Últimas indefectivações

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

... e, contudo, uma semana com tudo

"Já em Setúbal, o Sporting provou da 'cicuta' de que tanto beneficiou na primeira volta.

Cada qual com a sua ó(p)tica
Sobre o Benfica - D. Chaves, e em síntese: vitória categórica, ensombrada, todavia, pela grave lesão do croata Krovinovic, que muita falta vai fazer nesta fase crucial do campeonato. Que solução para a sua difícil substituição é o que agora pergunto ansiosamente, ainda a dias de fechar o 'mercado de Inverno'?
Depois das manobras de toda a espécie em que esta época tem sido fértil, e neste período em que o Benfica tem jogado com classe e vencido com indiscutível merecimento, eis que surge na coligação entre Campanhã e Lumiar uma nova inventona: a de que nos jogos contra o SLB, os opositores 'facilitam' (tenho de pôr entre aspas, por respeito a estes clubes), jogam pouco, começam vencidos, etc. Sporting de Braga e Tondela foram os alvos preferidos. Abel Ferreira já respondeu categoricamente aos insultos (aqui sim, sem aspas). No caso do Tondela lá tiveram de engolir (saborosamente, claro) um infeliz lance e assistência de um defesa tondelense para o golo solitário do FCP. Ai se fosse com o Benfica, o que já estariam a expelir nas redes sociais os que insinuam aparvalhadamente que a vida tem sido facilitada ao meu clube!
Já em Setúbal,o Sporting provou da 'cicuta' de que tanto beneficiou na primeira volta (contra o mesmo Vitória, com um penálti discutível, Rio Ave, Braga, Feirense...). Percebo a frustração, mais do que justificada. Já não percebo a atitude de Fábio Coentrão. Ou melhor, compreendo toda a sua fúria própria de um adepto fervoroso (como ele disse, «sou um homem e não uma máquina»). Mas não compreendo que um profissional que já passou por grandes clubes não seja capaz de se controlar e de evitar cenas impróprias. É também para isso que ele e outros são pagos e peso de ouro. Dir-se-á «Coentrão mostra a sua força"»... tudo bem, como excelente jogador que é, mas tudo mal dando cabo de propriedade alheia e insultado o árbitro sem qualquer razão.
Parece estar na moda que árbitros sejam complacentes para com atitudes indignas ou precipitadas de jogadores. Há pouco tempo, foi Brahimi que, com um gesto indisfarcável, nao a quente, e a um metro do árbitro Artur Soares Dias, lhe sugeriu que não estava bom da cabeça. Punição: zero. Agora foi Coentrão que, a centímetros de cara de Fàbio Veríssimo (sempre tão garboso a mostrar cartões), lhe atirou com impropérios que se podiam bem ler nos lábios do jogador, já depois de ter levado um cartão amarelo por pontapear a bola para o quintal. Punição: zero. O quarto árbitro deve ter visto o rombo no banco de suplentes ainda com o jogo decorrer. Punição: zero. Já agora, noutro plano, Mathieu fez o penálti assinalado sobre Edinho que estava isolado. Punição: cartão amarelo, em vez de vermelho. Ai se isto tudo fosse com o Benfica, o que já teriam dito os doutos chefes das propagandas verde e azul!
Nesta altura, lembro-me de mais uma das muitas tolices do chamado Acordo Ortográfico. É que óptico (relacionado com a vista) perdeu, coitado, o p e passou a ótico. Tal e qual se escreve ótico (dos ouvidos). Alguém que se apresente com um problema ótico, logo se porá a questão se tem de ir ao oftalmologista ou ao otorrinolaringologista...
Com os casos atrás citados, percebi, finalmente, a utilidade ao AO. Os árbitros em causa têm problemas óticos, não há dúvida: um, ótico do olho, o outro, ótico do ouvido. E o VAR esse tem problemas óticos, simultaneamente do olho e da orelha. Uma verdadeira enfermeira arbitral, oticamente falando!

De repente tantos especialistas
Toda a expertise em sobressalto. Para todos os gostos e para todas as possibilidades de decisão. Engenheiros civis, mestres de obras, supervisores, geólogos, técnicos hidráulicos, juristas, jurisconsultas, especialistas em direito desportivo, dirigentes federativos, treinadores, encanadores, sismólogos, fiscais de obras, técnicos municipais, pedreiros, projectistas, amadores, ambientalistas. Não faltou sequer a sentença definitiva do novo técnico de estruturas cimenteiras que costuma falar às terças-feiras, no Canal Porto. Um rodopio,ao qual só faltou o emplastro. horas e horas a fio, entre comentadores encartados a encarreirados pela imagem mil vezes repetida de uma sanita em modo inactivo. Avisadamente, o Conselho de Estado, que reuniu na passada sexta-feira, não se pronunciou sobre o assunto. Finalmente, calaram-se veio o ditame do LNEC.
Assim vai o nosso querido futebol. De caso em caso, até ao acaso (ou será ocaso?). «Queremos ganhar no campo», dizem em uníssono os novos paladinos da verdade desportiva. Mas - hélas! - 'há os regulamentos», afirmam quase com um ar compungindo, embora sempre acompanhado de um cínico e falso «Ganhar na secretaria? Jamais!»
Neste caso do Estoril, será que, para os mesmos pensadores, os regulamentos seriam interpretados de igual modo se o resultado dos primeiros 45 minutos fosse 0-1 e não 1-0?
Há, aliás, um aspecto que continuo a não entender: por que razão se falou agora tanto de um nexo de causalidade (?) entre a interrupção do jogo e a responsabilidade do clube visitado e nunca o ouvi invocar quando as torres de iluminação deixarem de funcionar em alguns jogos. Ainda há duas semanas no Feirense - Vitória de Setúbal isso aconteceu, pelo que o jogo - o jogo, repito - não podia realizar-se às escuras. Mas, claro, não houve polémica, porque não estava nenhum 'grande' em causa...
Agora deve seguir-se a parte B desta novela: jogar ou não no campo do Estoril, depois, aliás, de a temerosa e obediente Liga não ter tido os regulamentos no sítio, ou seja, não ter sido capaz de impor o que neles está previsto: continuação do jogo nas 30 horas seguintes.


Afinal, Estoril e Vitória têm campos grandes!
Depois de ter lido a crónica de Miguel Sousa Tavares sobre a dimensão dos estádios em Portugal fiquei, com acrescida curiosidade, em pesquisar sobre o assunto. Para isso servi-me dos Cadernos de A Bola 2017/18 e - confesso - tive algumas surpresas. Como se pode ver no quadro, o maior relvado é o do velhinho Bonfim (em área e comprimento) e os dos 3 grandes todos com a mesma dimensão (tal como o Marítimo), só surgem na 6.ª posição, atrás do agora tão badalado e considerado na crónica referida como um campo pequeno, o Estádio Coimbra da Mota. Aliás, este juntamente com o Restelo e o Bessa até são os campos com maior largura! Se exceptuarmos os campos do Aves, Chaves, Feirense e Portimonense, o tamanho não tem grandes variações.

Ou seja, não é por aqui que a situação se pode considerar prejudicial para o futebol jogado. Já o mesmo não se pode dizer de outras condições, a mais notória das quais é o estado de alguns relvados, ainda que registando melhorias face a épocas transactas.

Dimensões dos relvados
1.º V- Setúbal, 7383 m2; Comp. 107m; Larg. 69m
2.ª Belenenses, 7350 m2; 105m; 70m
3.ª Boavista, 7350 m2; 105m; 70m
4.ª Estoril, 7350 m2; 105m; 70m
5.ª V. Guimarães, 7208 m2; 106m; 68m
6.ª Benfica, 7140 m2;m 105m; 68m
7.ª FC Porto, 7140 m2; 105m; 68m
8.º Sporting, 7140 m2; 105m; 68m
9.ª Marítimo, 7140 m2; 105m; 68m
10.ª Tondela, 7140 m2; 105m; 68m
11.ª SC Braga, 7035 m2; 105m; 67m
12.ª Moreirense, 7035 m2; 105m; 67m
13.ª P. Ferreira, 7020 m2; 104m; 67,5m
14.ª Rio Ave, 6930 m2; 105m; 66m
15.ª Feirense, 6630 m2; 102m; 65m
16.ª Portimonense, 6592 m2; 103m; 64m
17.ª Chaves, 6500 m2; 100m; 65m
18.ª Aves, 6400 m2; 100m; 64m

Contraluz
- O título que falta: A Taça da Liga
FCP e SCP vão lutar pela final da competição que sempre 'enjeitaram', mas que agora visam conquistar pelo seu irradiante significado competitivo. Seria bom fazer-se uma compilação do que disseram sobre a mesma quando o Benfica conquistou as já suas 7 Taças...
- Assistência: 55.952 espectadores
É a média registada pelo Benfica em 2016/17 e que, segundo o mais recente relatório da UEFA, está no 12.ª lugar europeu e no 1.º lugar se excluirmos as ligas britânica, alemã e espanhola. No jogo do passado sábado estiveram quase 58.000 pessoas na Luz!
- Frase: «Prefiro ser um bom homem a um bom treinador»
Assim reagiu o treinador do Sporting de Braga Abel Ferreira às diatribes e insinuações maldosas de colegas da mesma profissão. Muito bem!"

Bagão Félix, in A Bola

'Supernanny'

"1. «Ele (Manuel Fernandes) foi o pior funcionário que já vi no Sporting».
Bruno de Carvalho, 19-09-2014
«Mas quem és tu meu labrego (Rodolfo Reis) para chamares, lambe-rabos a uma figura do futebol português como o Manuel Fernandes?»
Bruno de Carvalho, 16-01-2018
2. Há cada vez mais estrangeiros na Liga Portuguesa. Nada contra, não sou xenófobo, mas questiono: quantos deles são melhores do que os portugueses? O que vale é que Bruno de Carvalho tem cumprido a promessa de maior aposta na formação (no intervalo da compra de estrangeiros) e Luís Filipe Vieira tem cumprido a promessa de não vender mais pérolas do Seixal (Embaló foi o último antes do próximo).
3. Desde a primeira hora que se percebeu que o FC Porto ia tentar ganhar na secretaria o jogo que estava a perder no campo com o Estoril, ao intervalo. Até Sérgio Conceição alinhou (tive esperança que não o fizesse...). Claro que há regulamentos, e para todos os gostos e sentidos de oportunidade. O regulamento da chico-espertice é o meu preferido. E se o FC Porto estivesse a ganhar 5-0?
4. Em primeiro lugar, após Fábio Coentrão dar cabo do banco de suplentes do V. Setúbal, alguém tinha de lhe ter passado de imediato um telemóvel para ver a extensão dos cortes nas mãos. Em segundo lugar, este é claramente um caso para a supernanny.
5. Uma má e uma boa notícia para os adeptos do Benfica, respectivamente: a lesão de Krovinovic (não joga mais esta época) e a saída de Filipe Augusto (não estorva mais esta época - nem na próxima, se não foi devolvido). Entre erros (sobretudo) e azares do tamanho de uma onda gigante da Nazaré, o Benfica, que continua sem reforços, lá vai surfando na Liga a dois pontos do FC Porto (menos um jogo mas está a perder ao intervalo) e a um do Sporting. Quem diria.
6. Apenas uma palavra para a conferência de imprensa de Abel Ferreira, treinador do SC Braga, antes do jogo com o Portimonense: chapeau!"

Gonçalo Guimarães, in A Bola

A importância da Taça da Liga

"Foi preciso chegar à 11.ª edição para que a Taça da Liga tivesse um reconhecimento generalizado. Mais vale tarde que nunca. Porque se trata de uma competição que se estranha nas primeiras fases, mas que se entranha na hora das grandes decisões. E hoje o país desportivo está suspenso da meia-final entre Sporting e FC Porto, jogo de onde sairá o principal favorito a vencer o troféu. Deve lembrar-se, contudo, que V. Setúbal, SC Braga e Moreirense já foram capazes de contrariar a lógica e levar o caneco, que já foi depreciativamente chamado de Taça Lucílio Baptista e Taça da Cerveja, para casa. Hoje, felizmente, ninguém diz que está em disputa a Taça do Código Postal, e é com muito agrado que se constata o respeito merecido com que esta competição já tratada.
Jorge Jesus (vencedor deste troféu em cinco ocasiões, quando estava no outro lado da segunda circular) e Sérgio Conceição não fizeram segredo de que vão colocar a carne toda no assador, não só porque querem marcar território numa competição particular entre leões e dragões que tem hoje apenas o primeiro de quatro episódios emocionantes já agendados, mas também porque os clubes que lideram não têm levantado muitos troféus nos últimos anos. Daí, também, a importância que é dada a esta meia-final, uma forma de poder vir a dar uma alegria a adeptos que muito têm jejuado.
Mas o que importa sobretudo salientar, ao dia de hoje, é que estamos perante uma mudança de paradigma relativamente a uma prova que foi mal-querida por muitos durante demasiado tempo, por razões de mera conjuntura táctica, mas que se vê agora amplamente reconhecida."

José Manuel Delgado, in A Bola

Pizzi...

A linha virtual do fora de jogo

"O debate sobre se um jogador está 10 centímetros em fora de jogo ou não, foi uma das questões que a implementação do projecto do videoárbitro (VAR) acentuou no nosso futebol. 
Todos os fins-de-semana vemos acesas discussões por causa de um golo que foi precedido por uma situação em que uns argumentam que o jogador estava em linha com o penúltimo adversário e, outros, defendem que o jogador estava adiantado. A segunda fase da discussão já envolve a tecnologia ou a falta dela: “A linha virtual está mal colocada!”; “Porque é que não há linha virtual neste lance?”; “O VAR não tem acesso às linhas virtuais da transmissão televisiva! Porquê?!”.
As linhas virtuais são, assim, uma das figuras do futebol português actual. E, se o são, também eu quero falar sobre elas.

Quem coloca a linha?
As linhas virtuais que vemos nas transmissões são colocadas pelos técnicos da empresa que em Portugal está responsável pela captação das imagens dos jogos. SportTv e BenficaTv, canais que transmitem jogos da Liga NOS, utilizam o mesmo fornecedor.
Importa, no entanto, esclarecer que a opção de colocar ou não no ar a imagem com essa linha, já é de responsabilidade do canal que transmite o jogo. É uma opção editorial.

Como colocar a linha?
Existe uma diferença importante relativamente à posição em que uma linha virtual é colocada e à forma como um fora de jogo deve ser analisado.
As linhas devem ser sempre colocadas nos pés do penúltimo defensor (normalmente o guarda-redes é o último), mais concretamente, no pé que esteja mais próximo da linha de baliza. Mesmo que o defensor tenha o tronco mais perto da linha de baliza, será no pé que a linha é colocada pois, estando o pé no chão ou perto deste, é a forma que garante não haver uma colocação errada da linha. Já para a análise ao fora de jogo, importa olhar e considerar a parte do corpo, com excepção dos braços e mãos, que está mais próxima da linha de baliza.
Havendo esta diferença, entre a possível colocação da linha virtual e a análise da parte do corpo a considerar para o fora de jogo, é importante estarmos cientes de que as linhas virtuais servem como ajuda à tomada de decisão e não como carimbo final. Muitas vezes um atacante aparece ligeiramente adiantado relativamente à linha (colocada no pé do defesa) e poderá estar a ser colocado em jogo pela cabeça desse mesmo defesa que está inclinado na direcção da sua baliza.

Em que momento colocar a linha?
Alguns centésimos de segundo são o suficiente para um jogador, em corrida, avançar alguns centímetros no terreno de jogo. O acto de tocar/chutar a bola para um colega também demora apenas alguns centésimos de segundo. Pela importância que a análise, ao centímetro, dos foras de jogo tem vindo a tomar, o International Board veio esclarecer, no passado mês de Setembro, que o momento de avaliação do fora de jogo é aquele em que o pé (ou outra parte do corpo que possa contactar legalmente com a bola) inicia o contacto com a mesma para efectuar o passe. Assim, a colocação das linhas virtuais deve, também, acontecer no momento em que o pé do colega que passa a bola começa a contactar com esta e não quando a bola começa a sair do pé. São dois ou três frames de diferença que, como já temos visto esta época, podem fazer toda a diferença.

E o VAR, quanto terá linha virtual para ajudar à decisão?
Existem ainda muitas dúvidas sobre a fiabilidade da colocação de linhas virtuais. As medidas exactas dos campos e o tipo de lentes usadas para filmar os jogos são duas variáveis que podem fazer toda a diferença na precisão e fiabilidade da colocação das linhas virtuais.
A FIFA convidou, em Outubro passado, algumas empresas para, num jogo da Bundesliga, demonstrarem e testarem as suas diferentes tecnologias de aplicação das linhas virtuais. Estes testes demonstraram que existem várias empresas e tecnologias capazes de, com um elevado grau de precisão, aplicar estas linhas de diferentes ângulos. Com estes resultados positivos, ficou decidido que se iriam fazer mais testes, e de forma mais ampla (em mais jogos) para validar e certificar estas tecnologias. É seguro dizer que, em breve, o VAR poderá apoiar-se nas linhas virtuais para ajudar a verdade desportiva."

Aceite: o seu clube já precisou mais de si

"Na última semana passou mais ou menos despercebido, entre o tradicional ruído em torno do futebol português, um estudo da UEFA que limitava a 14 por cento a importância da bilheteira no bolo das receitas dos clubes portugueses. Menos de metade dos direitos televisivos, por exemplo, e menos de um quarto se juntarmos aos direitos as receitas da UEFA e da publicidade.
Aquela velha máxima do «Pago as minhas quotas, tenho direito a» já fez muito mais sentido. A verdade é que, nos dias que correm, os adeptos que pagam o futebol não são os que vão ao estádio, mas os que ficam em casa a ver na televisão.
Aceite: o seu clube já não precisa assim tanto de si.
Claro que há o valor sentimental e um estádio cheio dá imagens bem mais bonitas na televisão que, efectivamente, paga os ordenados aos craques que alimentam os seus sonhos. Naturalmente, não há, também, comparação sequer entre o grito de golo em casa ou no café ou em conjunto com milhares de outras pessoas com o coração tão cheio quanto o seu. Mas já é quase só isso. O resto é merchandising, que galga terreno ano após ano.
E a somar a esta realidade que começa a ser comum em todo o mundo, há a particularidade de a paixão pela bola em Portugal ser tripartida. O que leva a que, com uma ou outra excepção, o grosso dos clubes estejam condenados a ser aquela invenção tão lusitana que dá pelo nome de «segundo clube». Ainda recentemente num Tondela-Rio Ave vi cachecóis do Sporting na bancada. O frio e a cor não justificam tudo.
A verdade é que estamos numa era em que se aceita de bom grado que os clubes fechem os jogadores em redomas, limitem o contacto às formais sessões de autógrafos, moldem os seus discursos a ponto de praticamente não se extrair qualquer sumo e ainda limitem as intervenções ao mínimo aceitável. Os adeptos abdicaram do contacto com os ídolos porque foram convencidos que é isso o que é preciso para ganhar. Festejam vendas milionárias, resultados líquidos positivos, comentam percentagens de passes, falam de direitos económicos e injecção de capital como se fossem golaços, dribles incríveis, momentos para a eternidade.
Mas permitem tudo isso só ao «primeiro clube».
Sou eu que digo? Não, são os números de outro estudo. Este coloca, por exemplo, a II Liga portuguesa no penúltimo lugar na média de audiências dos campeonatos europeus. Menos de mil pessoas por jogo. Qual é o lado curioso? É que essa média não é muito diferentes de alguns clubes da Liga nem de alguns clubes de escalões mais abaixo. Qual é o dado perigoso? É que esses são os clubes onde o dinheiro que entra dos adeptos ainda faz bastante falta.
O que faz, então, com que um clube do terceiro escalão português possa ter assistências que rivalizem com alguns do primeiro? O espírito. Enquanto nas Ligas profissionais se tenta ser grande em ponto pequeno, nos outros escalões há muitos clubes pequenos, com alma gigante. Históricos como o Sp. Espinho, o Farense, o Fafe, o Torreense e tantos outros.
Se a maior parte do adepto português tem coração para dois clubes, também me parece óbvio que quer que sejam diferentes. Se ao dominador aceita quase tudo, mesmo que este já só precise dele, praticamente, para decorar o estádio, para o «segundo clube» tem duas opções: ou vai ao estrangeiro, impulsionado pela globalização, sobretudo se tiver nascido perto ou para lá do ano 2000 ou então é alguém sedento e que quer beber o espírito da bola. Da conversa, da família, da bifana, da cerveja, da frustração descarregada no senhor do apito. Porque isso, claro, não muda seja qual for o campo. Ou o país. Conhecem o United of Manchester, por exemplo?
Numa altura em que os pequenos querem ser grandes nos trejeitos e nos modos, não espanta que as pessoas fujam, então, para lugares ainda mais modestos e alguns clubes do terceiro escalão e mais abaixo ombreiem na bilheteira com os menos fortes da Liga e II Liga. Porquê? Sentem-se importantes, integrados, membros da família. Convivem com os craques, falam deles como irmãos, sentem-se em casa no estádio.
A bola está do lado dos outros. Se, por um lado, segreda-se ao ouvido do adepto que ele é significa tudo, por outro arranja-se de tudo para o afastar cada vez mais. Já nem o dinheiro é assim tão importante, porque há outras torneiras bem mais fluídas.
Um clube de futebol sem adeptos parece ridículo mas é cada vez mais possível. Contudo, é como o descafeinado: parece café, sabe a café, mas não me venham dizer que é café."

O fim dos fora-de-jogo

"Da água, entre tanto dela, gosto da teimosa resiliência em se infiltrar. Dá problemas como a humidade nos tectos mas é uma lição de vida. A água sabe levar a água ao seu moinho. Podendo também ser radical e violenta, ela prefere ser reformista - diminuiu os estragos e garante melhor as conquistas.
Estou a falar, outra vez, da luta das mulheres para entrarem nos estádios de futebol em certos países islâmicos. Há dias, escrevi sobre o primeiro jogo com mulheres nas bancadas, na Arábia Saudita - tímida concessão arrancada ao governo local. Hoje, volto ao assunto vampirizando um blogue, Nouvelles d"Iran (Notícias do Irão), publicado na edição online do jornal francês Le Monde.
Os dois colossos do islamismo conservador, sunita (o saudita) e xiita (o iraniano), confrontados pela mesma luta de rebeldes por pequena causa. É exactamente a modéstia da reivindicação que torna o combate fascinante - a humildade sublinha demasiado a tolice dos guardiões do templo.
Há alguns anos vi o filme Offside, do realizador iraniano Jafar Panahi. O enredo, apesar do sugerido pelo título, não se passava na grande área mas, isso sim, nas bancadas onde um punhado de raparigas fugia dos polícias. Elas estavam fora-de-jogo e isso era-lhes insuportável. A palavra de ordem era "golo!", conquista que elas queriam no lugar certo para o grito simples e os olhos incendiados.
Uma dúzia de anos depois do filme, continua em vigor a proibição de as mulheres frequentarem estádios, imposta pela involução dos ayatollahs, em 1979. O blogue Nouvelles d"Iran foi desencantar a jovem Shabnam que se mascara de rapaz para entrar no estádio da sua cidade, Ahvaz, no Sul do país. Ela escurece a face como se tivesse barba e põe um boné de pala na cabeça. Reparem na pobreza dos sinais de clandestinidade: é bom sinal. À volta de Shabnam, os homens reconheciam-na como mulher e não a denunciaram. Jogo visto, ela divulgou as fotos da sua conquista do Palácio de Inverno...
É bonito ver os poderes duros a ser vencidos por vontades suaves como a água."

Em busca da “arma secreta” no mercado de transferências (parte 2)

"O que diferencia um futebolista de topo dos demais? “Aquele” que servirá as necessidades da equipa, fazendo um “match” perfeito com a mesma?
Estejamos a falar de atletas com uma carreira já consolidada ou de jovens promessas, os primeiros critérios que virão à cabeça de qualquer apaixonado(a) pela modalidade (e até de alguns especialistas) passam sempre por aspectos como a força, a velocidade, o domínio de bola, a capacidade técnica e táctica, correto?
Errado.
De facto, segundo o neurocientista Vincent Walsh, da University College London, as razões que levam um atleta a perder (logo, ter níveis inferiores de desempenho) nada têm a ver com aspectos do domínio físico, técnico ou táctico, mas sim por razões psicológicas.
Segundo este investigador, poucas actividades serão tão exigentes no que respeita à performance psicológica (e à exigência em termos do funcionamento cerebral), do que a de um futebolista de topo (colocando-se de lado o caso dos soldados de guerra).
Por outras palavras, os jogadores têm uma carreira de treino de competências de quase 20 a 25 anos, necessitando de uma boa memória para a contínua aprendizagem de esquemas técnicos e tácticos, de tomar decisões em segundos e de uma enorme capacidade de antecipação, enquanto, em paralelo, precisam ter elevados skills de resiliência, para lidar com a derrota, o erro, a avaliação negativa de colegas, treinadores, dirigentes, adeptos e imprensa... numa base semanal.
Também por esta razão (e fazendo um pequeno “desvio” da questão central deste artigo), os estudos associados ao sono e à fadiga mental defendem que os atletas devem ter uma quantidade significativa de descanso cognitivo, antes de uma competição exigente, privilegiando o repouso e evitando qualquer actividade de carácter cognitivo (ex: jogos de computador) antes do mesmo, para manter “intactas” as suas capacidades mentais e físicas para o jogo.
A literatura da especialidade tem corroborado este tipo de evidência, fundamentando que os jogadores de elite tendem a ser psicologicamente mais hábeis, com elevada capacidade de autocontrolo e de manter os níveis de atenção e a capacidade de reacção por tempos mais longos (quando comparados com outros atletas que não do alto-rendimento).
Então, se quando falamos de “top performance”, os critérios de diferenciação são, maioritariamente, psico-emocionais, em que ficamos?
Internacionalmente, desde há algum tempo que os grandes clubes se socorrem dos seus departamentos de análise de jogo para recolher variáveis comportamentais que tenham a ver não só com o comportamento motor e desportivo, mas também com algumas variáveis psicológicas iminentemente associadas ao sucesso desportivo, como sejam a capacidade de tomada de decisão, a determinação, a capacidade de resistência à frustração, o autocontrolo sob pressão e o espírito combativo, entre outras.
Aliás, em terras germânicas, acaba de ser anunciado o investimento de mais de 110 milhões de euros na construção de uma nova academia (Deutscher Fußball-Bund) que pretende ser o “projecto do século”, onde serão recolhidos todos os dados de informação acerca da modalidade (incluindo variáveis como a “vontade de vencer”), recorrendo aos mais inovadores métodos de recolha e análise de performance (na sua completa multidimensionalidade).
Este tipo de trabalho resulta de uma parceria estreita entre analistas de jogo e psicólogos, uma vez que uns são especialistas em recolher informação de forma objectiva e os segundos em traduzir (cientificamente) variáveis psico-emocionais em dados comportamentais que possam ser recolhidos pelos primeiros.
Por enquanto, e por terras lusas, a análise de desempenho tende a ser usada principalmente para a equipa técnica, no sentido de avaliar a performance da equipa e fornecer feedback aos jogadores, no que respeita a um conjunto de ações técnico-táticas pré-determinadas.
Algumas equipas mais evoluídas procuram usá-la como ferramenta de recrutamento, contudo suportando apenas dados de desempenho desportivo e não psico-emocional (muitas vezes, retirados apenas através da “intuição” do treinador), perdendo-se toda a possibilidade de produção de informação de relevo (através da análise de dados comportamentais), no que respeita ao perfil psicológico do atleta, que deveria validar (ou não) a decisão de contratação. 
Encontrar a dita “arma secreta”, num mercado como o de Janeiro, que espera de um jogador uma capacidade de adaptação quase imediata, traduzida na produção de um rendimento de nível superior, transforma-se, desta forma, numa espécie de “lotaria”, quando os clubes não detêm este tipo de informação e conhecimento cientifico e, paradoxalmente, numa oportunidade para psicólogos e analistas de jogo fazerem uma parceria de sucesso.
Em suma, com mais ou menos tecnologia, mais ou menos suporte financeiro, a multidisciplinariedade que deve assessorar o processo desportivo de uma equipa tende a tornar-se cada vez mais abrangente e completa, devendo os diferentes especialistas (equipas médicas, fisiologistas, psicólogos, analistas de jogo, entre outros) serem capazes, eles próprios, de actuar em equipa, na produção de informação relevante, que suporte a contratação e a optimização de todas as variáveis associadas a um desempenho de excelência."

Desporto, previsões e esperanças

"Há homens notáveis que se enganam em relação às previsões que fazem mas... como, seres humanos, erramos!

Camões, foi de facto um génio, tão grande, que levou alguns filólogos, a admitir que não teria sido possível uma só pessoa a escrever aquela “obra” já que tal implicava uma capacidade intelectual, e “artística”, dez vezes superior ao Nobel Saramago, o tal sem pontuação!
Já o mesmo disseram, anos mais tarde, de Júlio Verne, tal a premonição espantosa de coisas que vieram, de facto a acontecer, mas aqui com uma grande diferença: Camões foi um péssimo “futurologista”, já que disse, em 1580, ano da sua morte, que “morria com a Pátria”, mas ... enganou-se por que “Ela”, se é que morreu(?), ressuscitou em 1640, ano em que recuperámos a nossa independência, que esteve, sessenta anos, “congelada”. Obrigado Catalunha!
Isto para dizer que há homens notáveis que se enganam em relação às previsões que fazem, mas ..., como seres humanos, erramos! Mais a mais, não sendo notáveis...
É de facto difícil “projectar” o futuro quando temos que confiar tal tarefa, a algumas pessoas, com pouca capacidade intelectual, moral e cívica, como governantes, ou seja, quando são eles a decidir e a projectar o nosso futuro e a dispor do nosso dinheiro, através dos impostos.
Como dizia Max Cunha, no século passado, “é preciso ter muita categoria para ser dirigido por pessoas com pouca ou nenhuma categoria”.
Por isso, e daqui, ser difícil perceber o que vai acontecer no futuro, mas podemos dizer como gostaríamos que ele fosse, ou seja, que a educação fosse, de facto, a prioridade do Governo, como aliás foi anunciado, porque é o futuro do País que está em causa.
Gostávamos que fosse possível ouvir a opinião das pessoas mais avisadas, da nossa sociedade, em questões ligadas à educação através do movimento, a que muitos, por ignorância, chamam desporto. 
Não se trata de as convidar para os “tachos”, porque esses obviamente são para a “clientela” dos partidos, que salvo raras excepções, ainda sabem pouco e por isso, precisam da opinião daqueles que já têm cabelos brancos, ou seja, maturidade e experiência, para fundamentar as medidas necessárias a implementar, sem as quais o que haverá é involução ao invés da evolução necessária ao progresso.
É essa cultura que ainda não chegou ao Ministério da Educação e não só, que traduz uma certa forma anti-social e até pouco democrática, porque pouco partilhada com todos, que esperamos que mude em 2018, porque de facto o “projecto” da educação tem que ser extensivo a todos os cidadãos, interessar a todos e exigir a participação de todos, sem excepção, para ser nacional. Daí não percebermos muito bem qual a razão da não-existência de um “Conselho da Educação Nacional”, mas sim de um outro chamado de “Conselho Nacional da Educação”, o que não é o mesmo já que neste último só o Conselho é nacional, a Educação poderá ser ou não!...
Por último dizer, mais uma vez, e as que forem precisas, que falta ao Ministério da Educação uma postura de humildade democrática, que é apanágio daqueles que já sabendo muito, sabem que nada sabem, pois a sabedoria significa abertura de espírito permanente para aprender com os outros, para os ouvir, para interpretar as suas opiniões e propostas, para de mãos dadas poderem operar a grande revolução que é necessária na Educação das gerações futuras, porque a presente aprendeu com pessoas do século XX, que por sua vez tiveram professores nascidos no século XIX, ou seja, tudo voltado para o passado, quando nós, hoje, temos que preparar as novas gerações para a “Revolução Permanente”, e sermos capazes de entrosar o ensino com a rua, com a fábrica, com o hospital, com o quartel dos bombeiros, com as forças de segurança, com o trabalho simultâneo, com o estudo, com o desporto, como acto cultural, com a música, com o serviço militar, como acto cívico, obrigatório, para os dois géneros, enfim, para fazermos do ensino e da escola a “Nova Igreja”, que tem por missão criar e espalhar cultura, formação, informação, emprego e felicidade! É com esse mistério da Educação com que sonhamos para 2018.
Bom ano!"

Benfiquismo (DCCXXVII)

Brincos !!!

105x68... Chaves, e o que resta...

Benfica deu meia época de avanço

"Não há Krovinovic mas há alternativas que permitem manter esta tendência ascensional. Existe muita qualidade subaproveitada no plantel.

A lesão grave do jogador croata do Benfica Krovinovic, associada a recuperação complexa e prolongada, foi uma má notícia para os adeptos benfiquistas nesta fase do Campeonato, a única prova que resta ao emblema da águia. Consideramo-no a peça fundamental que alavancou a equipa e deu alma à mudança de sistema recentemente operada, embora tivesse demorado uma eternidade a ser decidida. É matéria para treinadores solucionarem, mas só não via quem não queria. Impunha-se, pois, mudar, por duas razões fundamentais, ambas de braço dado com Rui Vitória.

1.ª - Herança de Jesus
A primeira tem a ver com a necessidade de Rui Vitória se libertar da herança de Jesus. Como já escrevi, soube explorá-la com argúcia, sabedoria e competência. De aí os dois títulos de campeão nacional conquistados. Absurdo seria esparramar o que custou a erguer sem atribuir relevância ao que se lhe deparava bem feito. Apesar das diferenças de pontos de vista que devem respeitar-se, nos seis anos do seu consulado, nem tudo o que Jesus fez foi acertado e nem todo foi errado. Como não possui o dom da infalibilidade, mesmo que ele pense o contrário, ganhou e perdeu em doses que se equivalem.
Vitória foi prudente e de fina inteligência ao valorizar o trabalho realizado pelo antecessor e, em consequência, enriquecer um pensamento de jogo com o qual, provavelmente, se identificaria menos. Com essa atitude desempoeirada revelou um espírito aberto e tradutor de uma visão do futebol não coincidente com a de quem lá estava.
Surpreendeu e superou as expectativas mais animadoras, mas deixou-se distrair na activação do processo de transfiguração que se exigia: cortar com o passado, eliminar comparações estéreis e, definitivamente, colocar a assinatura num projecto, agora sim, da sua inteira e... única responsabilidade. Vitória distraiu-se porque devia ter intervindo logo na transição da última época para esta: não deixar arrastar uma situação que dava indisfarçáveis sinais de saturação de equívocos que tem prejudicado o desempenho global da sua equipa.
Em boa verdade, o Benfica deu meia época de avanço aos principais emblemas oponentes.

2.ª - Enfim, um novo ciclo
A segunda razão aparece ligada à política do clube no que se refere a entradas e saídas, ou sobre gastos a evitar e receitas e alcançar, sem ferir o plantel na ambição, nem no potencial futebolístico. Ou seja, a contradição mal esclarecida entre mais expressiva representação de jovens da formação no plantel e apetência pela contratação fácil, em significativa parte dos casos tentadora para os comissionistas e penalizadora para os clubes.
Tal como não aprovo a ideia de se atribuir à venda de jogadores influentes na temporada transacta a causa de todas as atrofias de que a equipa padeceu até Dezembro último, recuso igualmente qualquer tentativa de se aproveitar o afastamento de Krovinovic para, daqui em diante, se prolongar inusitado e inaceitável ciclo de pobreza exibicional.
Krovinovic é bom de bola? Claro que é, mas só começou a ser utilizado com regularidade a partir de Novembro. Além disto, entende-se mal o casamento de conveniência entre o benevolente prazo para sua integração e a explicação usada para a sua exclusão na lista na Liga dos Campeões e... em quase tudo. Simplesmente, contava pouco.
A aposta em novo modelo táctico jamais poderia estar dependente da inclusão de Krovinovic, porque se assim fosse, e nessa impossibilidade, o clube, em tempo oportuno, teria procurado no mercado outro nome com o cuidado que não houve. Comprando o que verdadeiramente fazia falta em vez de preencher o plantel de inutilidades ou por aí: de praticantes vulgares não trazem virtudes.
Sem Krovinovic, Rui Vitória nada tem de alterar de substancial. É um problema? Sim, sem dúvida, mas resolúvel. Afinal, o jovem croata só deu à luz há mês e meio, com imensos dotes, sim, mas cuja ausência forçada não pode ou não deve provocar embaraço que não se consiga desembaraçar.
Se é nos momentos difíceis que os grandes treinadores se chegam à frente, Rui Vitória recebeu um sinal dos deuses. Agora como nunca está nas suas mãos segurar no leme e manter a nau encarnada no rumo que a poderá guiar ao triunfo no Campeonato.
Não há Krovinovic, mas há alternativas internas que permitem manter, e acentuar, esta tendência ascensional. Existe muita qualidade subaproveitada. Assim o treinador seja capaz de separar os que querem lutar dos que tanto se lhes dá. Daqueles que, se calhar, recebem dinheiro de mais e retribuem com talento de menos, ou nenhum talento.
De certeza que Rui Vitória já reparou nisso..."

Fernando Guerra, in A Bola

O Benfica A.K. e D.K.

"Esta época há um Benfica antes de Krovinovic (A.K.) e outro depois (D.K.). A entrada do croata na equipa corresponde ao início da melhoria da qualidade futebolística do Glorioso e, por arrasto, ao renascer das possibilidades de conquistar o penta. Foi em Guimarães que o Benfica mudou de sistema e começaram a ruir alguns dogmas: Jonas não podia jogar a 9 sozinho na frente de ataque; o problema do Benfica estava na perda de qualidade individual do plantel; e faltavam jogadores para jogar com um meio-campo a três.
Hoje, está provado que, pese embora as saídas, principalmente de Éderson e Nélson, o problema da equipa era mais de opções tácticas, saúde física e dinâmica colectiva do que de qualidade individual. Mas, hoje, é também claro que a nova forma de jogar do Benfica funcionou porque Krovinovic ofereceu à equipa o que ela precisava: capacidade de receber, tocar, passar e levar a bola.
Os números de Krovinovic a temporada passada no Rio Ave já impressionavam. Num clube de média dimensão, o croata tinha uma participação no jogo mais consentânea com a dinâmica ofensiva de um grande. Pelo que foi sem surpresa que deu o salto e, tendo em conta a sua qualidade individual, só surpreenderam os valores baixos da transferência e a não inscrição na Champions (a justificação de que estava lesionado não colhe totalmente).
Uma vez titular no Benfica, Krovinovic superou as expectativas e foi muito rápido a exibir o seu valor. Sintomaticamente, no final do jogo contra o Chaves, o croata liderava o ranking de passes eficazes no meio-campo adversário (86,6%) – comparando com jogadores que jogam na mesma posição, Bruno Fernandes tem 65,3% de eficácia e Herrera 81,6% (dados GoalPoint.pt).
Tendo em conta a sua preponderância, a lesão de Krovinovic coloca – de novo – desafios exigentes a Rui Vitória? Como (re)construir o Benfica D.K.?
Há, no fundo, três caminhos possíveis: regressar ao sistema anterior; aproveitar a abertura do mercado para encontrar um reforço; ou procurar alternativas no plantel.
Com a subida de forma de Pizzi, o Benfica podia voltar a conceder um papel mais importante a Jimenez e/ou Seferovic. Contudo, com o 4x4x2, regressariam os problemas de ocupação de espaços e de capacidade de controlar os ritmos do jogo; já o mercado de Janeiro é sempre ingrato, e encontrar um jogador para ocupar a posição deixada vaga com a lesão de Krovinovic não é tarefa fácil (a menos que se apostasse num regresso); resta a melhor opção: encontrar no plantel uma alternativa. João Carvalho é o nome evidente, até porque tem sido testado na posição. Contra o jovem do Seixal joga alguma falta de maturidade e de intensidade. Há, contudo, no plantel um jogador que pode bem fazer as vezes do croata: Zivkovic, que tem uma qualidade individual superlativa e renderá mais num meio-campo a três do que nas alas. Pode ser, também, a oportunidade que, até agora, não teve."

João Carvalho, obviamente

"Ainda os jogadores do Benfica e do Chaves estavam no relvado e já o universo encarnado discutia o pós-Krovinovic, adivinhando a gravidade da lesão que pouco depois viria a ser confirmada. E que cenários se colocaram no debate que entretanto se abriu? Três. Cenário 1: João Carvalho. Cenário 2: Regresso ao 4x4x2 (com a entrada de Jiménez). Cenário 3: A chegada de um reforço até 31 Janeiro. 
Qualquer das soluções poderia ser defendida mas, à luz do retorno financeiro e desportivo que o Seixal produziu nos últimos dois anos, o mais lógico é que João Carvalho tenha a oportunidade de entrar no onze. É um jogador diferente de Krovinovic e, por isso, talvez Rui Vitória tenha de inverter os papéis para conservar as virtudes do 4x3x3 que estava a funcionar quase na perfeição. Ou seja, João Carvalho pode ser o médio a aparecer mais próximo de Jonas, tal como Pizzi fazia até agora. E Pizzi, por seu lado, assume a função que até ao último sábado estava entregue ao médio croata. Será? 
As exibições convincentes do Benfica nos últimos quatro jogos do campeonato – Sporting, Moreirense, Sp. Braga e Chaves – pareceram resultar de uma nova dinâmica colectiva e não da qualidade individual de um ou outro jogador. Só a prática confirmará, no entanto, a dependência que a equipa tinha, ou não, de ‘Krovi’."

O milagre da multiplicação dos craques

"Rui Vitória demorou a estabilizar mas uma vez chegado a uma fórmula constante, a um onze-base como dantes se dizia, a equipa inverteu o sentido de uma época que chegou a parecer condenada ao insucesso. A frase que acaba de ler não é de hoje, escrevi-a vai para dois anos – está em livro, é fácil confirmar - a propósito da forma como o Benfica chegou ao primeiro título com Rui Vitória na Luz. Enunciava então as cruciais inclusões na equipa de Renato Sanches e Pizzi, na linha do que voltou a acontecer agora, desta vez com Krovinovic a juntar-se a Pizzi, o que, somado a um quase tão relevante regresso de Grimaldo à competição regular, fez multiplicar o talento no onze encarnado. Acrescentei então também como “evidente que o técnico encarnado aposta muito na liberdade criativa das suas individualidades quando em posse de bola, entregando a opção ofensiva à capacidade de decisão dos seus jogadores”. Nada de particularmente novo está pois a acontecer. Rui Vitória é o mesmo, entre méritos e deméritos, e segue o método de ensaio e erro como um chefe de cozinha que apura o tempero, até que os resultados se aproximem mais do exigível. Claro que pelo caminho se vão perdendo pontos e provas, mas na mais longa, o campeonato, e principalmente se os adversários o permitirem, há sempre mais tempo para entrar nos eixos.
A constatação está feita: o Benfica melhorou, algo evidente aos olhos de todos. Vale a pena buscar as causas desse crescimento, quase um imperativo moral para quem tantas vezes denunciou a menor qualidade de jogo coletivo das águias. Já aludi no parágrafo anterior ao mais relevante, o aumentado do número de jogadores no onze principal que tomam boas decisões com bola. Com o regresso de Grimaldo e a inclusão de Krovinovic, sem que tivessem de sair da equipa nem Jonas nem Pizzi, o jogo encarnado passou a ter um critério que era impossível sem eles, que os craques verdadeiros, os que têm talento criativo, decidem melhor e improvisam soluções. Na ligação com Grimaldo e Krovinovic, também Cervi melhorou muito, e numa equipa que obriga os adversários a preocuparem-se com o corredor esquerdo, até Pizzi e Salvio (e André Almeida) foram beneficiando de mais espaço e melhoraram o rendimento. Não, ainda não me parece que haja mudanças evidentes no processo colectivo, mesmo se se, com mais um médio, melhorou o equilíbrio defensivo e se tornou mais eficaz a reacção à perda de bola. É mesmo possível que Rui Vitória, ele próprio, acabe por se sentir melhor no trabalho com base neste sistema (1x4x3x3) que foi o que mais usou nas experiências vividas em Paços de Ferreira e Guimarães. Essencialmente a melhor receita começa sempre por ser a de colocar os melhores jogadores em campo, por maioria de razões num campeonato desequilibrado como o português e quando se tem à disposição qualidade muito maior que a dos opositores (o que é válido para qualquer dos três grandes e até para o Braga). Os talentos verdadeiros reconhecem-se e mais depressa chegam às melhores rotinas. E é particularmente significativo que seja com jogadores criativos e todos abaixo de 1,80 m – Grimaldo, Pizzi, Salvio, Krovinovic, Cervi e Jonas (e mais Zivkovic, Rafa ou João Carvalho como opções) que o Benfica constrói a recuperação na temporada, quando tantos adeptos e analistas reclamavam mais músculo e centímetros. Aliás, mesmo Rui Vitória foi dando recorrentemente sinais de preferência por jogadores mais poderosos e acelerativos, fosse no lançamento estapafúrdio de Buta, na aposta prematura em Diogo Gonçalves ou na insistência em Samaris quando em situações de vantagem.
A equipa recuperou a confiança, os adeptos voltaram a acreditar e o calendário aliviado da presença europeia e nas taças até parecia favorecer teoricamente o tetracampeão. Só que, quando tudo apontava para uma segunda metade de época de bom nível em contraste com a carreira produzida até Dezembro, surge o choque com a lesão grave de Krovinovic, o homem que - associado aos golos de Jonas – é bem o símbolo dessa revolução na temporada das águias. O jovem croata decide bem em quase todos os lances, trava e pensa quando tal se impõe, acelera e rompe quando há espaço, passa com qualidade e no tempo certo. Normalmente ainda não tocou na bola e já sabe que destino lhe vai dar. Não há muitos assim. Não é difícil prever, apesar do infortúnio, esteja dentro de um ou dois anos a jogar numa equipa do mais alto nível europeu. Claro que o Benfica tem outras soluções no plantel, que esta pode ser a oportunidade de João Carvalho ou mesmo de Zivkovic a colocar o talento em zonas mais interiores. Serão esses, muito mais que Samaris ou Felipe Augusto, e mais uma vez pelo que podem dar de qualidade com bola, que podem tornar menos dramática a perda de jovem croata."