"O que diferencia um futebolista de topo dos demais? “Aquele” que servirá as necessidades da equipa, fazendo um “match” perfeito com a mesma?
Estejamos a falar de atletas com uma carreira já consolidada ou de jovens promessas, os primeiros critérios que virão à cabeça de qualquer apaixonado(a) pela modalidade (e até de alguns especialistas) passam sempre por aspectos como a força, a velocidade, o domínio de bola, a capacidade técnica e táctica, correto?
Errado.
De facto, segundo o neurocientista Vincent Walsh, da University College London, as razões que levam um atleta a perder (logo, ter níveis inferiores de desempenho) nada têm a ver com aspectos do domínio físico, técnico ou táctico, mas sim por razões psicológicas.
Segundo este investigador, poucas actividades serão tão exigentes no que respeita à performance psicológica (e à exigência em termos do funcionamento cerebral), do que a de um futebolista de topo (colocando-se de lado o caso dos soldados de guerra).
Por outras palavras, os jogadores têm uma carreira de treino de competências de quase 20 a 25 anos, necessitando de uma boa memória para a contínua aprendizagem de esquemas técnicos e tácticos, de tomar decisões em segundos e de uma enorme capacidade de antecipação, enquanto, em paralelo, precisam ter elevados skills de resiliência, para lidar com a derrota, o erro, a avaliação negativa de colegas, treinadores, dirigentes, adeptos e imprensa... numa base semanal.
Também por esta razão (e fazendo um pequeno “desvio” da questão central deste artigo), os estudos associados ao sono e à fadiga mental defendem que os atletas devem ter uma quantidade significativa de descanso cognitivo, antes de uma competição exigente, privilegiando o repouso e evitando qualquer actividade de carácter cognitivo (ex: jogos de computador) antes do mesmo, para manter “intactas” as suas capacidades mentais e físicas para o jogo.
A literatura da especialidade tem corroborado este tipo de evidência, fundamentando que os jogadores de elite tendem a ser psicologicamente mais hábeis, com elevada capacidade de autocontrolo e de manter os níveis de atenção e a capacidade de reacção por tempos mais longos (quando comparados com outros atletas que não do alto-rendimento).
Então, se quando falamos de “top performance”, os critérios de diferenciação são, maioritariamente, psico-emocionais, em que ficamos?
Internacionalmente, desde há algum tempo que os grandes clubes se socorrem dos seus departamentos de análise de jogo para recolher variáveis comportamentais que tenham a ver não só com o comportamento motor e desportivo, mas também com algumas variáveis psicológicas iminentemente associadas ao sucesso desportivo, como sejam a capacidade de tomada de decisão, a determinação, a capacidade de resistência à frustração, o autocontrolo sob pressão e o espírito combativo, entre outras.
Aliás, em terras germânicas, acaba de ser anunciado o investimento de mais de 110 milhões de euros na construção de uma nova academia (Deutscher Fußball-Bund) que pretende ser o “projecto do século”, onde serão recolhidos todos os dados de informação acerca da modalidade (incluindo variáveis como a “vontade de vencer”), recorrendo aos mais inovadores métodos de recolha e análise de performance (na sua completa multidimensionalidade).
Este tipo de trabalho resulta de uma parceria estreita entre analistas de jogo e psicólogos, uma vez que uns são especialistas em recolher informação de forma objectiva e os segundos em traduzir (cientificamente) variáveis psico-emocionais em dados comportamentais que possam ser recolhidos pelos primeiros.
Por enquanto, e por terras lusas, a análise de desempenho tende a ser usada principalmente para a equipa técnica, no sentido de avaliar a performance da equipa e fornecer feedback aos jogadores, no que respeita a um conjunto de ações técnico-táticas pré-determinadas.
Algumas equipas mais evoluídas procuram usá-la como ferramenta de recrutamento, contudo suportando apenas dados de desempenho desportivo e não psico-emocional (muitas vezes, retirados apenas através da “intuição” do treinador), perdendo-se toda a possibilidade de produção de informação de relevo (através da análise de dados comportamentais), no que respeita ao perfil psicológico do atleta, que deveria validar (ou não) a decisão de contratação.
Encontrar a dita “arma secreta”, num mercado como o de Janeiro, que espera de um jogador uma capacidade de adaptação quase imediata, traduzida na produção de um rendimento de nível superior, transforma-se, desta forma, numa espécie de “lotaria”, quando os clubes não detêm este tipo de informação e conhecimento cientifico e, paradoxalmente, numa oportunidade para psicólogos e analistas de jogo fazerem uma parceria de sucesso.
Em suma, com mais ou menos tecnologia, mais ou menos suporte financeiro, a multidisciplinariedade que deve assessorar o processo desportivo de uma equipa tende a tornar-se cada vez mais abrangente e completa, devendo os diferentes especialistas (equipas médicas, fisiologistas, psicólogos, analistas de jogo, entre outros) serem capazes, eles próprios, de actuar em equipa, na produção de informação relevante, que suporte a contratação e a optimização de todas as variáveis associadas a um desempenho de excelência."
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