"Em Junho de 1960, o Mónaco, vencedor da Taça de França, visitou o Estádio da Luz para um jogo amigável. Vitória encarnada por 1-0, que podia ter sido por quatro ou cinco e um episódio caricato que indignou a imprensa da época.
Dificilmente outro clube vive com as vantagens deste Mónaco que cabe ao Benfica defrontar para a Liga dos Campeões.
Association Sportive de Monaco Football Clube: fundado em 1924, joga na liga francesa já que o Principado do Mónaco não está filiado na UEFA. Mas, ao contrário dos seus adversários de França, beneficia das facilidades fiscais de um paraíso do jogo. Uma injustiça sentida no seio do campeonato francês e que tem levado a acesas discussões.
Deixemo-las. É lá com eles... Mas assim se compreende mais facilmente os negócios de gente como Dimitri Rybolovev, patrão russo dos monegascos.
A história europeia do Mónaco é pobrezinha. Duas finais das competições da UEFA frente aos felizardos Werder Bremen e FC Porto, na Taça das Taças e na Taça dos Campeões, e viva o velho! Oficialmente, nem um jogo com o Benfica, pelo que assistimos a uma estreia.
O que nos faz viajar hoje até 1960. 16 de Junho 1960.
O Mónaco veio a Lisboa, ao Estádio da Luz, defrontar os encarnados num encontro particular. Que tal falarmos deles? Em termos de embates entre ambos é do melhor que se arranja. Nesse ano, os rapazes do Principiado tinham conquistado a Taça de França. No ano seguinte seriam campeões. Tinham alguns nomes que fizeram história no futebol gaulês. Ora vejam: George Casolari - defesa que cumpriu onze épocas no clube; o médio Henry Biancheri; Michel Hidalgo - figura do grande Satde de Reims e que, mais tarde, como treinador levou a França ao título de campeã da Europa em 1984; Raymond Kaelbel - central com 35 internacionalizações, titular no Mundial de 1958, no qual a França atingiu o terceiro lugar. Enfim, gente de inegável qualidade.
Um atendado à «delicatesse»
Mas a imprensa da época, não poupou críticas aos monegascos. O domínio do Benfica foi tão intenso, tão continuo, que, a despeito do ritmo do encontro, ficaram os portugueses a dever a si mesmo mais um rosário de golos. José Augusto, Santana, Águas, Coluna e Cavém formavam a linha ofensiva. Santana e Coluna eram adjectivados de infortunados, tais as oportunidades perdidas. Fernando Soromenho, um dos nomes grados da imprensa da altura, sublinhava: «O Benfica ganhou muitíssimo bem, além de que em todas as circunstâncias soube vincar um aprumo e uma compostura que contrastou sobremaneira com a inexplicável má-criação dos monegascos que atingiu as raias do cúmulo quando um suplente (por sinal Carlier, que fora substituído no princípio do segundo tempo), entrou em campo sem autorização do árbitro e foi interferir numa jogada de ataque da sua equipa. O mais curioso é que o citado elemento saiu do banco onde costumam sentar-se os dirigentes e o treinador. Uma tristeza que se lamenta e que é um atentado contra a proverbial 'delicatesse'. A cena, inédita, era digna de uma fita cómica, que bem poderia ter intérprete, por exemplo, Fernandel. As gargalhadas das plateias seriam idênticas às que ecoaram ontem no Estádio da Luz».
O Benfica ganhou como já se percebeu. Por 1-0, golo de Santana aos 26 minutos. «A diferença de quatro ou cinco bolas estaria mais certa», insistia o mesmo Soromenho. Só que o vento do futebol nem sempre bafeja com a fortuna aqueles que por ela porfiam. Ficaram os jogadores encarnados a dever golos a si próprios e ao público que acorreu ao estádio. Na segunda parte, a troca de Águas por Torres e de Coluna por Mendes não aprimorou a dinâmica do conjunto. O Mónaco, esse, desiludiu em jogo e em compostura. Um grupo de «príncipes» mal educados estragou a noite de Lisboa.
Já se passaram 54 anos sobre o episódio. Outro Mónaco está à beira de visitar a Luz. E as estórias continuam a iluminar a História."
Afonso de Melo, in O Benfica