"Da água, entre tanto dela, gosto da teimosa resiliência em se infiltrar. Dá problemas como a humidade nos tectos mas é uma lição de vida. A água sabe levar a água ao seu moinho. Podendo também ser radical e violenta, ela prefere ser reformista - diminuiu os estragos e garante melhor as conquistas.
Estou a falar, outra vez, da luta das mulheres para entrarem nos estádios de futebol em certos países islâmicos. Há dias, escrevi sobre o primeiro jogo com mulheres nas bancadas, na Arábia Saudita - tímida concessão arrancada ao governo local. Hoje, volto ao assunto vampirizando um blogue, Nouvelles d"Iran (Notícias do Irão), publicado na edição online do jornal francês Le Monde.
Os dois colossos do islamismo conservador, sunita (o saudita) e xiita (o iraniano), confrontados pela mesma luta de rebeldes por pequena causa. É exactamente a modéstia da reivindicação que torna o combate fascinante - a humildade sublinha demasiado a tolice dos guardiões do templo.
Há alguns anos vi o filme Offside, do realizador iraniano Jafar Panahi. O enredo, apesar do sugerido pelo título, não se passava na grande área mas, isso sim, nas bancadas onde um punhado de raparigas fugia dos polícias. Elas estavam fora-de-jogo e isso era-lhes insuportável. A palavra de ordem era "golo!", conquista que elas queriam no lugar certo para o grito simples e os olhos incendiados.
Uma dúzia de anos depois do filme, continua em vigor a proibição de as mulheres frequentarem estádios, imposta pela involução dos ayatollahs, em 1979. O blogue Nouvelles d"Iran foi desencantar a jovem Shabnam que se mascara de rapaz para entrar no estádio da sua cidade, Ahvaz, no Sul do país. Ela escurece a face como se tivesse barba e põe um boné de pala na cabeça. Reparem na pobreza dos sinais de clandestinidade: é bom sinal. À volta de Shabnam, os homens reconheciam-na como mulher e não a denunciaram. Jogo visto, ela divulgou as fotos da sua conquista do Palácio de Inverno...
É bonito ver os poderes duros a ser vencidos por vontades suaves como a água."
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