"Quando há um jogo em grande, como o de ontem, um clássico empolgado por grandes rivalidades, é normal que durante a semana anterior ao acontecimento os adeptos dos clubes em contenda não pensem noutra coisa que não seja o tal jogo.
E não só não pensem noutra coisa como também não conseguem desligar-se do tema. E ao ponto de todos os outros acontecimentos alheios ao clássico, por mais ou menos corriqueiros que se apresentem, acabarem por ser entendidos e analisados em função do grande jogo em questão.
Foi assim a semana toda anterior ao FC Porto-Benfica de ontem à noite no Estádio do Dragão.
E começou logo - e muito mal - com a assembleia-geral da Federação Portuguesa de Futebol em que forças do Bem saíram a perder apesar de terem somado a seu favor 70 por cento dos votos das Associações distritais. E compreende-se assim as razões que norteiam o bafiento e minoritário furor dos que lutam com as armas que têm contra a adaptação dos Estatutos da FPF à Lei de Bases do Sistema Desportivo.
De qualquer modo, mais transparente não poderia ter sido a reunião magna do caduco futebol português. Que tenha sido uma manifestação de estertor, é o que se deseja.
Ganhar votações com apenas 30 por cento dos votos é, de facto, uma festa, um fenómeno, um grande «xito» dado aos adversários ideológicos, isto para revivermos o termo com que, em tempos, um supremo dirigente da AF Porto, recorrendo ao léxico do jogo da sueca, explicou cientificamente uma qualquer grande vitória nos bastidores do associativismo.
«Demos-lhe um grande xito.» Lembram-se os mais velhos? Quando aos mais novos e aos que ainda não tinham nascido no tempo do «xito», peçam, se fazem favor, esclarecimentos aos vossos pais, aos vossos tios que eles logo vos contam como foi.
Mas como no nosso futebol mudam-se os tempos mas não se mudam as vontades, a coisa no último fim-se-semana deve ter sido vagamente parecida com um «xito». Senão vejamos:
a) As Associações do porto, Braga e Leiria votaram contra o enquadramento dos Estatutos da FPF na Lei e no Regime Jurídico vigente.
b)Passadas 48 horas, com muito pouco destaque na comunicação social, surgiu a voz ainda perplexa do Varzim, através do seu dirigente Lopes de Castro, protestando contra a AF Porto que «marginalizou» os seus filiados Varzim, Penafiel, Rio Ave, Freamunde, Trofense e Desportivo das Aves «por não terem sido contactados» na discussão «da definição do sentido de voto».
Enfim, deram-lhes um «xito», foi o que foi.
Mau presságio, é o que é.
O fim-de-semana não foi só jogo da sueca. Também houve futebol jogado para a Taça da Liga que viu definidos os seus semi-finalistas. O Benfica venceu o Desportivo das Aves por 4-0 e vai discutir com o Sporting o lugar na final e o Nacional, que vencera no Dragão, venceu o Beira-Mar, em Aveiro, e vai discutir com o Paços de Ferreira, que venceu o Sporting para o campeonato, o acesso à final da quarta edição da prova.
Nós, benfiquistas, gostamos muito da Taça da Liga. Nas primeiras três edições, vencemos duas, o que é um bom registo. Alguns benfiquistas, mais optimistas, até dizem que se o Benfica prosseguir na sua recuperação desportiva e conseguir regressar a si próprio, a Taça da Liga, por coincidir com esse ambicionado período de reanimação, poderá vir a transformar-se para nós naquilo que a Supertaça Cândido de Oliveira significa para o FC Porto: uma marca de um historial de sucesso dentro de determinado período histórico.
A verdade é que a Taça da Liga tem dado alegrias aos benfiquistas. Desde as vitórias sobre o Sporting e o FC Porto nas finais de 2009 e 2010 às alegrias mais mesquinhas que foram as de ver os nossos rivais soçobrarem com algum estrondo contra adversários menos qualificados.
Como aconteceu, por exemplo, ao Sporting na final de 2008 perdida para o Vitória de Setúbal e como aconteceu ao FC Porto, na primeira edição, afastado pelo Fátima e, este ano, afastado pelo Nacional da Madeira.
Nesta época já foi incrível ver como é que o FC Porto, tão imperial no campeonato, conseguiu perder com os madeirenses graças aos dois golos de Anselmo e empatar, em Barcelos, com o Gil Vicente graças aos dois golos de Hugo Vieira.
Os benfiquistas pragmáticos dirão que o que faltou a Jorge Jesus na final da Supertaça, em Agosto, e na ida ao Dragão, em Novembro, foi um Anselmo ou um Hugo Vieira. Ou os dois juntos, de preferência.
Bom presságio ou mau presságio? Francamente, não me consigo decidir.
No mesmo dias do início da semana, o Sporting anunciou a venda de Liedson ao Corinthians e o Benfica anunciou a saída de David Luiz para o Chelsea. Trata-se de dois jogadores brasileiros que deixaram a sua marca nos clubes que defenderam em Portugal. Liedson esteve oito anos no Sporting, nunca foi campeão porque não encontrou um Sporting no seu melhor. Mas para os sportinguistas e para todos os outros ficará sempre uma dúvida pertinente: nestes oito anos, se não tivesse Liedson, o Sporting teria sido muito melhor ou muito pior?
A saída de Liedson é, sem qualquer espécie de dúvida, uma boa notícia para o nosso Luisão. É esta a minha homenagem a Liedson. E é bem grande.
Na Luz, a partida de David Luiz teria provocado maior emoção se não tivesse acontecido precisamente nesta semana que antecedeu o FC Porto-Benfica. Até parece que o adeus do nosso muito amado jogador foi ofuscado pelos preliminares do clássico que dominou todas as atenções e abafou todo o resto.
Ao ponto de um amigo meu que passou os últimos meses a temer a saída de David Luiz no mercado de Inverno se ter saído com esta assim que soube da consumação da transferência para o Chelsea:
-Ai é? Olha, é da maneira que estamos garantidos que não vai jogar a defesa-esquerdo na quarta-feira.
Por portas travessas, considerei este um bom presságio.
Depois veio o presidente do Corinthians dizer que não tinha pago ao Sporting os 2,1 milhões de euros que o clube português comunicou à CMVM e que tinha comprado Liedson bem mais barato «por 1,5 milhões de euros em 18 meses».
Depois veio o Marítimo exibir trocas de correspondência e afirmar, em comunicado, que «os documentos desmentem claramente» que a proposta do FC Porto por Kléber foi mais alta do que a do Sporting. Como se não lhes bastasse o sarilho em que se estão a meter, os dirigentes madeirenses ainda se atreveram a questionar publicamente o seguinte: «Mas se a proposta do FC Porto ao Atlético Mineiro foi mais alta, onde é que pará o resto do dinheiro? Nalgum saco azul?»
Enfim, estes pormenores desagradáveis dos negócios da concorrência terão acalmado alguns benfiquistas mais inconformados com a saída de David Luiz. Outro bom presságio...
Aproximou-se a hora do jogo e os benfiquistas são informados de que César Peixoto, um jogador com quem embirram, vai ser titular. Traçam-se as conjecturas mais negras, tal como seria de esperar. A maioria considera a titularidade de Peixoto um mau presságio.
Afinal não foi um mau presságio. O Benfica venceu o FC Porto com uma exibição duas vezes categórica. Foi categórica na superioridade do seu futebol até ao momento em que Paulo Baptista expulsou incrivelmente Fábio Coentrão e foi ainda mais categórico quando, reduzido a dez elementos, deu um festival de empenho e de solidariedade absolutamente notável.
E ainda estamos em quatro frentes."
Leonor Pinhão, in A Bola