"A primeira viagem do Benfica (e de um clube português) aos Estados Unidos teve lugar em Agosto de 1957. Em dois jogos, o Benfica marcou 17 golos. Na estreia, em Fall River, venceu por 10-0 a Selecção de Nova Inglaterra. Abriu uma porta que continua aberta.
Não sei se é por causa das águias (cada um tem a sua), mas Benfica e Estados Unidos dão-se bem. Desde 1957 até aos dias que correm, as coisas passam-se como na velhinha anedota das voltas que o cão dá antes de se deitar: volta e meia há uma visita. Agora, no mês de Julho, eis outra.
Por todo o lado do grande país da América do Norte andou o Benfica nas suas digressões: de Nova Iorque («a city that never sleepes», como cantava o «Old Blue Eyes» de Hoboken) a Fall River, Massachusetts; de Los Angeles, EL Pueblo de Nuestra Señora la Reina de los Angeles del Río de Porciúncula, a São Francisco da Golden Gate e dos eléctricos a lembrar Lisboa; de Boston e New Bedford e Foxborough pejadas de portugueses, a Hartford, no Connecticut; se San José, cidade-gémea do Funchal, a Providence e Pawtucket, Rhode Island; de Newark (do Ironbound) à minúscula e suburbana Secaucus, terra das cobras.
Como vêem, dificilmente algum clube estrangeiro conhecerá tão bem as terras do Tio Sam.
Mais de quarenta jogos realizados um pouco por toda a parte.
E agora, que mais uma vez demanda a América do Norte, falo do mês de Agosto de 1957 quando a águia vermelha para lá voou pela primeira vez.
Nenhum resultado poderia ser mais redondo: 10-0. Como nos filmes!
O adversário, pomposo, denominou-se Selecção de Nova Inglaterra.
Pois bem, Nova Inglaterra não é um Estado, não senhor, é uma região que inclui os Estados do Connecticut, Maine, Massachusetts, New Hampshire, Rhode Island e Vermont. Enfim, tanto Estado e tão pouco Futebol, admiraram-se os portugueses nesse primeiro confronto.
A coisa foi de tal modo redonda e arredondada que, acabado aos 10, também mudou aos cinco como nas peladinhas de escola da saudosa infância: isto é, 5-0 ao intervalo.
Ameaços, havia-os. Quero eu dizer, os ameaços eternos de que um dia... um dia... os americanos serão, quando lhes der na veneta, os reis do Futebol do Mundo, tal como o são em tantos outros desportos. Leia-se a crónica da época: «Os Americanos teimam em não levar a sério o desporto que na América do Sul e na Europa mais apaixona as multidões. É possível que as periódicas visitas de equipas de reconhecida categoria - e o Benfica é uma delas - contribuam para que, embora lentamente, venham fazer com que se interessem a fundo pela prática do futebol. Será então, se assim suceder, um 'caso sério'...».
Sério? Será? Por mim, que leio esta lengalenga espalhada ameaçadoramente pelos jornais de todo o Planeta, espero sentado. Sempre é mais confortável.
Os golos do Águas e as fintas do Palmeiro
Como em tudo, o Benfica voltava a ser o grande pioneiro do Futebol português. Os norte-americanos já tinham tido a oportunidade de ver entre eles o famoso Vasco da Gama, do Brasil, e algumas das mais conhecidas equipas inglesas, por via da natural proximidade cultural, mas um conjunto lusitano era inédito.
Finalistas recentes de mais uma edição da Taça Latina (derrotado em Chamartín pelo Real Madrid por 0-1), os 'encarnados' disputavam em Fall River e Nova Iorque os dois encontros derradeiros de um digressão de mais de um mês (de 4 de Julho a 12 de Agosto) que os levava ao Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Santos e São Paulo.
Por isso, após pelejas competitivas contra Flamengo, o Santos, o América FC e o Palmeiras, «treinar» contra a tal Selecção da Nova Inglaterra era para meninos de colo.
E a estreia (em beleza) americana foi assim:
NOVA INGLATERRA - Nogueira; Sprinthorpe e Allison; Arruda, Martins e Bernardo; Furtado, Silva, Schattner, Felix e Miller.
BENFICA - Costa Pereira; Zezinho e Ângelo; Pegado, Serra e Alfredo; Palmeiro, Caiado (depois Azevedo), Águas, Coluna (depois Salvador) e Cavém.
Golos: 1-0, Coluna (10m); 2-0, Caiado (18m); 3-0, Águas (27m); 4-0, Águas (30m); 5-0, Bernardo na própria baliza (33m); 6-0, Salvador (49m); 7-0, Pegado (58m); 8-0, Azevedo (68m); 9-0, Salvador (78m); 10-0, Palmeiro (89m).
Composto por amadores, muito deles da grande comunidade portuguesa da região, o adversário do Benfica foi imolado como um cordeiro em Domingo de Páscoa. Mais de 15 mil espectadores puderam testemunhar e aplaudir a classe de Coluna, os remates de José Águas e as fintas de Salvador e de Palmeiro.
Abria-se uma nova porta para as viagens do Benfica que eram muitas e seriam cada vez mais, alicerçadas nos êxitos europeus dos anos-60.
Em Fall River, assinalava-se o 76.º encontro benfiquista fora do território português. Depois da presença em África e na América do Sul, inaugurava-se um novo Continente. O regresso só se daria nove anos mais tarde, em Agosto de 1966.
A despeito das fragilidades dos opositores, Otto Glória não baixou a guarda ao seu estilo profissionalão e rígido. As festas de homenagem, as visitas de cortesia, eram levadas a cabo pelos dirigentes e pelo técnico, mantendo-se os jogadores num internamento tão severo como se os jogos fossem a doer.
Apenas um cheirinho a folga em Newark, com direito a jantar na Cervejaria Ballentine e, em seguida, a uma recepção do Clube Português de Brooklyn. Jantar à moda de antanha, acrescente-se, porque o recolher era impreterivelmente às oito da noite.
Antes do regresso a Lisboa, no voo da Pan-Am, mais uma vitória: 7-2 sobre a Selecção da Liga Norte Americana, em Nova Iorque.
Depois voltava o campeonato e vinha a primeira participação na Taça dos Campeões Europeus.
Férias? Levava-as o vento..."
Afonso de Melo, in O Benfica