vertente que condiciona a decisão institucional sobre um símbolo dos nossos tempos, tendo em conta o peso relativo na águia; o espírito que dá personalidade à equipa; a atitude que remete para um passado grandioso; o exemplo que ressuscita o conceito de amor à camisola. O Benfica vai ter de lutar por Maxi até ao limite das possibilidades. O grande futebol e os grandes clubes também se fazem de jogadores assim.
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