"Do futebol conheci a pior das misérias, da vida desgraçada de gente caída do plinto das suas estátuas de barro à corrupção infame e nunca castigada. Do futebol conheci a alegria infinita das vitórias sempre efémeras e o consolo caloroso de afeições que ficarão eternas. Por dentro e por fora, tantos anos como jornalista, outros na lufa-lufa constante dos balneários como naquele tempo mágico da selecção nacional, de 2003 a 2006, quando Portugal fez o que nunca foi feito, com a final do Campeonato da Europa e a meia-final do Campeonato do Mundo, jogando de uma forma ofensiva e exuberante que jamais fez parte da filosofia das equipas que lhe sucederam, incluindo a que ganhou o título em França.
Há uma expressão que todos usamos, aqueles que fui conhecendo ao longo de mais de três décadas de convivência, e que se prende com uma realidade que exige confiança mútua e inquebrável: mano. É o sublinhar de uma fraternidade. Não me recordo de quando conheci Jesualdo Ferreira, que os amigos tratam por Manel. Talvez quando ele treinava a Académica, ainda na casa dos trintas. Estive a seu lado quando conquistou um dos troféus mais encantadores, o do Torneio de Toulon, com uns sub-21 que tinham Rui Costa e Jorge Costa, João Oliveira Pinto e Capucho, Nelson e Brassard, por exemplo, numa altura em que só A Bola e o Record mandaram enviados-especiais, com o saudoso Carlos Arsénio. Acompanhei-o como adjunto de Toni, no Benfica, no Sevilha, no Bordéus, encontrei-o no Qatar, deu uma entrevista a este jornal anunciando que chegara ao fim da carreira, vamos falando de vez em quando, sinto-me verdadeiramente feliz por o ver feliz e por saber que ainda terá uma carreira para lá do final que tinha estabelecido e o sentir mais vivo do que nunca.
Em Novembro de 1991 foi com um peso na alma que me dirigi ao Hospital da Cruz Vermelha para, à cabeceira do Rui Águas, falar com ele longamente sobre o momento negro de Kiev em que viu a perna quebrar-se como se fosse um ramo de árvore naquela que ele garante ter sido a pior noite da sua vida de futebolista.
Há um ano estive com o meu velho irmão bairradino Toni e com o seu filho, também António Oliveira, no Koweit, observando o seu trabalho no Kazma. Como não querer que a aventura que agora se rasga nos seus horizontes, no Santos que foi de Pelé, o melhor jogador que alguma vez vi, e de quem fiquei, mais tarde, igualmente amigo, se abra com a luminosidade de um final de tarde na praia de Embaré, em frente à Avenida Bartolomeu de Gusmão, o homem que sonhou com a Passarola? De certa forma vou com eles. Eu vou com os meus amigos para o fim de cada mundo, embalado, como dizia Goethe, pelo concurso melodioso das estrelas fraternais. São meus manos. Cabem sempre na largura interminável de um abraço companheiro."