Últimas indefectivações

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Mário Dias

Honrar Mário Dias


"Faleceu Mário Dias, considerado o pai do novo estádio da Luz, uma referência do benfiquismo a quem o Sport Lisboa e Benfica muito deve e agradece penhoradamente.
A dívida de gratidão a Mário Dias por parte dos benfiquistas é incomensurável. Não haveria o Sport Lisboa e Benfica, como conhecemos hoje, sem o seu contributo inexcedível, abnegado, corajoso, qualificado e visionário.
Principal impulsionador do Estádio da Luz, a infraestrutura que permitiu o extraordinário desenvolvimento do Clube nos anos subsequentes, foi também um homem que soube cativar e inspirar todos os que beneficiaram do privilégio de com ele conviver e trabalhar. O entusiasmo e o espírito de missão com que abraçou o projeto da construção do Estádio, assim como a competência e liderança na prossecução da obra, foram absolutamente decisivos.
O Presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Filipe Vieira, descreve Mário Dias como "personalidade ímpar que ficará para sempre na nossa história pela forma íntegra e generosa como serviu o Benfica, de que se destaca o seu contributo único, incansável e inexcedível como grande impulsionador da construção do nosso novo Estádio da Luz".
As manifestações de consternação e pesar vão-se multiplicando, prestando-se assim a devida homenagem a um vulto da história do Sport Lisboa e Benfica que agora partiu.
Fica a satisfação de o nosso querido Clube ter contado com a colaboração e empenho de um homem da estirpe de Mário Dias, homenageado diversas vezes em vida justa e merecidamente, sempre reagindo a essas homenagens com a humildade que o caracterizava e a imensa felicidade por ver todo o seu esforço recompensado pelo crescimento ímpar do Clube que tanto amou e a que se dedicou.
Obrigado, Mário Dias!

P.S.: Hoje, às 21 horas, terá o início o Boavista – Benfica, a contar para a sexta jornada da Liga NOS. Trata-se de uma deslocação tradicionalmente difícil, frente a um adversário que se reforçou para a presente temporada. A nossa equipa procurará dar continuidade ao pleno de triunfos conseguido desde o começo da prova e, assim, manter a liderança da classificação."

Dor e pesar por Mário Dias


"É com enorme consternação e tristeza que, em nome do Sport Lisboa e Benfica e em meu nome pessoal, manifesto a mais profunda dor e pesar pelo falecimento de Mário Dias.

Personalidade ímpar que ficará para sempre na nossa história pela forma íntegra e generosa como serviu o Benfica, de que se destaca o seu contributo único, incansável e inexcedível como grande impulsionador da construção do nosso novo Estádio da Luz.
Fica também a mágoa por esta perda em todos aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer, figura maior por todo o seu trajeto e pelos princípios e provas de amizade que ficarão nas nossas memórias.
A toda a sua família e amigos, apresentamos as mais sentidas condolências e os votos de solidariedade e profundo respeito nesta hora tão difícil.
Que descanse em paz, ficará eternamente nos nossos corações como uma referência para todos nós.

Time Added On - 1.º Novembro

Boavista FC x SL Benfica | 5 jogos míticos para recordar


"Boavista FC e SL Benfica defrontam-se esta segunda-feira (21h), em jogo a contar para a sexta jornada da Primeira Liga. A reedição de um clássico do futebol português, num frente-a-frente que conta já com 57 embates, em saldo positivo a pender para os lisboetas: ganharam 25 deslocações ao Bessa, enquanto os da casa não vão além das 12 vitórias.
Um historial que Vasco Seabra tentará contrariar com o seu Boavista (que ainda não é Boavistão, mas tem tudo para o ser) e encarrilhar definitivamente para um campeonato tranquilo. A equipa não corresponde às enormes expectativas e ao plantel mediático que soube construir, estando à quinta jornada na cauda da tabela classificativa – 17.º posto –, onde o melhor alcançado foram três empates. 
Um dos maiores problemas está no processo defensivo, com o emblema axadrezado a partilhar a pior defesa do campeonato com o Famalicão, ambos com 12 golos sofridos, o que não augura nada de positivo quando o próximo adversário é precisamente o melhor ataque, com 15 golos marcados.
E Jesus certamente que terá esse dado em conta. Não só a provável maior facilidade em furar o bloco adversário e resolver o jogo cedo – no campeonato, marcou sempre antes do 20 minutos de jogo e foi sempre para o intervalo a vencer – como a predisposição atacante de uma equipa comandada por um homem de ideias inovadoras e de tracção à frente, como Vasco Seabra, se perfila como oponente ideal para os encarnados, que, com um calendário apertadíssimo, querem o quanto antes gerir esforços e focar na preparação para o jogo europeu frente ao Rangers FC.
Algo que se torna ainda mais apetecível no imaginário dos adeptos mais optimistas é observar que o Boavista perdeu os dois jogos que disputou no Bessa, além de não marcar qualquer golo e sofrer… seis, o que parece ainda pior quando se sabe que Javi García, o pêndulo de meio-campo, está de fora por castigo.
Quando atendemos ao jogo de bancos, a estatística continua a favorecer os mesmos, com Jorge Jesus a contar sete vitórias em oito jogos com o Boavista desde que estes subiram novamente ao primeiro escalão – o jogo que falta deu empate, ao serviço do Sporting (0-0, 2015/2016).
Ao comando do Benfica, Jesus venceu a última vez no Bessa com recurso a bomba de Eliseu (0-1, 2014-15). Outro dado merecedor de destaque é a possível terceira vitória consecutiva do Benfica em deslocações ao Porto (0-2 em 2018-19 e 1-4 em 2019-20), assinalada pela última vez na longínqua temporada de 1959-60.
Em jeito de top, reunimos cinco dos mais emblemáticos encontros entre águias e axadrezados, reavivando memórias e relembrando grandes golos – que todos esperam voltar a ver em 2020.


1. Boavista FC 0-1 SL Benfica, Primeira Liga 2015-16 – Ao rubro estava a corrida ao título: Rui Vitória tinha revitalizado uma equipa moribunda no final da primeira volta com a introdução de Renato Sanches ao onze.
Depois da vitória em Alvalade na jornada 25, o Benfica ia na frente com mais dois pontos. O Sporting CP tinha esmagado o Arouca por 5-1 no Sábado e, no Domingo, a onda vermelha teve que esperar até aos 94 minutos para ver Jonas a sorrir para o esférico e a finalizar bem perante Mika: explosão de euforia no Bessa e a definitiva certeza de que era possível aguentar o título.


2. Boavista FC 1-1 SL Benfica, Primeira Liga 2004-05 – 11 anos depois, o tão ansiado título nacional para os encarnados confirmado em jogo de nervos à flor da pele. Ao Benfica bastava o empate depois da vitória frente ao Sporting na Luz, e a onda vermelha lotou o Bessa para segurar a equipa e ajudar Trapattoni e escrever em letras d’ouro o seu nome na história do clube.


3. Boavista FC 3-2 SL Benfica, Taça de Portugal 1996-97 – Com Manuel José do outro lado da barricada, o Boavista vingou-se da pesada derrota de ’93 com uma demonstração de superioridade bem assente na qualidade de remate de Erwin Sánchez, autor de dois golos.
Ricardo ganhava o seu primeiro grande título como titular das balizas e Nuno Gomes justificava a sua futura transferência para a Luz com um golo. Nessa época, formou parelha ofensiva com um tal de… Jimmy Floyd Hasselbaink, futura estrela europeia com passagens por Leeds United, Atlético de Madrid e Chelsea FC, tendo já em final de carreira conseguido comandar o Middlesbrough de Steve McClaren à final da Taça UEFA de 2006.


4. SL Benfica 5-2 Boavista FC, Taça de Portugal 1992-93 – Meses depois, a grande demonstração de força de um plantel que justificava aposta na continuidade, prometendo voos maiores até em contexto europeu.
Não quiseram os responsáveis benfiquistas: as dificuldades financeiras obrigaram à venda dos principais craques como Futre, que cumpriu exibição superlativa no Jamor, e o sonho desfez-se para a massa adepta; não sem antes deixarem a massa adepta a salivar com festival de nota artística e cinco fabulosos aperitivos, alimentando gigante ‘se’ no imaginário geral.
Não quis o destino, ficando na história mais um grande confronto entre Manuel José e Toni, nomes lendários dos bancos, como a última lembrança desse 1992-93.


5. Boavista FC 2-3 SL Benfica, Primeira Liga 1992-93 – Jogo que marcou toda uma geração de benfiquistas, dadas as circunstâncias especiais: dilúvio em pleno Bessa, grande incerteza no marcador e Paulo Sousa na baliza, a evitar por diversas vezes um empate que se justificava.
Num plantel de qualidade internacional, aglutinavam-se talentos únicos – Mozer, Veloso, Schwarz, Kulkov, Rui Costa, Paneira, Mostovoi, Futre, João Vieira Pinto, Isaías, Yuran, César Brito e Rui Águas – ainda assim insuficientes para levar avante época gloriosa, vítimas da instabilidade criada por Ivic e só corrigida, já tarde, por Toni."

Golaço de Isaías ao Boavista em 1995


"Golaço de Isaías ao Boavista, para o jogo do Campeonato 94/95, que o Glorioso venceu por 3-1. O Profeta fez aqui o 2-0. Mario Stanic marcou os outros 2 golos."

Pinto da Costa & Fernando Gomes: dupla de mágicos nortenhos, ventríloquos corresponsáveis pelo Grand Canyon de €116 milhões


"Menino e moço, via siderado os programas de magia na televisão. Deliciava-me com os ilusionistas e os seus truques de pombas esvoaçantes e partenaires serradas ao meio, lenços infinitos tirados de cartolas sem fundo tão grandes que nelas cabiam ainda coelhos alvíssimos. De um momento para o outro estes mágicos de final da tarde desapareceram da televisão e deixaram atrás deles, na minha memória, um rasto de brilhantes, fatos resplandecentes e truques impossíveis. Não faziam desaparecer a Golden Gate ou um Jumbo, não namoravam com a Claudia Schiffer como o sombrio e enigmático David Copperfield, mas para mim serão sempre os verdadeiros magos, os primeiros e inesquecíveis. 
Anos depois ainda devo ter visto dois ou três espetáculos do Luís de Matos, já sem aquele espanto infantil e crédulo de que todo o ilusionista precisa. Na semana passada regressei por instantes àqueles tempos de infância ao ver a atuação da dupla de mágicos nortenhos, Pinto da Costa e Fernando Gomes, que, após longas carreiras na gestão desportiva e na política, enveredaram agora pelo entretenimento. Estes dois artistas, corresponsáveis pelo misterioso e colossal buraco – o Grand Canyon das SAD – de 116 milhões de euros, proporcionaram um extraordinário espetáculo de variedades no qual, além de um número de magia, tivemos direito a ventriloquismo, malabarismo verbal e a um arriscadíssimo número em que, passeando na corda bamba, sacudiram em uníssono a proverbial água do capote.
Se eu não tivesse mudado de canal para acompanhar as eleições do Benfica, tenho a certeza de que teria sido hipnotizado por estes zandingas da circunvalação porque ao fim de cinco minutos estava convencido de que o astronómico prejuízo nas contas da SAD portista era, afinal, necessário e uma bênção que todos os portistas deviam agradecer porque revelava dotes de gestão incompreensíveis para os leigos que, muito leigamente, se assustam com a magnitude do número e são incapazes de ver os tremendos benefícios que o mesmo acarreta. Na conversa destes prestidigitadores, um prejuízo de 116 milhões passa, num passe de magia, de um facto catastrófico para um resultado invejável.
Quem os ouvisse a culpar a pandemia e o diabo a quatro e a festejar o investimento cirúrgico no plantel e o triunfo no campeonato e a contar com os ovos no cu da galinha da Champions ficaria com uma vontade súbita de abrir uma empresa só para sentir a adrenalina de perder 116 milhões de euros num exercício. Naquele momento não eram tanto como os mágicos da minha infância, mas como aquele capitão vaidoso do Costa Concordia a conduzir o navio alegremente para as rochas enquanto acena para as beldades em terra.
Mas eu não queria falar de mágicos nem de administradores nem de prejuízos. O que me interessa é como isso se reflete em campo. Hoje, os portistas, quando procuram figuras de referência que os animem e lhes permitam encarar os próximos tempos com otimismo, só têm Sérgio Conceição e Pepe. São eles os baluartes de uma ideia, de um modo de ser que já não tem respaldo na gestão financeira. O FC Porto simplesmente não pode continuar a viver como até aqui. O endividamento e os prejuízos têm limites, sobretudo neste período de pandemia e depois dos anos dourados do fácil financiamento bancário.
A sorte é que a paciência de Sérgio Conceição aparenta não ter limites. Qualquer outro treinador a quem pusessem sobre os ombros, qual Atlas, o peso brutal do futuro institucional e desportivo do clube já teria arriado a carga e partido em busca de um emprego menos tóxico. Mas, por muito que às vezes solte um tímido queixume, é inegável que Conceição gosta do desafio de fazer muito com pouco, de lhe atirarem para a bancada da cozinha uns ingredientes pouco nobres e com eles ter de criar uma receita capaz de alimentar várias famílias, mesmo que o sabor nem sempre seja requintado.
Há duas razões para essa atitude e que explicam a longevidade do treinador em tempos de grande instabilidade: a primeira é a personalidade amiga do atrito de Conceição, a segunda é a independência financeira. Tem sido esse o seu segredo, o seu truque de magia, para retirar o melhor de jogadores que se recusam a renovar com o clube ou que teriam justas expetativas de já ter saído. A presença de Pepe no balneário e em campo, um jogador cuja independência financeira e histórico recente lhe dão uma autoridade que só fica abaixo da do treinador, é outro ingrediente fundamental para dar coesão e força a um grupo com o tipo de jogadores que antes de saltarem para um grande costumam fazer um tirocínio em clubes como o Braga ou o Vitória de Guimarães.
Com as saídas de Alex Telles e Danilo – e veja-se como foram desvalorizadas, quase como se jogadores destes estivessem por aí ao virar da esquina – e a entrada de jogadores sem provas dadas e outros emprestados cujo grau de compromisso vai ser questionado a cada falhanço – e veja-se como a política desesperada dos empréstimos foi saudada como mais um golpe de génio dos mesmos produtores do buraco de 116 milhões – o que se pede este ano a Sérgio Conceição talvez esteja para lá do que é humanamente aceitável. Mas, para um homem da sua têmpera, não haverá melhor combustível do que o desafio de roubar um campeonato a um rival que se abastece nos supermercados gourmet enquanto o seu clube anda a escolher a dedo a fruta feia. Se chegar ao fim em primeiro – e seria uma estupidez pôr o Porto fora das contas – será a prova de que o maior ilusionista do Dragão não está nas cadeiras da SAD, mas no trono do banco.

PS: a consistência de resultados do Sporting de Rúben Amorim e, sobretudo, esta última exibição contra o Tondela, além do descanso proporcionado pela ausência das competições europeias, complicam os prognósticos sobre a corrida ao título (e não nos esqueçamos do Braga). Mas sobre este Sporting descontraído e descomplexado de Amorim falarei na próxima semana."

A República e os Açores com as sequelas do vale tudo


"(...)
Notas Finais
São Papoilas Saltitantes
A pujante manifestação de vontade dos sócios do Sport Lisboa e Benfica e a vitória inequívoca de Luís Filipe Vieira sublinham a singularidade da força do clube, o compromisso com a memória e a ambição de ser resiliente perante o quadro pandémico, afirmando a competitividade desportiva das equipas e das modalidades. Sendo tempo de realizar esforços de reforço da união, sem esquecer as linhas vermelhas ultrapassadas na campanha eleitoral pelas alternativas, e de respeito pela expressão da vontade da maioria, é também uma oportunidade para definir um novo quadro de referência na relação com os sócios. Tarjas como a que foi colocada no jogo da Liga Europa são inaceitáveis e nada têm a ver com a liberdade de expressão, são serviços prestados aos adversários e às CMTV’s desta vida. Miserável.

Brincar Com Coisas Sérias
A arbitragem do jogo Paços de Ferreira-FC Porto ultrapassou todas as linhas vermelhas da falta de vergonha, devendo só ser defendida pelo insolvente da comunicação do clube ou por um qualquer adjunto de indigência criativa. Isso e o prejuízo de 116 milhões de euros."

Actividade física e desporto? Haja saúde!


"Atenção: este singelo artigo tem que ver com Policies e não com Politics. O tema versa sobre a política desportiva, a política de saúde e a combinação de ambas, com conexão com a política orçamental.
A intenção é, tão-só, e de forma sumária, a partir do Orçamento de Estado para 2021, e no contexto pandémico actual, alertar para aquilo que reputo de grave erro do Governo, ao arrepio da Constituição da Republica Portuguesa (CRP) e da lei. Um erro que, lamentavelmente, não é de agora, nem exclusivo deste Governo, mas que ganha maiores contornos no ‘quadro COVID’.
A CRP (artigo 79.º) consagra o “direito ao desporto”, do qual decorre que todos temos direito à cultura física (hoje o termo será actividade física) e ao deporto, incumbindo ao Estado (ainda que em colaboração com os privados) uma missão primária e preponderante na promoção, estímulo, orientação e apoio da prática e da difusão da cultura física e do desporto.
Por outro lado, a mesma CRP (artigo 64.º) prevê que o “direito à protecção da saúde” se realiza, designadamente, “pela promoção da cultura física e do desporto”. Estamos a falar de dois direitos económicos, sociais e culturais concretizáveis de forma gradual, progressiva e na dependência dos recursos disponíveis (em particular os financeiros), sob a reserva do possível. Por seu turno, há duas relevantes leis de valor reforçado a ter aqui em conta: a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (LBAFD) e a Lei de Bases da Saúde. Na primeira, destaque-se um preceito (artigo 6.º), segundo o qual “[i]ncumbe ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais, a promoção e generalização da actividade física, enquanto instrumento essencial para a melhoria da condição física, da qualidade de vida e da saúde dos cidadãos” (registe-se a palavra “saúde” e enfatize-se a incumbência do Estado). Na segunda, e apesar da sua revisão muito recente (2019) começa-se por lamentar a total (e sintomática …) omissão de referências à actividade física e ao desporto; ainda assim, na Base 1 – sob a epígrafe “Direito à protecção da saúde” - infere-se (implícita ou tacitamente…) que a actividade física e o desporto contribuirão para a concretização do “direito de todas as pessoas gozarem do melhor estado de saúde físico, mental e social”, tal “pressupondo a criação e o desenvolvimento de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam níveis suficientes e saudáveis de vida, de trabalho e de lazer” (sublinho aqui as condições económicas e sociais). Acresce legislação ordinária vária com incidência no binómio desporto/saúde, que por economia de espaço, não se menciona aqui.
O quadro constitucional e legal é, pois, bem claro. A actividade física e o desporto devem ser encorajados junto de e para todos, também enquanto instrumentos susceptíveis de promover a saúde, devendo o Estado, os poderes públicos em geral, assumir primacialmente as rédeas para a consecução de tal objectivo: não é uma obrigação de resultado, mas pelo menos é uma inalienável obrigação de meios. Assim sendo, a política pública desportiva deve, entre outros fins, orientar-se para a saúde e, em simultâneo, a política de saúde (na prevenção e na promoção) deve abarcar a actividade física e o desporto.
Aqui chegados, olhando para os últimos tempos, para o Orçamento de Estado para 2021 e, tendo em conta o contexto pandémico actual, afigura-se-nos incompreensível, para além de contrário à CRP e à lei que: (i) o Estado atribua tão pouco dinheiro ao sector do desporto, em particular ao movimento associativo (colectividades, clubes, associações, federações desportivas … ), num constante caminho de redução real de verbas, mais a mais em ‘contexto COVID’, à inversa do que sucedeu noutros países em que houve auxílios de emergência para sobrevivência aos efeitos da pandemia; (ii) embora se iniciem (o que não deixa de se aplaudir) medidas orçamentais em sede de IRS, em particular no sector do fitness, tal é feito de forma muito tímida e insipiente, com reduzidos efeitos práticos no bolso e na saúde dos Portugueses praticantes e nas receitas dos ginásios e afins enquanto prestadores de serviços de exercício e saúde [sem esquecer o que fica por fazer, por exemplo, no IVA …]; (iii) se trate de forma desigual certas modalidades desportivas no que tange à possibilidade de realização de provas e/ou de ter público nos recintos desportivos, com inerentes prejuízos desportivos e financeiros de algumas; (iv) se discrimine negativamente o acesso a apoio financeiro para o desporto, quando comparado a outros sectores de actividade (igualmente relevantes, não se nega), nomeadamente a cultura.
Os dinheiros públicos são finitos, escassos, e devem, naturalmente, ser muito bem alocados (quanto escrutinados). Mas a política é feita de estratégia, de opções. A saúde pública, no combate ao COVID 19, deve ser, obviamente, a prioridade máxima. Mas se, a par, não se promover a saúde pública através do desporto, muito brevemente teremos mais Portugueses sedentários, obesos, com sobrepeso, mais ausentes do trabalho (com inerente redução da produtividade, em prejuízo dos empregadores e da economia nacional …). Pessoas não saudáveis, mais doentes física e mentalmente, carecendo (ainda) mais de … cuidados de saúde … num contexto de inevitável redução da oferta do Serviço Nacional de Saúde…
Não me oferece dúvidas: o Estado tem de evitar, a todo o custo, e urgentemente, o fecho dos entes privados que colaboram no acesso dos cidadãos à actividade física e ao desporto, em especial os jovens (a formação!!!), os quis, aliás, “gozam de protecção especial” no acesso ao desporto (pelo menos deveriam gozar…), por força de outra norma constitucional (artigo 70.º). Concomitantemente com o dever estrutural, constitucional e legal de agir (sob pena de responsabilidade por omissão caso não adopte as devidas prestações positivas), incumbe ao Estado um dever conjuntural, mas com impacte evidente no médio/longo prazo, de intervir já, no imediato. Porque também o desporto está doente. Depois? Será tarde. Em muitos casos será irreversível, como a morte."

Morreu o desporto? Viva o desporto!


"Carl Diem, secretário-geral do Comité Organizador dos Jogos Olímpicos de Berlim (1936) e simultaneamente um intelectual bem provido de ideias que muito ajudaram ao desenvolvimento do desporto alemão e do desporto em geral, sem hesitação afirmava: “o desporto é sempre um jogo e, quando deixa de ser jogo, deixa de ser também desporto”. Ora, o desporto, hoje o mais publicitado e propagandeado, deixou de ser jogo e, se bem pensou o Carl Diem (e se bem penso eu, que o acompanho, neste seu pensar) deixou portanto de ser desporto. Morreu o desporto que eu conheci, pois que nele trabalhei, onde as figuras primeiras eram os jogadores e um ou outro dirigente de relevância social e de bom comportamento moral e onde mais se falava de desporto do que de empresários, euros e SAD’s. Atualmente cabem, no conceito de desporto, uma diversidade de atividades físicas que visam principalmente a saúde e o recreio e a educação, as quais, com a alta competição, formam o “sistema desportivo contemporâneo”. No entanto, na nossa “sociedade da comunicação generalizada” (Vattimo) só o que é espetáculo e altamente competivo se publicita, só o que é mercado “é”. A partir da escola fisiocrata (finais do século XVII e princípios do século XVIII) a economia, ao mesmo tempo que apresenta matriz teórica independente, torna-se verdadeiramente amoral e entroniza na sociedade o “homo oeconomicus” racional, individualista, egoísta. Por outro lado, a censura nunca foi mais impositiva em muita da Comunicação Social: o que não é alta competição não se publica. Por isso, não deverá estranhar-se que continue inalterável a ignorância sobre a contribuição da “motricidade humana”, na formação e desenvolvimento de uma população sadia e socialmente ativa; ou sobre o papel da medicina desportiva, no quadro da medicina preventiva; ou sobre a cultura desportiva, quando se sabe, sem margem para dúvidas, que o desporto é o fenómeno cultural de maior magia no mundo contemporâneo.
O “discurso competente”, neste sistema desportivo, é de alguns dirigentes e de certos jornalistas. Nele, a essência do desporto-mercadoria não se discute. Há mesmo, com uma aura de sageza, uma Internacional Situacionista, corporizada por federações internacionais e nacionais, que institucionaliza este “discurso competente” até à obscenidade, tendo em conta que o obsceno reside, aqui, na publicidade desmesurada da riqueza e do fausto em que certos “agentes do desporto” se pavoneiam, deixando de lado, nas suas crónicas e reportagens, o lado pedagógico e humanizante da prática desportiva. Parece-me importante relembrar que os gregos viam, na ginástica, uma condição “sine qua non” da “paideia”, ou seja, do seu itinerário educativo. Por isso, Platão e Aristóteles dedicaram ao tema páginas imorredouras da sua obra. Devemos, de facto, aos gregos esta atmosfera de aprazimento que rodeia a presença do desporto, no ato educativo. No entender de Habermas, são três os momentos pelos quais importa passar para que se complete o ciclo da evolução humana. Mas, para tanto, há que mudar de paradigma. As sociedades devem estruturar-se, organizar-se, segundo o modelo da comunicação entre sujeitos. Pela comunicação, a relação humana não será a de sujeito-objeto, marginada de suspeitas e desconfianças, mas a de sujeito-sujeito. Mas será tudo isto possível, sem a erradicação do “princípio da performance”, típico do capitalismo? “Mantendo firme a nossa adesão ao otimismo antropológico da tradição iluminista e querendo prosseguir no quadro analítico, proposto por Habermas, diremos então que é preciso desbloquear a racionalização das dimensões até agora sacrificadas às exigências unilaterais da produção económica. E o tempo primordial para efetuar, com indeléveis efeitos, esse desbloqueamento é o tempo escolar. Determinada pelo princípio da sobrevivência, a escola tem sido a fábrica onde industrialmente se transforma o princípio do prazer infantil, no princípio da realidade adulta – e mais precisamente no princípio da performance” (Fernando Cabral Pinto, A Idade da Realização, na História da Vida, na Vida da História, Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 57).
Porque o tempo do trabalho é, no capitalismo (como nos “capitalismos de estado”, mascarados de socialismo, que se conhecem) o tempo social dominante, o “princípio da performance” inquina a própria prática desportiva – o que significa que o modelo civilizacional, que o espetáculo desportivo assume, integra-se na ordem neoliberal. Do JL (Jornal de Letras, Artes e Ideias), de 21 de Outubro a 3 de Novembro de 2020, de um ensaio de Boaventura de Sousa Santos, recorto o seguinte: “Não admira que os analistas financeiros, ao serviço dos que criaram a ordem neoliberal, prevejam agora que estamos a entrar numa nova era, a era da desordem (…). A pandemia veio agravar a situação e é muito provável que dê azo a muita agitação social (…). A dívida externa de muitos países, em resultado da pandemia, será impagável e insustentável e os mercados financeiros não parecem ter consciência disso. O mesmo sucederá com o endividamento das famílias, sobretudo da classe média, já que foi este o único recurso que tiveram, para manter um certo nível de vida (…). O modelo atual assenta na exploração sem limites da natureza e dos seres humanos, na ideia de crescimento económico infinito, na prioridade do individualismo e da propriedade privada, no secularismo. Este modelo permitiu avanços tecnológicos impressionantes, mas concentrou os benefícios em alguns grupos sociais, ao mesmo tempo que causou e legitimou a exclusão doutros grupos sociais”. Ora, se nada se compreende como individualidade ou singularidade, se não se estabelece como elemento de uma totalidade; se uma visão imediata da realidade nos empurra para uma visão abstrata do mundo e da vida – o desporto pelo desporto significará sempre uma absolutização do parcelar, e portanto uma visão defeituosa, canhestra do “fenómeno desportivo”. Ninguém vale só por si, ou seja, ninguém é indissociável do sistema ecológico e do social e do cultural, em que o seu viver e conviver se determinam.
Portanto, o desporto, porque o individual nunca se encontra isolado, repito-me: “o desporto mais publicitado e propagandeado”, só poderá entender-se como parte de um todo, como elemento de um modelo civilizacional, de uma totalidade, quero eu dizer: a ordem neoliberal. É verdade que qualquer totalidade se apresenta como uma totalidade de contradições, que se movimenta precisamente porque essas contradições se movimentam, se entrechocam. Perdoem-me uma citação mais: “Pensar o real como totalidade corresponde, deste modo, à tomada de uma perspetiva sobre ele, que nos habilita, não só a melhor e mais adequadamente o poder refletir e, por conseguinte, o tornar inteligível, como igualmente a melhor e mais eficazmente poder atuar sobre ele” (José Barata Moura, Totalidade e Contradição, Livros Horizonte, p. 112). Mas pensar o desporto, como totalidade, impele-nos a falar do neoliberalismo mundializado e, porque uma totalidade se desenvolve pela força das contradições que lhe dão vida, outros modos de desporto deverão pensar-se também. Segundo um documento que o Vaticano há pouco publicou, “a pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, é mais importante do que o desporto. O ser humano não existe em função do desporto mas, pelo contrário, o desporto deve estar ao serviço da pessoa, tendo em vista o seu desenvolvimento integral” (Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, Dar o Melhor de Si, Paulinas, 2018, p. 62). Que o mesmo é dizer: o desporto que reproduz e multiplica as taras do neoliberalismo dominante deverá sofrer, o mais depressa possível, um corte epistemológico e uma transição paradigmática, começando pela resposta a esta interrogação: como deverá organizar-se o desporto à luz de novos valores? Quais são as condições de possibilidade de conseguir-se um acordo, entre o Ter e o Poder, relativamente à vivência de novos valores, no desporto, quando, como se sabe, os interesses mediáticos, económicos e políticos prevalecem sobre os demais? Afirma o Boaventura de Sousa Santos: “Uma coisa é certa, o tempo das grandes transições inscreveu-se na pele do nosso tempo”. Será que os desportistas ainda o não sentiram? Também no desporto é preciso que nasça um desporto novo!"