"No País de Pinto da Costa (não, não é o campeão dos arguidos!), só há um FC Porto. De resto, uma colecção de futebol sonoro com nomes que valem por si só que se vá ver jogos a campos lavrados recortados no meio das bananeiras.
SÃO TOMÉ - Debaixo da minha janela o galo cocorica esganiçado e logo outro lhe responde no mesmo tom; um terceiro repete ao longe a gritaria. É tanta a resistência das suas gargantas que a desgarrada pode durar horas, acordando os cães que uivam por sua vez à chuva que cai grossa sobre as bananeiras, as mangueiras, os frangipanis e as árvores de fruta-pão. Talvez seja por isso que, mais a sul, deram a uma província o nome de Cantagalo. São quatro de manhã e duas mulheres discutem no beco, altercando vozes agudas; uma motoreta passa na rua abusando do escape; o vento faz bater as sanefas de madeira e não se torna fácil dormir nos arrabaldes da cidade de São Tomé.
Logo talvez vá até ao estádio Nacional 12 de Julho, no bairro elegante, um pouco para lá do edifício das Nações Unidas, o único da ilha, ver jogar o Bom-Bom contra o Caixão Grande. Este pode ser o país de Pinto da Costa (Manuel Pinto da Costa, o presidente da República Democrática de São Tomé e Príncipe, não o campeão nacional dos arguidos do Futebol português, como está bem de ver), mas nem por isso há FC Portos, como noutras antigas colónias portuguesas. Há um no Príncipe, em Porto Real, chamado por isso mesmo FC Porto Real, que já foi campeão da ilha em 1985 e 1999.
Vale a pena assistir a um jogo de Futebol em São Tomé. Fora do estádio 12 de Julho, os campos são de terra lavrada, alguns com tufos de erva aqui e ali, recortados por entre canaviais e palmeiras. As linhas mal se percebem, o público junta-se sobre as laterais, a bola salta indiscriminadamente como se fizesse de propósito para prejudicar ainda mais os esforços jogadores, as balizas são feitas de madeira e têm redes cosidas como as dos barcos de pesca.
Há dois ou três dias, vi o treinador do Vitória do Riboque, um dos clubes mais históricos da ilha, queixar-se de que não consegue arranjar guarda-redes. Nenhum dos três aparecia para treinar ou jogar há que tempos. Um porque estava farto, outro porque se dedicava mais à noite e à cerveja e ao vinho de palma, e o restante nem cavaco dava. O pobre técnico encolhia os ombros resignado: «Não querem vir, não vêm. Não posso obrigá-los. Joga outro qualquer à baliza». E assim justificava os quatro golos recentemente sofridos perante o Desporto de Guadalupe.
Mereceu a minha consideração.
No Príncipe houve um Benfica campeão
O campeão do São Tomé e Príncipe define-se numa final de coloca frente a frente o campeão de cada ilha. O futebol pode ser o primário e incipiente, mas a ilha de São Tomé tem três divisões: Primeira, Segunda e Divisão de Honra, o que significa muita gente a mexer aos domingos num espaço de pouco mais de 800 quilómetros quadrados.
Os nomes dos clubes são sonoros. Ora vejam (ou melhor, ora ouçam): União Desportiva Sardinha e Caça de Água Izé; Inter Futebol Clube do Bom-Bom; Bairros Unidos Futebol Clube Caixão Grande; Os Dinâmicos de Folha Fede (que este ano é o grande candidato); Desportivo Oque d'El Rei; Ribeira Peixe; União Desportiva Aeroporto Picão e Belo Monte...
O Vitória FC, do Roboque, o tal que tem graves problemas na baliza, é uma velha filial do Vitória de Setúbal. O UDRA, de São João dos Angolares, a terra onde o grande João Carlos Silva tem a sua roça e os seus tachos, é filial do UDRA - União Desportiva e Recreativa de Algés. Sporting há o da Praia Cruz, filial n.º 82 do Sporting de Portugal, e o Sporting Clube do Príncipe, filial n.º 183, e entre ambos repartiam os últimos três títulos nacionais. Aliás, o Sporting da Praia Cruz é o clube com mais campeonatos conquistados, seis em 28 disputados. Apesar de haver campeonato de São Tomé e Príncipe desde 1977, por várias vezes ficou a prova por disputar devidos a questões financeiras.
O campeonato de Príncipe é, como se imagina, mais curto: apenas seis equipas. Mas é aí que jogou o Sport Operários e Benfica, já por quatro vezes campeão nacional e por outras duas vezes vencedor da Taça de São Tomé e Príncipe, competição fundada em 1981. Hoje em dia, chamam-lhe o Grupo Desportivo Os Operários, mas as suas raízes remetem para os anos 50 quando surgiu o Sport Príncipe e Benfica. O Benfica, Clube mais viajado do mundo, que já pôs o pé em mais de 70 países, nunca visitou São Tomé e Príncipe. Passou por todos os outros países africanos de expressão portuguesa - na Guiné-Bissau apenas com uma equipa de Juniores, em 2011, comandada por Chalana e José Henrique - e algum dia virá até cá. O Futebol pode ser pobre, tão pobre que por vezes faz dó. Mas é vivido com entusiasmo. E os são tomenses dizem com orgulho: «É o nosso Desporto nacional!»"
Afonso de Melo, in O Benfica