"Uma das fatalidades da idade adulta é perdermos a sensação de que podemos começar de novo. 'Não temos mais princípios', definiu com acuidade George Steiner, dando corpo a um sentimento de perda de esperança e de declínio da criatividade nas nossas sociedades. Talvez no contraponto a esta impressão de declínio se encontre a resposta para o deslumbre e a paixão gerados pelo futebol.
No futebol temos sempre mais princípios e as novas épocas iniciam-se em ruptura com as anteriores. De pouco serve a glória de vitórias passadas ou as taças erguidas há um par de meses. Agora, nada disso existe. Penso, claro está, no 'nosso Benfica', mas a verdade é válida para todos os clubes. Este novo princípio tem consequências desportivas e exige dos jogadores uma atitude competitiva permanente, mas vale em igual medida para os adeptos.
Pier Paolo Pasolini, que escreveu extraordinários textos sobre o desporto-rei, afirmou que 'o futebol é uma doença juvenil que se prolonga pela vida fora', para sublinhar que, tal como na infância, estamos sempre, em todas as jogadas, por mais estudadas ou treinadas, perante uma invenção, uma subversão dos códigos, algo de irreversível e irrepetível. Acrescentou mesmo que 'o futebol é a última representação sagrada do nosso tempo'. Uma combinação de ritual com evasão, que persiste, enquanto todos os outros ritos se encontram em declínio.
A ansiedade que chega com cada início de temporada, o entusiasmo com que vislumbramos indícios de um craque numa nova contratação ou a forma como contamos os dias até nos sentarmos de novo numa bancada são últimos redutos de uma vitalidade infantil que, em todos os outros lugares, se vai perdendo. O futebol regressa no domingo e voltaremos a ser crianças 'selvagens e sentimentais'. Saibam os jogadores estar à altura dessa responsabilidade."
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