"Não nos levem a mal que não nos indignemos se no próximo Belenenses-Sporting o árbitro castigar os visitantes com 'penalty' por falta feita por um 'placard' para lá das quatro linhas.
O Benfica venceu os seus dois últimos jogos para a Liga expressando magramente a sua inquestionável superioridade em ambas as ocasiões através de resultados, enfim, lacónicos para não dizer preguiçosos. Na Luz, o Benfica ganhou por 1-0 ao Vitória de Guimarães e no Restelo ganhou por 1-0 ao Belenenses.
Lacónicos e inquietantes resultados.
É verdade que valeram, e valeram muito, valeram precisamente 3 pontos, os golos solitários de Markovic e, por último, o de Gaitán. Do ponto de vista artístico nada há a reclamar. O sérvio e o argentino, cada qual em seu palco, assinaram golos raros e de grande beleza.
Golos tão especiais, tão espectaculares que, findos os dois jogos e garantidas as vitórias, uma pessoa até se pode dar ao luxo de pensar que, perante monumentos daqueles, seria desperdício procurar marcar mais porque mais golos só viriam roubar o protagonismo devido aos artistas em causa.
Com todo o respeito pelos artistas, este não é o caminho mais aconselhável para o estado de taquicardia geral entre os adeptos e para a recuperação do título que foge ao Benfica vai fazer quatro anos.
Gerir resultados de 1-0 é caminhar no arame, é pôr-se à mercê de velhas circunstâncias bem conhecidas de um Benfica que, nas últimas duas temporadas, perdeu estupidamente nas últimas jornadas as vantagens amealhadas ao longo da prova.
As palavras de Jorge Jesus no fim do jogo do Restelo ilibam-no deste pecado que não é, de todo, nem de orgulho nem de gula, mas que é um pecado de ócio activo. O treinador do Benfica reprovou o “excesso de confiança” da sua equipa que, por não sofrer golos com a frequência com que sofria num passado recentíssimo, se terá convencido de que é imbatível. Portanto o 1-0 chega.
Não chega. Como se viu, por exemplo, no jogo com o mesmíssimo Belenenses na primeira volta do campeonato. O Benfica marcou cedo, aos 18 minutos por Cardozo, começou todo contentinho a gerir o resultado e o Belenenses, num lance tão fortuito quão irregular, empatou o jogo à meia hora. Da gestão olímpica à sofreguidão foi um instante e depois nem uma hora de jogo chegou para o Benfica dar a volta ao resultado e ganhar o jogo como era a sua obrigação.
São estes os perigos da gestão de resultados tangenciais. No domingo, no Restelo, só não se repetiu o filme porque o fiscal-de-linha que acompanhava o ataque do Belenenses na segunda parte assinalou, indevidamente, um fora-de-jogo a Tiago Caeiro invalidando-se assim o golo do empate dos anfitriões.
É certo que ainda faltavam vinte minutos para o fim da partida e que nesses vinte minutos o Benfica poderia voltar a adiantar-se no marcador. Ou antes pelo contrário. Mas nunca fiando.
O golo anulado a Tiago Caeiro suscitou grande indignação nos debates televisivos que se lhe seguiram. Sobretudo indignação vinda dos analistas emocionalmente ligados ao Sporting cuja distância pontual para o Benfica é perfeitamente anulável se o Benfica persistir neste modo insensato de gestão de resultados tangenciais.
Admito a indignação. Não se pode exigir ao rival imparcialidade de julgamento nestes momentos. Não se lhes pode exigir que considerem o golo mal anulado a Tiago Caeiro no Belenenses-Benfica como uma resposta da divina providência ao golo mal validado a Diakité no Benfica-Belenenses. Era pedir muito.
Também não nos levem mal, caros rivais de sempre, que não nos indignemos por aí-além se, eventualmente, no Belenenses-Sporting da antepenúltima jornada da Liga, o árbitro resolver castigar os visitantes com uma grande penalidade por uma falta cometida por um placard de publicidade, geograficamente fora das quatro linhas, sobre um qualquer jogador do Belenenses.
Dirão os adeptos do Restelo que foi a divina providência a ressarci-los daquela singular ocorrência do jogo da primeira volta em Alvalade. E quem, de bom senso, os pode contrariar?
No entanto, com todo o respeito pela divina providência, pouco fiável na minha opinião alicerçada em décadas de acompanhamento da Liga portuguesa, venho encarecidamente solicitar aos jogadores do Benfica que não se fiem na Virgem, que desçam à terra e cumpram o que falta cumprir, são 9 jogos, imbuídos de um fortíssimo espírito de divina previdência.
Previdência não é providência. Previdência é ser previdente, é acautelamento, é precaução, é prevenção. É tudo menos gerir resultados tangenciais.
POR ocasião do centésimo-décimo aniversário do Sport Lisboa e Benfica foi inaugurada no Estádio da Luz uma estátua a Béla Guttman.
Fica bem ao Benfica homenagear de forma perene o treinador que lhe deu os seus únicos títulos europeus. Foram dois, brilhantíssimos, na prova maior, conquistados a equipas à época consideradas imbatíveis como o eram Barcelona e o Real Madrid.
É certo, também, que tudo isso já foi há muito, muito tempo. O agradecimento do Benfica a Guttman chegou trinta e três anos após o desaparecimento do treinador húngaro. É caso para se dizer que tardou mas chegou.
Béla Guttman tem, finalmente, uma estátua na Luz. E está morto, já não treina.
Cada emblema sabe de si no capítulo dos preitos. Kelvin, por exemplo, tem um espaço que lhe é inteiramente dedicado – Espaço K - no museu do Dragão. E Kelvin está bem vivo. Mas não joga.
NA semana passada, o Correio da Manhã escreveu em letras gordas: «Benfica TV rouba clientes à Sport TV».
Sem pretensos moralismos, trata-se de um título sensacionalista porque roubar é feio, é crime, é pecado e, em boa verdade, a Benfica TV não roubou nada a ninguém, muito menos à Sport TV.
Pronto, com boa vontade aceita-se. Trata-se tão-somente de uma figura de estilo este “roubar” e todos sabemos como o futebol, tão rico em personalidades, em eventos e em folclore, se presta às hipérboles, às metáforas, ao exagero.
O Correio da Manhã, no fundo, limitava-se a noticiar um parecer da Autoridade da Concorrência revelando o impacto obtido no mercado pela estação de televisão do Benfica que ultrapassou já os 300 mil assinantes. O que explica, segundo a referida Autoridade, a descida do número de clientes da Sport TV. O canal de Joaquim Oliveira atingiu um mínimo de subscritores que não se verificava desde 2008, regista a imparcial Autoridade no seu parecer.
No Verão, quando a Benfica TV passou a transmitir os jogos do Benfica no Estádio da Luz e a cobrar por isso, houve muita autoridade do futebol nacional, gente de peso e bem-falante, que temeu publicamente pela «verdade desportiva» da coisa.
Temia-se, por exemplo, que o Benfica sonegasse imagens que de alguma forma pudessem comprometer ou incriminar os seus jogadores e demais funcionários perante as altas instâncias dos conselhos disciplinares da Liga e da FPF.
Felizmente e bem depressa se provou o contrário.
Na lamentável recepção ao Arouca, que terminou num empate, foram transmitidas, sem qualquer espécie de véu, as imagens de Enzo Pérez, agastado com o árbitro, dirigindo-lhe aquele gesto redondo de mão, algo sensacionalista, qual título do Correio da Manhã, gesto que subentende “roubar”.
Deu em sumaríssimo, evidentemente, e o argentino foi suspenso por um jogo graças às imagens transmitidas pela Benfica TV amiga da verdade desportiva.
Já no último domingo, a Sport TV roubou aos seus assinantes as ocorrências mais mirabolantes do palco de Guimarães ao falhar a transmissão das imagens de Ricardo Quaresma «de cabeça quente», em «descontrolo emocional» – cito as noticias dos jornais porque não se viu nada disto na TV – «gritando aos ouvidos do auxiliar», «pontapeando as protecções laterais das câmaras de televisão» – e eram as câmaras da própria Sport TV! – «apontando o dedo a um adepto num gesto de espero por ti lá fora» e «indo ao banco do Vitória pedir explicações».
De acordo com o relato deste jornal «valeu a intervenção do médico portista a tirar o extremo do olho do furacão». Valeu-lhe isso e a ausência de imagens televisivas. Na qualidade de assinante da Sport TV, uma pessoa sente-se roubada. Roubada, não. Roubada é exagero, é hipérbole. Sente-se antes defraudada. Sumaríssimamente defraudada."
Leonor Pinhão, in A Bola