"Já aqui escrevi que apitar e arbitrar não são sinónimos, mas este mau arranque de época sugere que recupere publicamente a ideia. O dicionário de língua portuguesa vinca bem a diferença entre as duas: apitar é a arte de assobiar, usando um apito; arbitrar é a capacidade de dirigir uma competição/partida ou de servir de árbitro. O futebol, sobretudo o de alta competição, precisa cada vez mais de árbitros e cada vez menos de apitadores.
Qualquer pessoa pode entrar num campo de apito na mão e soprá-lo em função do que vai vendo acontecer: lance a lance, jogada a jogada. É fácil, é só reagir ao que se vê. Mas só um árbitro a sério, só um árbitro de verdade, consegue fazer com que as regras do jogo não sejam atropeladas, através de uma abordagem equilibrada, sensata e consistente.
Sou o maior defensor dos árbitros. Sempre fui. Pode haver quem o seja tanto como eu (e haverá com certeza), mas não me parece que alguém o seja mais. Sei disso, porque vivo, sinto e respiro arbitragem todos os dias da minha vida. Tenho a plena convicção que esta geração de árbitros é composta por pessoas honestas e de bem. Tenho a certeza absoluta que todos os que andam lá dentro e os que estão em sala tentam tomar sempre as melhores decisões. Mas, a este nível, a boa vontade é curta. É preciso mais, muito mais.
Esta carreira é francamente exigente e eles sabem disso. Essa exigência constante pressupõe que sintam o peso da responsabilidade que a tarefa acarreta. E é fundamental que tenham a capacidade de transportá-la para cada treino, estágio e jogo, porque só uma atitude superlativa os obrigará a dar o melhor de si, a cada instante.
Infelizmente tenho assistido, nas duas ligas profissionais (é verdade, não há apenas três jogos por jornada), a arbitragens que têm deixado muito a desejar. Não estou a falar apenas de más decisões, de análises erradas. Refiro-me sobretudo a uma gritante falta de atitude.
Tenho visto permissividade, acomodação e falta de concentração gritantes. Como é que é possível? Parece que para alguns (poucos, é certo) arbitrar é apitar. Uma função a cumprir. Um trabalho como qualquer outro.
Parece que arbitrar é andar ali pelo meio, em gestão de esforço, a fazer um jogging para aqui, outro para ali, a correr com os olhos e a apitar em função do que os olhos veem. Isso não é apenas mau, é horrível.
Arbitrar é sentir! É estar lá! É viver o jogo intensamente. É perceber cada movimento, cada lance, cada ataque e contra-ataque.
Arbitrar é ouvir o que dizem todos os sentidos, a toda a hora. Arbitrar é antecipar, prevenir, evitar que aconteça. É cheirar, intuir, deduzir.
Arbitrar assim desgasta, porque quem arbitra assim esgota tudo de si, mas esgota bem, porque está a assegurar que o jogo é jogado de forma leal, dinâmica e justa. Arbitrar não é um frete. É intensidade, é diálogo e foco. É compromisso máximo.
Sou muito crítico dos árbitros que agem como se chegar ao topo fosse o fim de um percurso e que agora basta apenas... manter.
Estão errados e o mais certo é que próxima paragem seja em sentido descendente! Arbitrar a sério, arbitrar de verdade é outro nível de superação e quem provar não estar à altura dessa dimensão está na profissão errada.
Acho sinceramente que está na altura de dar o murro na mesa. Não é, repito, apenas uma questão de penáltis, amarelos ou vermelhos. É tudo o que não está a ser feito para chegar lá com qualidade.
É preciso mais atitude, mais energia em campo, mais jogo na mão. É preciso mais presença, mais pulso, mais domínio! É preciso saber sorrir e dialogar quando o lance pede contenção e diplomacia e mais cara feia e cartão quando o momento exige ação, punição. O corpo tem que falar, a voz tem que mudar, a expressão tem que alterar. Nunca pode ser só o apito a falar.
Vamos lá a acordar, se faz favor."