"Menino e moço, via siderado os programas de magia na televisão. Deliciava-me com os ilusionistas e os seus truques de pombas esvoaçantes e partenaires serradas ao meio, lenços infinitos tirados de cartolas sem fundo tão grandes que nelas cabiam ainda coelhos alvíssimos. De um momento para o outro estes mágicos de final da tarde desapareceram da televisão e deixaram atrás deles, na minha memória, um rasto de brilhantes, fatos resplandecentes e truques impossíveis. Não faziam desaparecer a Golden Gate ou um Jumbo, não namoravam com a Claudia Schiffer como o sombrio e enigmático David Copperfield, mas para mim serão sempre os verdadeiros magos, os primeiros e inesquecíveis.
Anos depois ainda devo ter visto dois ou três espetáculos do Luís de Matos, já sem aquele espanto infantil e crédulo de que todo o ilusionista precisa. Na semana passada regressei por instantes àqueles tempos de infância ao ver a atuação da dupla de mágicos nortenhos, Pinto da Costa e Fernando Gomes, que, após longas carreiras na gestão desportiva e na política, enveredaram agora pelo entretenimento. Estes dois artistas, corresponsáveis pelo misterioso e colossal buraco – o Grand Canyon das SAD – de 116 milhões de euros, proporcionaram um extraordinário espetáculo de variedades no qual, além de um número de magia, tivemos direito a ventriloquismo, malabarismo verbal e a um arriscadíssimo número em que, passeando na corda bamba, sacudiram em uníssono a proverbial água do capote.
Se eu não tivesse mudado de canal para acompanhar as eleições do Benfica, tenho a certeza de que teria sido hipnotizado por estes zandingas da circunvalação porque ao fim de cinco minutos estava convencido de que o astronómico prejuízo nas contas da SAD portista era, afinal, necessário e uma bênção que todos os portistas deviam agradecer porque revelava dotes de gestão incompreensíveis para os leigos que, muito leigamente, se assustam com a magnitude do número e são incapazes de ver os tremendos benefícios que o mesmo acarreta. Na conversa destes prestidigitadores, um prejuízo de 116 milhões passa, num passe de magia, de um facto catastrófico para um resultado invejável.
Quem os ouvisse a culpar a pandemia e o diabo a quatro e a festejar o investimento cirúrgico no plantel e o triunfo no campeonato e a contar com os ovos no cu da galinha da Champions ficaria com uma vontade súbita de abrir uma empresa só para sentir a adrenalina de perder 116 milhões de euros num exercício. Naquele momento não eram tanto como os mágicos da minha infância, mas como aquele capitão vaidoso do Costa Concordia a conduzir o navio alegremente para as rochas enquanto acena para as beldades em terra.
Mas eu não queria falar de mágicos nem de administradores nem de prejuízos. O que me interessa é como isso se reflete em campo. Hoje, os portistas, quando procuram figuras de referência que os animem e lhes permitam encarar os próximos tempos com otimismo, só têm Sérgio Conceição e Pepe. São eles os baluartes de uma ideia, de um modo de ser que já não tem respaldo na gestão financeira. O FC Porto simplesmente não pode continuar a viver como até aqui. O endividamento e os prejuízos têm limites, sobretudo neste período de pandemia e depois dos anos dourados do fácil financiamento bancário.
A sorte é que a paciência de Sérgio Conceição aparenta não ter limites. Qualquer outro treinador a quem pusessem sobre os ombros, qual Atlas, o peso brutal do futuro institucional e desportivo do clube já teria arriado a carga e partido em busca de um emprego menos tóxico. Mas, por muito que às vezes solte um tímido queixume, é inegável que Conceição gosta do desafio de fazer muito com pouco, de lhe atirarem para a bancada da cozinha uns ingredientes pouco nobres e com eles ter de criar uma receita capaz de alimentar várias famílias, mesmo que o sabor nem sempre seja requintado.
Há duas razões para essa atitude e que explicam a longevidade do treinador em tempos de grande instabilidade: a primeira é a personalidade amiga do atrito de Conceição, a segunda é a independência financeira. Tem sido esse o seu segredo, o seu truque de magia, para retirar o melhor de jogadores que se recusam a renovar com o clube ou que teriam justas expetativas de já ter saído. A presença de Pepe no balneário e em campo, um jogador cuja independência financeira e histórico recente lhe dão uma autoridade que só fica abaixo da do treinador, é outro ingrediente fundamental para dar coesão e força a um grupo com o tipo de jogadores que antes de saltarem para um grande costumam fazer um tirocínio em clubes como o Braga ou o Vitória de Guimarães.
Com as saídas de Alex Telles e Danilo – e veja-se como foram desvalorizadas, quase como se jogadores destes estivessem por aí ao virar da esquina – e a entrada de jogadores sem provas dadas e outros emprestados cujo grau de compromisso vai ser questionado a cada falhanço – e veja-se como a política desesperada dos empréstimos foi saudada como mais um golpe de génio dos mesmos produtores do buraco de 116 milhões – o que se pede este ano a Sérgio Conceição talvez esteja para lá do que é humanamente aceitável. Mas, para um homem da sua têmpera, não haverá melhor combustível do que o desafio de roubar um campeonato a um rival que se abastece nos supermercados gourmet enquanto o seu clube anda a escolher a dedo a fruta feia. Se chegar ao fim em primeiro – e seria uma estupidez pôr o Porto fora das contas – será a prova de que o maior ilusionista do Dragão não está nas cadeiras da SAD, mas no trono do banco.
PS: a consistência de resultados do Sporting de Rúben Amorim e, sobretudo, esta última exibição contra o Tondela, além do descanso proporcionado pela ausência das competições europeias, complicam os prognósticos sobre a corrida ao título (e não nos esqueçamos do Braga). Mas sobre este Sporting descontraído e descomplexado de Amorim falarei na próxima semana."
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