"1. Eto’o resolveu jogar “à cabeça” em vez de jogar “à bola” com um jogador do Chievo. Os árbitros não viram e o jogador do Inter de Milão permaneceu em campo no último jogo. Chegou depois a punição: 3 jogos de suspensão, por agressão sem bola. Suárez, a estrela do Ajax, jogou “à dentada”. O árbitro não viu; propõe-se um castigo de 7 jogos. Nada de novo: lá fora sabe-se com o que se conta. Ninguém fará “campanhas de rua”, “manifestações nos jornais” nem “perseguições aos julgadores”. Haverá contrição dos jogadores e censura dos clubes, que não admitem que os descontrolos de jogadores deste calibre gerem prejuízos desportivos – por iniciativa própria, o Ajax afastou logo Suárez por 2 jogos, e não vai contestar. Lá sabe-se bem de que lado está a credibilidade do jogo e o exemplo “social” dos seus protagonistas.
2. E cá, como seria? Os jogadores seriam alvo da instauração de processo sumaríssimo por “conduta grave” e atentatória da integridade física do adversário e da ética desportiva. A Comissão Disciplinar (CD) vê as imagens televisivas, assegura-se que os árbitros não viram o lance e propõe um castigo; ao jogador é proporcionada a defesa; se o jogador prescindir do exercício desse contraditório, a proposta converte-se em castigo definitivo; se o jogador exercer a sua defesa, a CD proferirá depois decisão final.
3. Nas últimas 4 épocas da Liga profissional, o processo sumaríssimo foi reconduzido ao seu lugar de expediente residual para castigar comportamentos fora da disputa de bola, que a equipa de arbitragem não apreciou (pois, em regra, estará a acompanhar o movimento da bola). Antes, o procedimento sumaríssimo não tinha sido bem aplicado nem sequer explicado por quem decidia; inevitavelmente acabou manipulado como “arma de arremesso” semanal dos clubes e dos especialistas em “replay”. Por tudo se pedia sumaríssimo e se criavam suspeições; por nada se percebia o alcance restrito de um mecanismo sadio para a ética do jogo.
4. Em boa hora, os clubes da Liga deliberaram, em 2007, a modificação do Regulamento Disciplinar que veio clarificar esta modalidade de sumaríssimo: “Quando se verifique que a equipa de arbitragem não sancionou conduta que constitua risco grave para a integridade física dos agentes ou grave atentado à ética desportiva exigida aos intervenientes no jogo, desde que se demonstre que a equipa de arbitragem não tenha observado e avaliado essa conduta”. Só nestes casos a CD pode intervir, pois se o juiz de campo viu e avaliou é dele a decisão soberana. Ficou límpido – mas só para quem quer e “sabe” ler – que não compete ao julgador desportivo ser “5.º árbitro” e corrigir os erros de arbitragem. Ainda que os árbitros tenham decidido sem correção, pois nada sancionaram ou sancionaram mal (por ex., mostrou-se amarelo em vez da expulsão).
5. Os sumaríssimos reduziram-se drasticamente, ainda que, por vezes, à custa de uma má decisão do árbitro. Sem deixar de prevenir, no futuro, condutas análogas nas tais “situações-limite”. A diferença é que, no presente, o “crime”, mais ou menos grave, compensa: 1 jogo é a “fatura” comum da tabela de castigos da Liga…"
Ricardo Costa, in Record