"Permitiam-me umas divagações sobre o sorteio de sexta-feira, estimados leitores. Em primeiro lugar: espero que a cerimónia de Nyon não diga só respeito ao Benfica - também ao Braga, claro!, com licença desse treinador competente, genuíno e emotivo que é Vítor Pereira (Fenerbahçe). Vou partir do princípio que Manchester City e Atlético Madrid eliminaram ontem à noite Dínamo Kiev e PSV Eindhoven e que o Bayern Munique (recebe hoje a Juventus) e o Barcelona (recebe o Arsenal) confirmam mais logo o favoritismo que toda a gente lhes reconhece.
No momento em que escrevo, as tertúlias do sorteio - nos cafés e na rede - apontam, entre os confirmados e os prováveis, um só adversário acessível ao Benfica: os alemães do Wolfsburg, que há coisa de um ano eliminaram o Sporting da Liga Europa. Creio que nem vale a pena lembrar o resultado tradicional dos portugueses com as equipas alemãs (derrota e eliminação) para dizer que, muito sinceramente, não me parece que o Wolfsburg seja grande prenda. Se o Benfica os eliminar não será incensado por isso em nenhum lado a não ser em Portugal; se for eliminado (o mais provável, digo eu) olhem que não dará grande prestígio cair aos pés de um estreante absoluto nos quartos-de-final... onde o Benfica, velho senhor europeu, já esteve 16 vezes (!). Vejo no Wolfsburg uma equipa perfeitamente capaz de derrotar o Benfica. Tem a dinâmica infernal da Bundesliga, um treinador atrevido (Dieter Hecking), alguns executantes de topo como Julian Draxler, Andre Schürrle (acima de todos), Vieirinha, Luiz Gustavo e Caligiuri, e matadores como Max Kruse (o distraído que se esqueceu de 75 mil euros ganhos ao poker no banco de trás de um táxi...) e o maldito Niklas Bendtner (o estrangeiro que mais golos marcou ao futebol português). Vade retro, alemães! Dali nunca vem nada de bom.
Avaliando os outros, acredito que o Benfica teria mais hipótese de chegar às meias-finais se o sorteio de Nyon lhe destinasse o Manchester City, uma das equipas mais irregulares, imprevisíveis e desconcertantes do futebol actual. É certo que o City tem tudo para fazer boa figura (plantel riquíssimo, estrelas, treinador experiente) mas por alguma razão ainda não conseguiu passar da cepa torta na Champions. Falta-lhe convicção, maturidade, solidez, instinto assassino. Suspeito que o Benfica no máximo causaria um valente embaraço a Pellegrini, quiçá podendo Rui Vitória imitar a proeza de Ronald Koeman em 2006, quando deitou por terra, consecutivamente, o Man. United de Alex Ferguson e Ronaldo (2-1 na Luz, na última jornada do grupo) e o superfavorito (e campeão europeu...) Liverpool de Rafa Benitez nos oitavos. Não podendo vir o City, esqueçam Barcelona, Bayern e PSG, que são mais ou menos três catástrofes à espera de acontecerem; assim como o raçudo Atletico de Simeone, que não costuma deixar-se enganar duas vezes pelo mesmo cliente.
Sobra o Real Madrid, sempre o adversário perfeito: correndo bem, é o céu. Correndo mal, é a vida, nada a dizer. Jogar com o Real garante ao Benfica uma enchente de sonho na Luz e semana e meia de intensa exposição mediática nas televisões e nos jornais de todo o mundo. Vão por mim: para ser eliminado, pois que seja por um grande - e o Real é o maior deles todos, pelo menos nesta prova. Acresce que o Benfica tradicionalmente tem boa onda com os merengues - ganhou-lhes a célebre final dos Campeões de 1962 (Amesterdão) por 5-3, com um bis de Eusébio; e eliminou-os nos quartos-de-final de 1965 graças a um fabuloso 5-1 na Luz com novo bis de Eusébio. O bom astral encarnado voltou a fazer as suas na Eusébio Cup de 2012, na Luz: Jorge Jesus espetou 5-2 a um Real de José Mourinho... muito desfalcado, é verdade; e na meia-final da UEFA Youth League de 2014, em Nyon, a rapaziada benfiquista voltou a aviar os merengues com uma goleada e pêras: 4-0 (a desforra madridista ocorreu na semana passada). E depois há este detalhe incrível na extraordinária carreira de Cristiano Ronaldo: o Benfica é a equipa que ele defrontou mais vezes sem conseguir marcar qualquer golo - ficou a zero nos cinco jogos oficiais que fez (um com o Sporting, quatro com o Man. Utd) e nos dois particulares (com o Sporting), num total de sete confrontos - sete a zero! É claro que nada garante que Cristiano não desfaça esse tabu assim que tiver oportunidade, assim como convém lembrar que o Real tem recordações maravilhosas da nova Luz: aqui ganhou a Champions de 2013 (4-1 ao Atlético) numa noite mágica de Sergio Ramos. De Lisboa a Madrid é um pulinho: 600 km que parecerão 300 km se a coisa correr bem: são asas, senhores!
José Mourinho para o Arsenal
Se me chamasse Stan Kroenke, acionista maioritário do Arsenal, não hesitava. Dispensava Arsene Wenger com elegância no final da época (os próprios adeptos haveriam de agradecer, o homem já não tem remédio) e convidava José Mourinho... para voltar a ganhar o campeonato e passar dos oitavos de final da Champions. Era o casamento perfeito. O Arsenal precisa de um treinador competitivo e exigente e Mourinho e a sua família podiam continuar a viver na sua adorada City. José voltava a trabalhar num clube à sua dimensão - de longe o maior de Londres e um dos três grandes de Inglaterra e o Chelsea, que despediu duas vezes José, ficava com um terrível fantasma a pairar sobre a cabeça. Last but not the least, a Imprensa londrina voltava a ter o seu herói/vilão favorito à mão. Era perfeito.
Paulo Fonseca para os 'quartos'
Não estou com grande feeling (acho difícil os turcos não marcarem na Pedreira...), mas espero que o Braga-Fenerbahçe termine com a qualificação dos guerreiros para os quartos de final da Liga Europa. Era óptimo para o clube, para a cidade, para a carreira de Paulo Fonseca e para a valorização dos futebolistas bracarenses. A única coisa que pode atenuar a tristeza de ver este belo Braga ficar pelo caminho é saber que Vítor Pereira (de quem sou cada vez mais fã) substitui Paulo nos quartos. Mal por mal, podia ser pior."
André Pipa, in A Bola