"Desde 2009/10, já tivemos 8 épocas concluídas: nelas o Benfica foi 1.º em 5 vezes e 2.º em 3 ocasiões; já o Sporting não foi nem vice-campeão.
1. Nos dias que precederam o dérbi lisboeta, quem cá tivesse aterrado e lê-se e ouvisse tantas doutas análises, ficaria convencido que seria uma partida assaz desequilibrada, tal os encomios relativos ao Sporting e as críticas dirigidas ao Benfica. As dúvidas residiam, tão-só, na magnitude do desnível do resultado, e em saber se o presidente leonino ia ver o jogo no banco ou fora dele.
2. Havia tanta euforia para os lados de Alvalade, que tive de ir confirmar se o tetracampeão era o SCP ou o meu remediado Benfica. Depois, percebi que apenas estavam a usufruir antecipadamente do, ainda não assegurado, segundo lugar. Mas, entende-se porquê: desde 2009/10, já tivemos 8 épocas concluídas: nelas o Benfica foi 1.º e 5 vezes e 2.º em 3 ocasiões; já o Sporting não foi nem campeão, nem vice-campeão. Por outras palavras, o Benfica nunca abaixo do 2.º lugar, o Sporting nunca acima do 3.º posto.
3. O dérbi foi um bom jogo. Disputado, com seriedade e profissionalismo, pelas duas equipas. O empate sem golos serviu melhor as conveniências dos leões que, assim, só dependem de si próprios na difícil deslocação ao Funchal. Mas, a haver um vencedor teria sido o Benfica. Excelente primeira parte, duas bolas no poste, personalidade no campo. Bruno Varela teve uma noite descansada e Rui Patrício mostrou, uma vez mais, por que é considerado um dos melhores guarda-redes da actualidade. Para o segundo lugar ainda em disputa, teria bastado empatar (!) com o Tondela. Mas aí, Rui Vitória resolveu pensar que eram favas contadas. Bastaria apenas ter jogado Jardel ou Fejsa. É que, como sempre dizem os treinadores, o jogo mais importante é o seguinte. Neste caso, não terá sido...
4. Em Alvalade, porém, Rui Vitória esteve bem. Do modo como explanou o jogo e nas declarações que prestou. Um homem não é de ferro e há momentos em que é preciso levantar a voz, contra os embustes que se propalam a uma velocidade cibernética. É claro que em Rui Vitória é defeito o que em Conceição é virtuosismo e em Jesus é feitio.
5. A transmissão televisiva deste jogo esteve no seu melhor. O mago Lobo, que de tudo sabe no ofício do que chama «futebol puro», manteve-nos entretidos com a lógica comentarista de dois pesos, duas medidas. Um 5 na escala de 0 a 10 é medíocre se for para um jogador ou movimento do Benfica e é excelente se executado por um leão ou portista. Já o entrevistador da flash interview, tinha ferrada e pergunta que a todos fez com inusitado orgulho: «Foi o Porto um justo campeão?», no contexto da entrevista supostamente sobre o jogo acabado de disputar. Bem (não) lhe respondeu Rafa Silva e bem aproveitaram o jogador e treinador do SCP para mandar para o irmão Dragão beijinhos, abraços e abreijos.
6. Foi imprudente a nomeação do VAR para este jogo. Refiro-me a Hugo Miguel, que havia arbitrado o dérbi na Luz. Neste primeiro jogo, acabou por ser obrigado a marcar a quarta infracção merecedora de penálti ao cair do pano, de tão evidente que foi, mas, no resto, ignorou olimpicamente o VAR. Por isso, nomear para VAR do segundo jogo este árbitro, também agente do fornecedor das camisolas do SCP, a Macron - empresa indirectamente interessada na questão da Champions - foi um acto indigente. Tudo numa boa, o VAR foi muito bem acolitado pelo árbitro de campo, Carlos Xistra, que dispensou quase sempre a sua função. Ou seja, VAR por VAR mais vale não VARAR.
7. Um pormenor delicioso da arbitragem aconteceu na última jogada. Num livre, a bola é lançada por Douglas para a área de Rui Patrício. Este vai para fora da sua protegida pequena área, segura a bola e, depois, larga-a sem que qualquer jogador do Benfica lhe tivesse tocado. A bola ficou em poder do ataque encarnado em posição privilegiada para poder marcar o golo (Jiménez até meteu, com classe, a bola na baliza, mas o jogo estava parado). E o que fez o clarividente Xistra? Assinalou falta contra o Benfica! Nas arbitragens, costumo distinguir duas situações: a mais comum e natural, que é a do erro de não se ter visto uma infracção. A mais estranha que é a de ver o que ninguém viu e, por imaginação, alucinação ou vontade, assinalar-se uma infracção. Neste caso, o leitor escolha...
8. Noutro plano, o árbitro falhou também e, sinceramente o digo, favorecendo o Benfica. Rúben Dias não merecia ter saído incólume de cartões (tal e qual Bruno Fernandes). Este jovem jogador encarnado pode ter à sua frente uma carreira auspiciosa. É forte, tem bom sentido posicional e não adorna desnecessariamente os seus movimentos. Porém tem de aprender a refrear o seu ímpeto que, não raro, excede o que as leis do jogo determinam. Via facebook, pois claro, o senhor Jota, alegadamente inadimplente funcionário, aproveitou para insinuar que «há uma selvagem à solta no futebol português». Para além da costumeira linguagem de destilar ódio, não sei se também tinha em mente um tal de Felipe que joga no seu patrão-clube.
9. Entretanto, saiu mais um sumaríssimo com sumo a um jogador do SLB. Neste caso, a Rùben Dias. Compreendo a decisão, se ela tivesse sido sempre uma lógica de tratar por igual, o que semelhante é. Não me lembro deste procedimento com qualquer jogador dos rivais, embora me lembre do sumaríssimo a Samaris na Taça da Liga, por uma minharia. Porque não usar semelhante bitola e não decidir o mesmo procedimento depois de Bruno Fernandes ter ceifado Cervi? Eu sei, vão-me dizer que ele apanhou apenas amarelo, logo não poderia haver caso sumário, mas a equidade de tratamento, no fim de contas, fica manchada e o infractor pode jogar no domingo. Ah, e que dizer da agressão de Felipe a Jonas no Dragão nos primeiros minutos, para a qual nem houve cartão, e muito menos sumaríssimo? E; já agora, lembram-se da agressão com cotovelada de um estorilista ao Jiménez na grande-área. Cadê o sumaríssmo? Onde está a homogeneidade de critério? Uma vergonha!
10. Aqui, neste jornal em que livremente escrevo, não posso deixar de anotar, com estupefacção, a capa - sim a capa - da passada sexta-feira, véspera do dérbi. Em parangonas, lá estava escarrapachado: «Convite das Arábias: Rui Vitória tem proposta para ir treinar o Al Hilal», retirado de uma notícia em árabe de uma famosa e impoluta publicação chamada 'Akhbaar 24'!!! Ainda na primeira página, embora menos exuberante, «Posso ser um presidente adepto», frase atribuída ao potestativo candidato Rui Gomes da Silva. Mas vai haver eleições logo a seguir ao dérbi?
11. Coentrão dá sempre espectáculo. Sportinguista ainda na barriga da mãe, como se confessou, tem todo o direito de ser e ninguém leva a mal. Mas, para além de fiteiro até dizer chega, é de uma ingratidão obscena. É só isso que o bom senso lhe imporia quando defronta o seu antigo clube, o Benfica. Afinal, onde estaria o rapaz se o Benfica (e o então também seu treinador Jorge Jesus, diga-se em abono da verdade) não o tivesse reabilitado depois de uma dolorosa experiência no estrangeiro e lhe abrisse as portas e a carteira um milionário contrato com o Real Madrid?
12. «Exemplar» o que se ouve sempre em momentos de alegria dos rivais do Benfica. No caso do agora campeão nacional, ou do que se escutou em Alvalade. Os cânticos, os cartazes e as palavras não são um hino aos seus clubes, antes constituem formas soezes e prenhes de impropérios contra o Benfica. É caso para se dizer, como na política, «assim se vê a força do esseebebê». Por que não fizeram um hino anti-benfiquista para os dois aliados unidos cantarem nos Aliados? E o que dizer da inqualificável atitude de G. Paciência e Sérgio Oliveira nos festejos (anti Benfica), quais garotos ultra rascas? E quão vergonhoso foi o comportamento de alguns energúmenos do meu clube cantando sobre uma morte!
13. Uma das minhas netas, 15 anos de idade, benfiquista de alma e coração, foi a Alvalade com uma das suas melhores amigas, sportinguista de coração e alma. À entrada, embora sem qualquer sinal exterior de adepta encarnada, revistaram-na e encontraram uma perigosíssima arma de destruição maciça: um batom para o cieiro. Com um demoníaco pormenor: o invólucro era vermelho. Vai daí, um zelota dos bons usos e atirou-o para o lixo, assim garantindo a ordem pública e impedindo uma jovem tranquila e educada de provocar desacatos como contundente objecto. Uns minutos depois, mal se iniciou o jogo, elas assistiram já sentadas ao fogo de artifício com que as claques leoninas deram as boas-vindas. O tal zelota ainda deverá estar a pensar como tendo ele evitado uma catástrofe com o batom da minha neta foi impotente (ele e os colegas) para impedirem adultos de levar quilos de bombinhas de Entrudo. Um perigoso batom é um batom perigoso, mesmo que seja para o cieiro. Assim vai o nosso futebol. Apanha-se uma mosquinha para se fingir que se controlam os elefantes. E depois queixam-se..."
Bagão Félix, in A Bola