Últimas indefectivações

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Obrigado, Rui Vitória!

"Um treinador que chega ao Benfica conquista, só por isso, um lugar na história do maior clube português.
Um treinador que permanece durante três anos e meio à frente do futebol profissional do Benfica tem de ser, seguramente, alguém com méritos inquestionáveis.
Um treinador que termina a sua ligação ao Benfica e vê o seu nome entre aqueles que mais jogos fizeram e mais títulos alcançaram para o clube é, sem duvida, alguém que merece o reconhecimento e o elogio geral.
O trajecto de Rui Vitória à frente do Benfica fala por si: 180 jogos, 123 vitórias. Perto de 400 golos marcados. Seis títulos. O primeiro tetracampeonato na história do clube. A gratidão dos benfiquistas – de todos – é da mais elementar justiça.
Há um novo ciclo que se abre a partir de hoje, de redobrada exigência e enorme ambição. Bruno Lage, até agora treinador do Benfica B, fará a sua estreia à frente da equipa principal, no Estádio da Luz, frente ao Rio Ave.
O novo técnico – também ele um 'produto' da formação do Benfica e, por isso, profundo conhecedor do trabalho de base que se faz no Seixal – tem a missão que sempre terá qualquer treinador deste clube: ganhar, ganhar e ganhar. Domingo começa uma nova etapa. Apoio não faltará.

PS: Errar é humano. Agora errar sempre em benefício da mesma equipa e em decisões de difícil compreensão – até pela existência do VAR – torna tudo mais inexplicável. Não há memória de um campeonato com tantos erros em benefício da mesma equipa. É a dignidade e o prestígio da principal competição nacional que estão em causa."

Bruno Lage, o treinador dos jogadores

"Chama-se Bruno Lage, liderava a equipa B desde o início da época e é agora, pelo menos temporariamente, o novo treinador do Benfica. Aos 42 anos, Lage regressou a uma casa que conhece bem, já que foi treinador dos iniciados, dos juvenis e dos juniores antes de aceitar coordenar a formação do Al Ahli, dos Emirados Árabes Unidos, em 2012/13, e de se tornar adjunto de Carlos Carvalhal, no Sheffield Wednesday, em 2015/16. Esta época, Lage voltou a Portugal e o treinador (,,,) explica quais são as ideias de jogo essenciais para o novo líder do Benfica

Bruno Lage é o treinador dos jogadores. É assim que ele gosta de ser caracterizado e, quando perguntam por ele, de imediato responde que os jogadores que teve são os melhores para o avalizar ou reprovar. Gosta de estar próximo deles, gosta de os fazer crescer, e é muito assim que o próprio avalia o seu trabalho.
Assim foi há muitos anos, quando saiu do Benfica, deixou saudades e a sensação que poderia fazer mais e melhor pelo clube onde trabalhou durante mais anos. Chega este ano à equipa de elite da formação (a equipa B) com as ideias mais afinadas. Agora na equipa principal, e sem se saber com exactidão o tempo que ficará no comando, não deve promover mudanças significativas na estrutura da equipa.
Na forma de jogar, sim.
Se nos cingirmos ao que a equipa B do Benfica joga, poderemos afirmar que o futebol de Lage tem qualidade.
Do ponto de vista ofensivo, joga nos três corredores, sem receio de arriscar jogar pelo corredor central na primeira fase de construção. Os médios têm aí um papel fundamental na percepção dos momentos certos para enquadrar, avançar e ligar o jogo com os jogadores mais avançados.
Veremos uma equipa mais paciente na construção, a tentar entrar no meio-campo adversário em situações de vantagem espacial. A linha defensiva ganhará uma preponderância diferente nas situações ofensivas, uma vez que será neles que os ataques vão começar.
Há muitos movimentos de rutura que funcionam como engodo para ganhar espaço e darem mais tempo aos jogadores em contra movimento para receberem no pé. É aí que começa a criação: tenta que sejam os médios a definir. Mas, como também pede mobilidade, quando os extremos conduzem, os médios fazem movimentos para receberem dentro da área e terem também eles a possibilidade de finalizar. Como quer promover o jogo interior, também na criação, poderá haver uma mudança na utilização dos extremos que deverão passar a jogar com o pé contrário. Zivkovic, caso isso se dê, seria o principal beneficiado.
O sistema de jogo é que escolher vai dar-nos o sinal sobre os jogadores em quem Lage mais vai apostar. O 1-4-4-2 será um indicador da aposta em João Félix como elemento preponderante para a definição e finalização dos lances. Num 1-4-3-3, sendo que gosta de jogar com extremos de pé trocado, em zonas interiores, em posições onde possam desequilibrar, Félix continuará a ter espaço, mas a aposta nele não será tão vincada.
Há alguns jogadores que podem revitalizar-se com a chegada de Lage que, além de os soltar do ponto de vista anímico, também lhes entregará tarefas ofensivas e defensivas, no treino e no jogo, coerentes com o jogo que quer jogar. Poderemos assistir, por exemplo, a um crescimento de Gabriel e um renascimento de Pizzi, porque terão no treinador alguém que os vai focar nas tarefas que têm que cumprir do ponto de vista ofensivo e defensivo, sobretudo no treino.
Defensivamente, a equipa quererá pressionar e recuperar a bola o mais rapidamente possível. Quando for ultrapassada, tentará fechar o campo e proteger o corredor central em primeiro lugar, e apenas com a chegada de outros elementos se começará a preocupar em fechar outras referências. A linha defensiva também pode melhorar de forma evidente no seu funcionamento setorial, assim como na ligação com a linha média. E no controlo dos espaços entre os quatro defesas e nos ajustes que se fazem quando algum defesa tem que sair da sua posição inicial.
Se Bruno Lage mantiver aquilo que tem feito no Benfica B, a equipa fica em boas mãos. Mas é sempre difícil perceber quanto do que a equipa joga é da responsabilidade dos jogadores (tendo em conta o pouco tempo de trabalho), porque a equipa tem um nível muito alto para a realidade da 2ª Liga. Tem quatro jogadores marcantes e um deles pode até ser lançado na equipa principal tendo em conta as necessidades da equipa: Florentino.
É um jogador que tendo em conta as carências da equipa nessa posição poderá permitir soluções diferentes daquelas que Fejsa pode dar com bola, e deve começar já a ser preparado para tomar conta da posição 6, a médio prazo, no Benfica."

Rescaldo...

"Alguns factos para compreender Rui Vitória e a sua trajectória no Benfica.
Na primeira época herda um plantel trabalhado e pensado por outro treinador. Foi inteligente ao manter o sistema de jogo mas nunca o aprimorou. Muito do seu sucesso na primeira época decorre da reação a fatores externos e momentos felizes. Nelson Semedo agarra o lugar criado com a saída Maxi Pereira. Lindelof substitui o lesionado Luisão. Renato Sanches preenche o vazio criado com a venda de Enzo Pérez e nessa semana o Benfica ganha em Braga. Jorge Jesus é um comunicador desastroso quando lidera destacado. Ederson rende Júlio César no aquecimento em Alvalade. Brian Ruiz falha um golo na pequena área nesse jogo, que dá a liderança. Raul Jimenez recebe uma bola impossível na grande área em Coimbra e converte! Esse mesmo jogador marca numa carambola em Vila do Conde. Termina uma época de grande felicidade, a todos os níveis e pelo que significou - contra tudo e todos. 
A segunda época começa com índices de confiança elevados. A lesão de Jonas é superada com a explosão de Gonçalo Guedes. Luisão e Pizzi fazem uma época incrível. Mitroglou teve um rendimento constante, muito além do esperado, como se viu em Braga. Até Lisandro marcou nos descontos no Dragão. Lindelof gelou Alvalade. Jonas regressa para uma segunda volta imparável. O poste em Vila do Conde foi amigo e Jimenez continuou a ser talismã nos últimos jogos abrindo a pista para a lambreta de Eliseu. O sistema de jogo manteve-se...
Na terceira época o ciclo de rendimento de alguns jogadores e a política de vendas lançam Rui Vitória à sua sorte. Seria o momento de deixar a sua marca, de ser capaz de "caçar com gato". Começa com uma Supertaça. Bom presságio. Mas uma desastrosa Liga dos Campeões revela insuficiências. Ao fim de dois anos de trabalho seria o tempo de fazer explodir Diogo Gonçalves, João Carvalho, Carrillo, Zivkovic... Nada de concreto, infelizmente. Certos jogadores como André Almeida, Pizzi, Fejsa, Jonas, Luisão são esticados para limites impossíveis. Os vitoriosos Samaris e Lisandro vão sendo relegados para a obscuridade. Desperdiçam-se dois períodos de contratações para recrutar um guarda redes. Sem plantel para o 4-4-2 vitorioso, chega o 4-3-3 de recurso. Taça de Portugal e taça da Liga revelam falta de reacção dos jogadores ao estímulo do treinador. Derrotas contra adversários acessíveis. O espírito de conquista perdera-se. E foi isso que faltou no momento mais importante. No dia em que aconteceria a vitória das vitórias, perante um odioso rival, Rui perdeu na atitude e galvanização. Na semana antes do jogo apelou ao apaziguamento. Opôs-se a uma campanha agressiva contra o suspeito Soares Dias. Não fez tudo o que estava ao seu alcance para ganhar. Conformou-se com a sorte (ou falta dela), mostrou-se inferior a Sérgio Conceição. Em casa. Perdeu o que nunca poderia ter perdido. A felicidade dos anos anteriores foi substituída pela responsabilidade directa nesse jogo. O seu ciclo terminou aí.
As vitórias desta época perante Porto e Braga foram espasmos de reacção. Mas a patologia estava instalada como se viu nas vitórias fáceis de outros adversários que seriam bastante inferiores. Com muitos jogadores descontentes, vários excluídos das opções e outros esgotados foram-se acumulando exibições inaceitáveis, depois de um investimento respeitável nesta época. Perante um ciclo expectável de insucessos justifica-se a interrupção do seu percurso como treinador do Benfica. Foi feliz, fez-nos felizes mas não deixou um cunho próprio no estilo de jogo. Não se ouvirão lamentos de jogadores pela sua partida.
Sabemos o que foi o Benfica de Erikson, o Benfica de Trapatoni, o Benfica de Jesus. Nunca recordaremos, especialmente, o Benfica de Vitória.
Apesar de tudo, Rui Vitória é Benfiquista e uma pessoa muito respeitável com lugar garantido na nossa história. Bem haja."

Reincidir no erro

"A segurança no desporto é um tema que não se esgota numa única vertente.
Ele contempla a segurança associada às instalações desportivas e aos espaços de jogo e actividade lúdico-infantil. Envolve a segurança associada à certificação da qualificação profissional de quem ministra as actividades físico-desportivas. Inclui os cuidados a ter com quem pratica desporto com e sem enquadramento técnico dentro e fora dos denominados recintos desportivos. Vai até à segurança física de quem assiste aos espectáculos desportivos perante manifestações de violência.
Cabe ao Estado regular os termos em que estas matérias devem estar salvaguardadas. E cabe igualmente ao Estado garantir que as disposições normativas criadas serão cumpridas.
Se faz todo o sentido que a produção normativa e demais obrigações tenha origem na instância governativa que tutela a área do desporto, já é menos compreensível que a responsabilidade pelo cumprimento das leis cridas seja cometida a estruturas da administração pública sem qualquer relação de subordinação com a tutela da área do desporto. E, acrescente-se, sem qualquer cultura, formação ou sensibilidade técnica para as questões que este envolve.
A atribuição de competências alargadas em matéria de segurança no desporto à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), cuja missão real e originária é a fiscalização e prevenção do cumprimento da legislação reguladora do exercício das actividades económicas, nos sectores alimentar e não alimentar, bem como a avaliação e comunicação dos riscos na cadeia alimentar, é um absurdo.
A recém-criada Autoridade Nacional para a Violência no Desporto (que melhor seria se se designasse para a “Segurança no Desporto”, valorizando o bem a proteger e não o mal a combater) foi uma oportunidade perdida para se equacionar o problema da segurança no desporto de uma forma integrada e holística e combater a dispersão do problema por varias instâncias da administração pública, algumas sem qualquer ligação funcional à tutela do desporto.
Somos, muitas vezes, confrontados com uma retórica sobre as disfuncionalidades e debilidades das políticas públicas no âmbito do desporto, em matéria de supervisão quanto ao cumprimento das leis. Mas em vez de encontrarmos melhores dispositivos para o seu cumprimento, buscamos na produção de novas leis a resposta à ineficácia das anteriores. Raramente paramos para pensar que o problema pode não estar nas leis e normas existentes, mas apenas nos dispositivos organizacionais existentes para o seu cumprimento. E, a verdade é que, mantendo-os disfuncionais, de que pouco servirão as novas leis.
Ora, quando está em discussão, na Assembleia da República, um novo diploma sobre o acesso à actividade de treinador de desporto que comete à ASAE responsabilidades em matéria de supervisão sobre certificação profissional, é reincidir no erro. Um erro cuja leitura, mais uma vez, só poderá ser uma: a lei não será para cumprir."

Por mim, ficava assim !!!

Benfiquismo (MLIV)

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Princípio de acordo com Rui Vitória

"A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD informa que chegou a um princípio de acordo com o treinador Rui Vitória com vista à rescisão do seu contrato com efeitos imediatos ao dia de hoje.
Ao treinador Rui Vitória fica o público reconhecimento de todos os Benfiquistas pelo valioso e meritório trabalho efectuado, que permitiu a conquista dos mais diversos títulos (2 Campeonatos, 1 Taça de Portugal, 2 Supertaças e 1 Taça da Liga).
Informamos que a orientação da equipa principal do Sport Lisboa e Benfica será assegurada de imediato e provisoriamente pelo treinador Bruno Lage."

Cerrar fileiras

"No Benfica, seja no início do ano, a meio de Agosto ou no final de dezembro, as derrotas chegam sempre na pior altura. Nunca há dias bons para se perder. No Benfica, aliás, é exactamente o contrário: o dia perfeito é aquele em que se ganha. Todos sabemos isso.
Esta será sempre a 'impressão digital' do Benfica e está aí a razão que ajuda a compreender a frustração geral sentida após a derrota de Portimão. Foi, claramente, um passo atrás. Neste clube, quando se perde não se desaparece nem se entra em hibernação de anos, fingindo-se que nada se passa.
É preciso também ter consciência, no entanto, daquilo que ainda está em jogo: o campeonato não chegou sequer ao final da 1.ª volta. Há 19 jornadas para realizar e 57 pontos por disputar. Ou seja, há 19 finais para ganhar. E ainda a Taça de Portugal, a Taça da Liga e a Liga Europa.
Estádio da Luz, 6 de Janeiro, 17h30. É este o jogo mais importante da temporada. É frente ao Rio Ave e teremos ali a primeira oportunidade para nos reerguermos e arrancar de novo rumo ao sonho. Há muito para conquistar. Juntos. Todos sabemos isso.

PS: Uma mentira repetida muitas vezes pode tornar-se verdade. É nesta ideia que acreditam todos os que, desde ontem à noite, vêm fazendo relatos de um “fogo posto” nas bancadas do Estádio Municipal de Portimão. Tratou-se do lamentável acendimento de duas tochas, rapidamente apagadas e sem quaisquer danos, tal como consta oficialmente no relatório do delegado ao jogo. Os pirómanos, no entanto, vêem sempre mais qualquer coisa."

Chaguinha... Especial !!!

City-Liverpool, um olhar sobre o jogo da jornada

"O treinador do Liverpool traduz a ideia de que não é necessário controlar o jogo e o adversário para ganhar jogos. Mas então o que aumentará hoje a probabilidade de ganhar?

Perceber o “estado de alma” em que uma equipa se encontra é fundamental para saber retirar o melhor de cada jogador. As vitórias trazem confiança e consequentemente aumentam a receptividade dos jogadores em ouvir o que o treinador quer para implementar no jogo. Perder este jogo no Etihad Stadium significará ficar a 10 pontos de Liverpool, que num contexto de Liga Inglesa, é significativo mas não determinante para as contas finais - tendo em conta que estamos a 4 meses de terminar a Liga mais competitiva do Mundo. Há que compreender que a imprevisibilidade na Liga Inglesa é tónico constante e estamos perante dois treinadores que adaptam as suas ideias em função das capacidades dos jogadores têm, com o objectivo comum de ganhar.
A grande questão de hoje e que paira no Etihad Stadium será: ter a bola nas melhores condições com a maior quantidade de tempo perto da baliza, aumentará a probabilidade de ganhar? Se isso acontecer teremos Salah, Firmino e Mané prontos para aproveitar uma perda de bola e “disparar” num contra-ataque rápido que se têm revelado bastante eficiente - nos últimos 6 jogos, tiveram influência directa (golo ou assistência) em 21 golos marcados.
Como se pode evitar esse tipo de contra-ataques? Irá ser determinante o posicionamento de Fernandinho na frente dos 2 defesas centrais assim como a capacidade em decidir “quem marca” o jogador entre-linhas (espaço) e “quem faz” a respectiva compensação (se alguém sair na marcação a esse jogador). É importante reflectir que o que faz com que existam mais “contra-ataques” é precisamente quando uma equipa tem a posse de bola, muitas vezes “esquece-se” de preparar uma eventual perda de bola (posicionamento dos jogadores que deixam de intervir no processo). É nesses momentos que o Manchester City terá que ser eficaz. É imprescindível os jogadores perceberem a importância de controlar espaço-tempo, ou seja, terão que vigiar os adversários que deixam de intervir no processo defensivo e encurtar para que seja mais difícil mover-se para o espaço.
O Liverpool é uma equipa que defende com muito critério, e a partir do momento em que a posse de bola é recuperada, os jogadores “libertam-se” e tornam-se donos deles mesmos fazendo com que a equipa se torne pragmática e eficaz nos processos de contra-ataque, que evidencia claramente a criatividade/qualidade de Salah, Firmino e Mané.
O que existe então em comum nestes processos? Algo que se percebe de forma clara é que os jogadores identificam as possibilidades de progressão de acordo com a circunstância existente no momento, imediatamente à recuperação da posse de bola. Reconhecem o que podem fazer no momento - e é aqui que o Manchester City terá que ser eficiente na forma de impedir que isto aconteça (não permitir espaços de progressão a Salah/Firmino/Mané).
Klopp traduz a ideia de que não é necessário controlar o jogo e o adversário para ganhar jogos. Mas então o que aumentará hoje a probabilidade de ganhar?"

O mito vive

"É ainda hoje o maior campeão da história da Fórmula 1, com sete títulos, e há cinco anos que pouco ou nada se sabe do seu estado de saúde, após um acidente nos Alpes franceses enquanto esquiava. Começou quase sem nada, competindo com um kart feito dos restos de outros karts e tornou-se uma lenda. Ultra competitivo e implacável nas pistas, Domingos Piedade, que deu um empurrão decisivo para que Michael Schumacher se tornasse Michael Schumacher e é o português que melhor o conheceu, diz que o alemão é um homem bom. Que faz falta e que faz esta quinta-feira 50 anos

Às vezes, um pequeno acidente de trânsito transforma-se em muito mais que um pequeno acidente de trânsito. Como naquele dia, algures em dezembro de 1990, quando um taxista de seu nome Eric Court e Bertrand Gachot, um mediano piloto de Fórmula 1, nascido no Luxemburgo mas a correr com uma super-licença da Bélgica, deram um toquezinho numa rua de Londres.
Como demasiados insignificantes incidentes na estrada, este escalou: no meio da discussão, Gachot atacou Court com gás pimenta. Nem Court nem Gachot saberiam, mas os décimos de segundo entre o momento em que o piloto premiu o spray e a chegada deste aos olhos do taxista mudariam o curso da história do automobilismo.
Uma espécie de efeito borboleta, mas a motor.
O caso chegou a tribunal e, em Agosto do ano seguinte, Gachot foi preso. Era véspera de GP da Bélgica e, de repente, a Jordan ficou com um problema em mãos: era preciso encontrar rapidamente um substituto para Gachot.
E foi assim, à boleia de um irritado belga nascido no Luxemburgo, que chegamos à estreia de Michael Schumacher na Fórmula 1.
O GP Bélgica duraria apenas uma volta para o jovem alemão, mas o 7.º tempo na qualificação era apenas o prelúdio para a chegada de uma nova estrela ao paddock. Era então um miúdo ambicioso, mas tímido. Esta quinta-feira, quase três décadas após aquela estreia involuntária, Michael Schumacher completa 50 anos sem que ninguém saiba - senão os mais próximos - qual a sua verdadeira condição, cinco anos após um acidente de esqui que o deixou seis meses em coma.
Daí para cá, a vida de Schumacher é um mistério, páginas e páginas em branco apenas rabiscadas como uma ou outra especulação sobre o seu estado de saúde. A 3 de Janeiro de 2019, data do seu 50.º aniversário, há apenas uma certeza: ele pode não ser o mais amado dos pilotos, mas nunca ninguém ganhou tanto quanto ele. Sete títulos mundiais de Fórmula 1, um feito inédito conseguido por um rapaz de origens humildes e que teve a ajuda decisiva de um português para lançar a carreira.
O ‘Padrinho’ Português
Domingos Piedade fala com o Expresso numa mesa onde estão três capacetes que lhe dizem muito. Um deles é do cinco vezes campeão do Mundo de motociclismo Mick Doohan, outro de Pedro Lamy. O último foi-lhe dado por Michael Schumacher no final do Mundial de Fórmula 1 de 1991, o tal em que substituiu Bertrand Gachot, que hoje em dia é mais vezes recordado como o homem que permitiu a estreia do maior campeão de sempre do que exactamente pelas suas proezas atrás do volante. 
“Chegou-me às mãos na terça-feira a seguir ao GP Austrália de 1991, que era então a última prova do calendário. Ainda tinha a viseira cheia de mosquitos. É o capacete com que ele faz a parte final do Mundial. Nessa altura, ainda me tratava por 'senhor Piedade' e quando mo entregou disse-me: ‘Nunca na vida tive nada para lhe poder dar e por isso dou-lhe o meu capacete’. Este capacete não ganhou nada, mas ganhou respeito, admiração e a consideração que ele tinha por mim e pela minha família”, explica o ex-vice-presidente da Mercedes AMG, que orientou as carreiras de Emerson Fittipaldi e Michele Alboreto, que foi íntimo de Ayrton Senna e o português que melhor conheceu Michael Schumacher.
Na verdade, é justo dizer que Domingos Piedade foi o homem que deu o empurrão que faltava na carreira de Michael Schumacher. “Dei-lhe uma mãozinha”, conta-nos.
Em meados da década de 80, Schumacher corria no kartódromo de Kerpen, perto de Colónia, onde competia também o filho mais velho de Piedade, Marc. “O meu filho é que me disse: ‘Pai, lá no clube temos um miúdo que guia muito mais que eu, se puderes ajuda-o’”.
Quando se deparou com Schumacher pela primeira vez, Piedade percebeu que estava ali algo diferente. “Vi-o correr de kart, que é distinto de um fórmula. Achei que ele tinha uma condução que podia ser agressiva para os fórmula, a maneira como ele entrava nas curvas, se encostava, quase que enroscava roda com roda. Mas via-se que era diferente. E quem anda bem de kart… andando bem de kart já não é preciso ensinar ninguém a guiar, os rapazes já sabem”.
Num mundo do automobilismo em que muitos dos pilotos vêm de famílias endinheiradas ou com tradições nas quatro rodas, Schumacher precisava mesmo que alguém lhe desse uma mão. Michael e o irmão mais novo, Ralf, também ele antigo piloto de Fórmula 1, cresceram no meio do barulho dos motores mas a família Schumacher vivia apertada de dinheiro. O pai, Rolf, era uma espécie de faz-tudo no kartódromo de Kerpen e a mãe, Betty, estava atrás do balcão do barzinho onde se vendiam as salsichas e as batatas fritas em dias de corrida. Nas palavras de Domingos Piedade, “não havia para ninguém” e os primeiros karts de Schumacher eram máquinas improvisadas com peças de karts antigos e pneus encontrados no lixo, que as mãos habilidosas de Rolf juntavam.
E mesmo assim, mesmo contra karts novinhos em folha, Michael era o melhor do kartódromo de Kerpen.
“Depois de o ver falei com o Willy Weber, que tinha uma equipa de Fórmula 3 e que andava à procura de um sucessor para aquele que tinha sido campeão no campeonato alemão”, continua Piedade. Schumacher foi então testar com o carro de Joachim Winkelhock e não desapontou: na sua melhor volta foi um segundo e meio mais rápido que o antecessor. Sem dinheiro de família para assegurar o lugar na equipa, foi aqui que a ajuda de Domingos Piedade foi essencial. “Fizemos uma vaquinha entre vários construtores, desde a Ford, a Mercedes, a AMG para arranjarmos uns dinheiros para ele correr na Fórmula 3”.
Schumacher responderia à confiança com o título em 1991, na sua segunda temporada na Fórmula 3 alemã.
Scumacher, o Homem
Enquanto nos bastidores ajudava a lançar a carreira de Schumacher, Domingos Piedade ia conhecendo o homem. E acompanhando o seu crescimento. “Um dia ele apareceu lá em casa. Estávamos em 1986 e eu morava em Colónia. Chegou lá assim com um ar muito humilde, muito tímido, introvertido. O Michael nem falava alemão”, conta Piedade. “Uma coisa é ter sotaque estilo do Porto. Mas nem era isso: ele falava mal. Falava dialecto de Kerpen, que é uma mistura daquilo que se fala em Colónia e Aachen. Kerpen fica mesmo no meio. É uma coisa que só eles falam e só eles entendem”, continua, relembrando os tempos em que Schumacher era visita de sua casa. “Quando fez 18 anos, comprou um Audi A80, todo tuning, com um grande tubo de escape, a fazer barulho e tal. Usava um Rolex look-alike, um fio de ouro, com um kart de ouro pendurado. Vinha às vezes à sexta ou ao sábado ter com o meu filho para irem à discoteca, porque o Marc não tinha carro. No meio daquilo tudo, as miúdas perguntavam ‘mas quem é aquele provinciano?’”
Schumacher pode não ter tido uma infância dourada, mas a inteligência que lhe é reconhecida em pista também a tinha na hora de aprender. Depois de começar a ser apoiado pela Mercedes, teve aulas de dicção, de alemão e inglês. Quando chegou à Fórmula 1, já era fluente no inglês - e com o passar dos anos tornou-se mais do que fluente; era eloquente.


O Início
Voltando a esse agosto de 1991, bastou uma qualificação para Michael Schumacher assegurar o seu lugar no futuro da Fórmula 1. E Bernie Ecclestone, então homem forte da prova rainha do automobilismo, rapidamente se interessou pelo alemão. Ou melhor, pelo dinheiro que este podia trazer, dando vida a um mercado da Alemanha com muitos milhões de adeptos do automobilismo, mas sem um verdadeiro herói desde Wolfgang von Trips, que morreu no GP Itália de 1961, prova em que um terceiro lugar lhe daria o título.
E vendo um caminho mais rápido para o sucesso do que a Jordan, o excêntrico britânico rapidamente aconselhou Flávio Briatore a contratar Schumacher. Logo na corrida seguinte, o alemão já era piloto da Benetton, terminando três das restantes cinco provas nos pontos. No ano seguinte chegou a primeira vitória, em Spa-Francorchamps, no mesmo GP Bélgica onde havia feito a estreia em 1991. O Estoril viu a sua única vitória em 1993, até chegarmos a 1994.
Esse é o ano em que quase tudo muda. Ayrton Senna muda-se para a Williams com o objetivo claro do título. Mas quem vence as duas primeiras provas é Schumacher. Em Ímola, Senna morre, Schumacher ganha e no pódio festeja. Muita gente não lhe perdoa, mas a história, conta Domingos Piedade, está cheia de mal-entendidos.
“Há quem não goste do Michael porque no dia 1 de maio de 1994 ele teve essa reação. Porque antes do pódio perguntou ao Ecclestone ‘How is Ayrton?’ [‘Como está o Ayrton?’] e o Bernie disse ‘He’s dead’ [‘Ele morreu’]. Mas ele percebeu ‘He’s bad’ [‘Ele está mal’]”, explica. Eu várias vezes falei com ele sobre isso e várias vezes quando estávamos com mais pessoas eu puxava esse ponto, não para ele se justificar, mas para ele explicar... ele é um bom homem, ele nunca faria isso. O Schumacher, tal como o Senna, tal como o Villeneuve, tal como o Hamilton e tal como o Verstappen são, em bom português, uns filhos da puta dentro do carro. E têm de ser. Todos eles eram ou são agressivos dentro do carro. Fora do carro, nenhum deles é mau, nenhum deles tem um coração que seja mau. É uma coisa que me incomoda, porque não corresponde à verdade. Mas aceito que as pessoas pensem dessa maneira”.
Schumacher seria campeão em 1994, repetiria o título em 1995 e depois mudou-se para a Ferrari. Na mais mítica das escuderias da Fórmula 1, Schumacher demorou quatro temporadas até conseguir ser campeão, quatro anos em que foi levando os melhores para consigo trabalhar e instalando definitivamente uma mentalidade vencedora na equipa, que não conquistava um título desde 1978, com o sul-africano Jody Scheckter. E quando começou a vencer, Schumacher não parou: foram cinco títulos consecutivos, sete no total, ainda um recorde.
Ainda assim, Schumacher nunca teve a aura de Ayrton Senna, ainda que o brasileiro só tenha três títulos em seu nome. As explicações para isso não são fáceis de encontrar.
“Em Itália, por exemplo, há um adoração por um piloto que nunca foi campeão do Mundo, o Gilles Villeneuve. E o que era? Era o carisma, a beleza. Eu acho que as pessoas admiram muitas vezes a irreverência. Como o Verstappen agora, como o Ayrton antes. É normal”, conta Domingos Piedade, que acredita que o facto de um sete vezes campeão de Fórmula 1 não ter o amor incondicional que ainda hoje tem um três vezes campeão é “entendível, embora não explicável”.
Um Homem Simples
Talvez também ajude a vida exemplar de Schumacher fora das pistas, ele que era implacável e muitas vezes irascível dentro delas. Discreto, sóbrio e recatado, longe do espírito extrovertido de Senna, casou cedo com Corinna Betsch, que “roubou” ao colega Heinz-Harald Frentzen quando ambos ainda corriam na Fórmula 3. O exclusivo do casamento, em 1995, foi vendido à revista de celebridades “Bunte”. Schumacher pediu que o cheque fosse enviado directamente à UNESCO, organização à qual doou cerca de 1,5 milhões de euros durante a carreira.
Na sua lista de acções solidárias estão a construção de uma escola em Dakar, de um centro de ajuda a crianças sem-abrigo no Peru e o financiamento de um hospital para crianças amputadas em Sarajevo, na Bósnia.
Mas Domingos Piedade revela que a generosidade de Schumacher vai para lá de actos públicos, dos quais nunca fez gala. “No grande Tsunami de 2004 morreu o preparador físico dele. E ele pagou tudo, além de ter feito uma doação muito grande à mulher e aos filhos dele. Estamos a falar de milhões. Ele é bom. Os alemães têm essa expressão: es ist guter. É um bom”.
Piedade relembra também com saudade a humildade de um homem que nada mudou apesar de ser o maior campeão de sempre da Fórmula 1 e por quem todo o staff da Ferrari chorou quando anunciou a sua primeira retirada, em 2006. E fala de um episódio em particular, que aconteceu poucos dias antes do acidente nos Alpes franceses que mudou para sempre a vida de Schumacher.
“O acidente foi a 29 de dezembro e ele tinha estado comigo dia 19. A AMG estava a modificar um Mercedes SLS para ele se divertir a guiar. Íamos até colocar o número 45 nas portas, porque era para lhe ser oferecido no seu 45.º aniversário, em Janeiro. E ele, que já tinha sido sete vezes campeão do Mundo só dizia ‘é incrível como cheguei aqui’. Para ele, que tinha tudo, o gesto era o que tinha valor. Para ele, ter avião, casas, um barco, centenas de milhões no banco, uma vida magnífica não era assim tão importante… ele gostava era de trabalhar no seu kart”.
Mais Um a Sofrer
As informações sobre o estado de saúde de Schumacher são escassas e evasivas e por isso é sempre difícil falar no futuro. Para Domingos Piedade parece até doloroso. “Não sei se está a melhorar, mas eu quero acreditar em algumas notícias que têm aparecido”. Piedade crê que, caso o infortúnio não tivesse batido à porta de Schumacher há cinco anos, hoje ele seria mais um pai a acompanhar o filho nas corridas - Mick é uma das actuais promessas do automobilismo. “A sofrer, que é o que os pais fazem no kart e nas fórmulas de ascensão”.
E depois de um momento de silêncio, Domingos, o mesmo que há 30 anos via Schumacher a entrar-lhe casa adentro, com o relógio falso, o seu fio de ouro e o seu carro tuning, suspira e diz apenas uma frase.
“Ele faz falta”"

No caderno da sorte

"Às vezes, Fernando Pessoa, uma daquelas figuras absolutamente universais, falava das vezes em que Deus deixava aberto o caderno da sorte e nunca uma frase terá cabido tão por inteiro na morte do jovem John Thompson, guarda-redes do Celtic, no dia 5 de Setembro de 1931.
«A morte chega cedo
Pois breve é toda a vida».
Thompson sempre foi um rapaz temerário. Gabavam-lhe a coragem ou confundiam-na com loucura, mas na Glasgow operária dos anos-30, das casas sem conforto, que faziam com que os homens fugissem para os «pubs» ou para o futebol, coragem tornara-se uma palavra tão vaga como miséria. Chamavam-lhe O Príncipe dos Guarda-Redes. Esguio, meão de altura, o boné sempre enterrado na cabeça, controlando o cabelo revolto que crescia para o céu como uma palmeira. Estudara na Auchterderran Higher Grade School, mas trabalhara desde garoto ao lado do seu pai, também Jonh, na Bowhill Colliery, a mina assassina de carvão de Fife. Vejam como as coisas são: no 31 de Outubro desse mesmo ano de 1931, as fundações dos túneis colapsaram matando nove dos homens de tez escurecida pela hulha. John Thompson pai não estava lá. Chorava ainda a morte do seu príncipe. 
Jimmy McGrory, o avançado dos mais de 500 golos, seu colega no Celtic, dizia: «He has artists hands!» Thompson confessara-lhe que iria ter um encontro nessa noite, no Rialto, na Hope Street, na esquina com a Sauchiehall, baile dançante com a rapariga que merecia os seus suspiros apaixonados, Margaret Finlay, empregada na fábrica Dunlop. Não conseguia esconder o entusiasmo. Mas faltou ao compromisso.
«O amor foi começado
O ideal não acabou».
Samuel English era ligeiramente mais velho do que Thompson (filho): cumprira 15 dias antes 23 anos. Natural de Crevolea, na Irlanda do Norte, dava os seus primeiros passos no Rangers vindo do Yoker Athletic, tinha uma vontade extraordinária de agradar aos adeptos mais exigentes, disputava cada lance como se fosse o último da sua vida. De certa forma, foi. Só que, no caderno da sorte, a morte calhou a John.
Thompson e Margaret pensavam no futuro e o futuro iria passar por uma alfaiataria de classe, fatos caros para os burgueses de Glasgow, industriais que tinham às suas ordens exércitos de operários vindos de toda a Grã Bretanha atraídos por uma revolução económica que abalou os alicerces da Europa e do mundo. Alguns dizem que, nessa tarde maldita, Margaret estava entre as oitenta mil testemunhas do drama que se desenrolou em Ibrox Park, sentada ao lado de Jim, irmão de John; outros dizem que surgiu transtornada à porta da Victoria Infirmary para onde Thompson foi levado de urgência por uma ambulância de St. Andrews. A lenda, por seu lado, conta que no momento em que a rótula de Sammy English embateu no crânio de John, se ouviu, vindo das bancadas, um grito medonho de mulher ao mesmo tempo que um silêncio constrangido tomava conta das gargantas dos adeptos do Rangers e do Celtic. «There were gasps in the main stand, a single piercing scream being heard from a horrified young woman», relatou um jornalista do The Scotsman.
Lance fortuito. English entrara na grande-área do Celtic, completamente isolado, Thompson, sempre intrépido, voara ao encontro da bola. O joelho de Sammy quebrou o parietal do seu adversário, provocando um buraco de cinco centímetros de diâmetro. O jogo caminhava para o fim, os maqueiros apressaram-se a rodeá-lo e transportaram-no para fora de campo. Ainda ergueu a cabeça. Quereria confirmar que impedira o golo? Um dos jogadores do Rangers que estudava medicina diria mais tarde que suspeitou o pior: Thompson não voltaria a defender as balizas do seu clube. John Arlott, um dos grandes da imprensa inglesa, que também foi poeta, dedicou-lhe um texto magnífico: «A great player who came to the game as a boy and left it still a boy; he had no predecessor, no successor. He was unique!»
Às cinco horas da tarde, o dr. Norman Davidson tentou o impossível. Thompson passara por convulsões sucessivas; uma veia rompera-se na testa, do lado direito; o sangue envolvera-lhe o cérebro. Os seus esforços seriam em vão. Declarou o óbito às 21h25.
A essa hora, o jovem John Thompson deveria estar nos braços de Margaret, dançando sobre o soalho de madeira do Rialto, murmurando-lhe ao ouvido promessas inevitáveis ou, se calhar, coisas tão cheias de arrebatamento que eu não poderia transcrever aqui sem fazer corar certas almas mais dadas à pudicícia. Afinal ela tinha apenas 19 anos e uma infinidade de emoções ainda por sentir.
«E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto».
Pois... Deus riscou John Thompson do caderno da vida.."

Afonso de Melo, in Sol

Prosa para um cão cego

"Colva - O cão cego coça violentamente a sarna. Tem buracos na pele escassa. Uma raiva contra a escabiose ou contra ele próprio?
Uma música antiga soa-me na memória: um chamado teu? “O teu corpo é luz, sedução/Poema divino cheio de esplendor…”
O Universo retoma o seu rodar universal enquanto outros cães correm na areia aflitos de cio.
O cão da sarna fica entregue à pata traseira que fere a orelha até ao sangue.
Porcos negros e crianças escuras retouçam por detrás das barracas de tectos de colmo; os pescadores vão puxando os barcos para a praia atraindo a curiosidade da aldeia; há um cheiro intenso a maresia que vem com o peixe acabado de chegar.
Amanhã, lá para sul, em Palolem, pode ser que Ambrose nos leve na sua canoa estreita até Butterfly Beach onde há um pedaço apertado, deserto, de areia clara por entre cajueiros e rochedos.
Amanhã iremos sempre pelo mar adentro; os golfinhos escondendo-se nos requebros da espuma; uma barbatana fugidia, rápida: um vislumbre; um salto em direcção ao sol: pingos de água. Mas só amanhã...
O sol que escalda os braços e os ombros sem clemência.
O horizonte ao estender da mão.
Uma intuição de naus e caravelas.
O ruído engasgado do motor velho.
A ferocidade da nossa mudez. Gosto de viajar calado.
Um funeral passa na estrada: gente de negro à impiedade do calor grosso transportando um corpo frio a caminho da igreja de Saligão. Yodhi, a cigana de Karnataka ajoelha-se nas ondas como num templo. Os corvos gralham trocistas; riem-se do cão com sarna que não tem direito a cio.
Amanhã é tão longe e, no entanto, é já amanhã."

Para um desporto novo...

"No meu pensar, os adeptos dos clubes, os apaixonados do futebol olham para o discurso, simultaneamente científico e filosófico, como um discurso que desconhece a realidade, como um discurso perfeitamente dispensável, na análise de uma competição desportiva, nomeadamente de um jogo de futebol. Estou certo que assim o pensam também os tecnocratas de obediência vária; os logorreicos que falam, falam, falam e… não dizem nada; os próprios treinadores que mais tendem a salientar os efeitos de superfície do que a sondar o fenómeno desportivo na sua profundidade humana, já que não há jogos, há pessoas que jogam. É verdade: por entre a torrencialidade balofa de palavras, acerca dos jogos das principais equipas; por entre as fraudes fiscais em que parece submergir-se o futebol mundial – esconde-se o braço secular de alguns políticos e os interesses económico-financeiros e doutros poderes estabelecidos (como a facturação dos direitos televisivos) afinal o que mais parece contar para as federações internacionais das mais conhecidas modalidades desportivas. Faltam outros valores, outros conceitos, que estimulem as pessoas a uma outra prática desportiva que recuse o específico e os objectivos (um exemplo, entre muitos) daquele Novo Plano de Superliga Europeia, que (se for verdade o que a Imprensa refere) limita a inclusão de clubes apenas a cinco países: Inglaterra, Espanha, Itália, França e Alemanha. Os clubes fundadores, segundo uma hierarquia criada não sei por quem, são o Real Madrid, o Barcelona, o Manchester United, o Manchester City, o Chelsea, o Arsenal, o Liverpool, o Paris Saint-Germain, a Juventus, o AC Milan e o Bayern de Munique. Há depois, como convidados, o Atlético de Madrid, o Olympique de Marselha, o Inter de Milão, o Roma e o Borussia de Dortmund.
“Ainda de acordo com o documento analisado pelo Expresso, o actual plano para criar essa Superliga Europeia passa por constituir uma empresa em Espanha, formada pelos clubes fundadores, que serão assim os seus donos. Não há qualquer referência à UEFA, a organização que representa todas as federações nacionais europeias e que organiza a Liga Europa e a Liga dos Campeões. Na futura empresa da Superliga, o Real Madrid tem a maior posição com 18,77% do capital social, logo seguido pelo Barcelona com 17,61%, pelo Manchester United com 12,58% e o Bayern com 8.29%” (Expresso, 2018/11/3). E, porque economicamente os nossos “grandes clubes” se encontram fragilizados; porque todos parecem imóveis, sem movimento, diante de um “beco” e procuram aflitos uma “saída” – a nascitura Superliga Europeia não é para eles. Relembro, aqui, o Dr. Medina Carreira, para quem “a economia portuguesa é o primeiro, o mais grave e o mais difícil de todos os nossos problemas actuais”. E, no mercado globalizado de hoje, sem economia sólida, os clubes vivem mais de guerras, de conflitos, de violência, de um caldo de cultura de simulacro e de simulação, de muitos meteoritos fabricados pelos media - do que de futebol, futebol autêntico. Resta-nos, a nós, estudiosos e aprendizes do desporto, uma intervenção cultural de plenitude e novidade, ou seja, resta-nos uma séria reflexão, que nos convide a uma prática, que se transforme em contestação do dado, do habitual, do costumeiro; que nos ensine, pela motricidade humana, quero eu dizer: pelo desporto, pela dança, pela ergonomia, pela reabilitação, a exprimir o mistério de um ser que transcende e se transcende. Por outras palavras: que, para inovar, tem de saber inovar-se. Para tanto, não basta um saber científico, quantitativo, neutro e objectivante. Fui, durante 28 anos (de 1964 a 1992) dirigente do C.F.”Os Belenenses”; lecionei (e muito aprendi) no INEF, no ISEF, na FMH e na FEF/UNICAMP (Brasil) – e cheguei à conclusão que, para compreender o desporto, é preciso compreender-se antes as pessoas que o praticam (que não são unicamente os jogadores, como se sabe).
Por isso, no nosso tempo, se bem penso, um desporto novo deve apresentar as características seguintes:
1. Primazia do elemento antropológico sobre modelos e estruturas onde o economicismo neoliberal e o fisiologismo cartesiano e positivista imperam. Segundo Peter F. Drucker, no livro Sociedade Pós-Capitalista, que eu cito com alguma frequência, na sua tradução portuguesa:; “De facto, o conhecimento é hoje o único recurso com significado. Os tradicionais factores de produção (…) não desapareceram, mas tornaram-se secundários. Podem obter-se, e obtêm-se facilmente, desde que exista conhecimento. E conhecimento, com este novo significado, quer dizer conhecimento como utilidade pública, como um meio para obter resultados sociais e económicos. Estes desenvolvimentos (…) são as respostas a uma mudança irreversível: o conhecimento está a ser aplicado ao conhecimento.. Esta é a terceira, e talvez a última fase da sua transformação. Fornecer conhecimento para descobrir como o conhecimento existente pode ser aplicado de modo mais adequado para produzir resultados é o que significa a gestão” (p. 55). No entanto, para mim, não me parece conveniente criticar um paradigma, sem um outro paradigma. Por isso, para o estudo do desporto, eu proponho uma nova ciência social e humana, a Ciência da Motricidade Humana, onde cabem, evidentemente, as bases biológicas da motricidade humana. Um ponto ainda a salientar: tudo o que é histórico é, inevitavelmente, transitório. A força motora do progresso não reside em saberes que não sabem desconstruir-se. No entanto, na História, algo permanece, para além de qualquer desconstrução – o ser humano! Com um destino a cumprir: a criação de um mundo mais fraterno e justo e solidário e amplamente livre. Quero eu dizer: um mundo, com aqueles valores, assumidos e vividos, sem os quais impossível se torna viver humanamente.
2. Primazia do elemento utópico sobre o factual e o tradicional: o elemento determinante do desporto, em Portugal, não pode ser o passado, que o taxamos, até 5 de Outubro de 1910 e durante o Estado Novo, particularmente reaccionário, pobre e analfabeto. Cada sociedade determina um certo número de atributos que configuram o que os cidadãos devem ser física, intelectual, moral e politicamente. O corpo, em Portugal, foi politicamente produzido e de acordo com os interesses da classe dominante. Foi considerado matéria tão-só e instrumento da Razão. O dualismo antropológico reflectia o dualismo senhor-servo. Hoje, na “sociedade do espectáculo”, mais do que uma prática físico-motora, as actividades corporais limitam-se a fazer de cada pessoa um espectador em potência de um espectáculo mundialmente teledifundido. Esta pandemia desportiva está de tal modo presente, na vida de cada um de nós, que já muitos a exigem como necessidade primeira, ao lado do movimento, do beber, comer e dormir – pandemia com a sua linguagem própria de classificações, de recordes, de medidas, de competições e duma iconomania de incomparável carga afectiva, com novos deuses e novas guerras, riscadas de feridas por cicatrizar. O desporto é assim apresentado (jamais tematizado e problematizado e produzindo pensamento) como um culto do rendimento, da “performance” física (fazedora de bestas esplêndidas) e completamente neutral, em relação a ideologias ou políticas. No entanto é neste desporto, que adormece as pessoas à recusa da sociedade injusta, que também se descobrem grandes negociatas, corrupção de toda a ordem e alienação de impossível neutralidade. Não esqueço quando, após o Mundial de Futebol de 1998, Zinedine Zidane foi eleito “o francês preferido por todos os franceses”, chegando a gritar muito rosto amarrotado pelo sofrimento:; “Zidane a presidente!”. Martin Rees, membro da Academia dos Lordes e um cientista de informação exaustiva e de excepcional destreza de raciocínio, já afirmou: “Não existe um Plano B, ou melhor, um Planeta B. Temos de viver neste planeta e salvar este planeta”.
Ora, este planeta só pode salvar-se, com uma Cultura diferente, para mim com as características fundamentais do franciscanismo (e que, julgo, o Papa Francisco ter abraçado): o fim de todos os dualismos, incluindo aqui também o dualismo antropológico cartesiano e a dicotomia contemplação-acção; colaboração fraterna, com os pobres, os marginalizados e a natureza (neste passo, ocorre-me o Deus sive Natura, de Espinosa); uma cultura científica e crítica, mas com a consciência que “a razão é clamorosamente insuficiente para interpretar a vida” (José Tolentino Mendonça); uma cultura visando um humanismo integral, ou o homem integral que transcende e se transcende numa íntima articulação com o desejo, o inconformismo, a justiça, a liberdade e, por último, a fé (“Tudo que sobe converge”, disse-o Teilhard de Chardin). Não foi por falta de ciência que aconteceu Auschwitz. Aliás, a ciência, sem outros valores, já foi cúmplice da mais torpe barbárie.
3. Primazia do elemento crítico sobre o tradicional e dogmático. Quero eu dizer: um desporto novo tem futuro se integrar, na sua definição e na sua prática, o trabalho de reconstrução da própria ideia de desporto, como revolução cultural. Para Eduardo Lourenço, a cultura somos nós próprios, “a cultura é a consciência que nós temos, cada um de nós tem, do mundo que o rodeia, é a maneira como (digamos) guardamos dele sinais que podem ser transmitidos de seguida a outras gerações. E cultura é nós mesmos como sujeitos, como expressão da vida consciente de si próprio, que é o Homem (in AA.VV., Portugal, o Futuro é possível?, 2016, p.17). Daqui se infere que uma cultura meramente livresca, elitista, majestática torna-se de flagrante inoportunidade, dado que a importância do conhecimento não reside, unicamente, em teorizar a realidade mas em transformá-la, com honestidade e competência e tendo em conta o “bem comum”.
4. Primazia do social sobre o individual, pois que a marginalização social de largas porções da população, acrescida de defeitos estruturais, que transcendem os indivíduos, conduz, quase sempre, a uma nítida marginalização, principalmente no âmbito da iniciação desportiva. Fazem-me o favor de ser meus Amigos dois hermeneutas de excepcional elucidação e refontalização da cultura portuguesa: José Eduardo Franco e Miguel Real. De um deles, o Miguel Real, em livro que é uma síntese magnífica (talvez incomparável) da Cultura Portuguesa, Traços Fundamentais da Cultura Portuguesa (Planeta, Lisboa, 2017) encontrei um texto de flagrante oportunidade, referindo-se ao livro de Guilherme d’Oliveira Martins, Portugal. Identidade e Diferença (2007), onde colhi o seguinte: “Segundo Guilherme d’Oliveira Martins, Portugal, reafirmando a sua complexa identidade cultural passada, mas recusando simultaneamente “o triunfalismo e o miserabilismo” (p. 20), tem hoje, nos princípios do século XXI, integrado na Europa, a grande oportunidade de superação dos seus traumas históricos, normalizando-se, racionalizando as estruturas sociais e estatais, unindo “pensamento e acção” (p. 19), integrando ambos num projecto completo e multidimensional, sumamente caracterizado pela abertura ao outro” (p. 177). E, acrescento eu: porque abertura ao outro, privilegiando as ciências sociais e humanas sobre as chamadas “ciências exactas”; e, no desporto, não dando único lugar de relevo ao campeão, ao atleta mediático, à unidimensionalidade em que descambam, com maior ou menor efervescência, os media, esquecendo, demasiadas vezes, o lazer desportivo e o desporto-educação e os princípios da ética desportiva. Uma pessoa que luta pela excelência física, intelectual e moral, ou seja, que a mediocridade não satisfaz, é sempre digna de louvor e de aplauso. É evidente que ressaltam falsos absolutos do hodierno desporto de elites e que os media amplificam, designadamente o mais despudorado individualismo, o mais vazio vedetismo. Ora, não há modalidade desportiva que não lembre o seguinte: o desporto é uma “escola de vida”, na medida em que ensina, sem cessar, que preciso dos outros (principalmente dos colegas, mas também dos adversários) para atingir os objectivos que me propus alcançar. O desporto, uma escola de vida, porque uma escola de solidariedade. Não esquecer ainda que o todo pode ser mais do que a soma das partes…
Boaventura de Sousa Santos e António Sousa Ribeiro, em sintonia com Hans Robert Jauss e Reinnart Koselleck (cfr. , Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, Outubro de 2002) defendem a “antropologização do saber”. E escreve António Sousa Ribeiro: “O problema, naturalmente, é como levar a cabo esse desiderato na era da informação, em que, aparentemente, a dimensão antropológica está condenada a diluir-se por inteiro na rede global” (p. 203). São muitos os valores que o desporto oferece a quem o faz e o compreende: o espírito lúdico, a competição fraterna, a disciplina, a coragem, a humildade, a cooperação, a jovialidade, a promoção da igualdade e da justiça. E outros valores mais poderia lembrar. A laicização da ética e a secularização do sagrado, no entanto, roubaram aos valores a essência teológica e, com o desprezo da teologia, nasceu a era do “pós-dever”, da “pós-moral”, onde mais se procura uma felicidade centrada nos sentidos, no consumo, no espectáculo, do que nos mandamentos de Jesus que reconhecem em Deus o sentido último do Ser Humano, da Vida, da Sociedade e da História. A ética republicana e kantiana, professando o culto das virtudes laicas, ao dispensar o elemento religioso e ao apresentar um evidente teor racionalista, perdeu o imperativo ilimitado dos deveres e o carácter sagrado dos valores. Daí, as palavras de Jesus Cristo: “O Reino de Deus não vem de tal forma que a gente possa contar com ele. Nem poderá dizer-se: ele está aqui ou ali, porque afinal o Reino de Deus está dentro de vós”. Com isto, Ele não diz que o Reino de Deus é puramente espiritual, mas que se fundamenta nos nossos mais profundos anseios. Por isso pode proclamar, ao sol de uma grande alegria: “Eis que faço novas todas as coisas”. O Homem é o único ser da natureza que não nasce unicamente programado, para ser natureza. Ele é cultura sobre o mais e portanto mais do que instinto e matéria e natureza, sem negar o instinto, a matéria e a natureza. E, como cultura, ele é espírito, como constitutivo inalienável da natureza e da existência humanas.
Mas o mal, como o bem, surgem também humanos e tão misteriosos um como o outro. No Homem, há Deus e há Diabo. E daí a dificuldade tremenda de a ética, totalmente Razão, encontrar forças e fundamento na luta contra os tempos de astúcia, suborno e calculismo em que vivemos. Relembro a voz de D. Helder Câmara, Bispo do Recife, donde emergia uma rouquidão própria da velhice (e que encontro também na minha velhice) mas, nele, uma rouquidão que parecia feita de melancolia e ternura: “Quando dou de comer a um pobre chamam-me santo. Mas quando me pergunto por que os pobres não têm comida chamam-me comunista”. É com Homens, como D. Hélder Câmara, como o Papa Francisco, como Nelson Mandela, como Martin Luther King, que pode vislumbrar-se que o Homem é mais do que estrita humanidade e portanto é religioso, antes de ser o crente de uma determinada religião, ou de uma qualquer metafísica que se aproxime do sentimento religioso. Muitos dos jogadores e dos atletas, imediatamente antes das competições em que participam, assim o dão a entender. Na época da “retirada da religião”(Marcel Gauchet) o desporto protagoniza, carregadas de desejos e promessas, práticas religiosas, ou narrativas metafísicas configurando um qualquer hiperurâneo platónico. Seja como for, o jogo é um ato espontâneo e voluntário e, como se estuda, elemento fundamental do desporto. Ora, no meu modesto entender, é mesmo a condição lúdica que faz do desporto uma prática humanista. Uma competição, sem ludismo, expurga, sem dificuldade, qualquer ideia de desporto. Embora não esqueça o aviso de Jacques Derrida, no seu Du droit à la philosophie: “il n’y a pas de hors-philosophie” (p. 515). O que há de novo e valioso, tanto no desporto, como no espectáculo desportivo, não são os problemas tácticos, mas aprender a dar mais do que a receber. Como o José María Cagigal dizia aos amigos: “O egoísta jamais compreenderá o desporto”."

Para uma política do absurdo: os Jogos Olímpicos da Península Ibérica

"Advogar a organização dos Jogos Olímpicos em Portugal, um país com de menos de dez milhões de habitantes com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano entre os países europeus (41º lugar), cujos cidadãos estão sujeitos a um esforço contributivo sem precedentes e, devido às cativações orçamentais do Governo, ainda se confrontam com serviços públicos a funcionarem abaixo da linha de água é, simplesmente, entrar no domínio da gestão do absurdo. É desvirtuar os valores ético-sociais que devem presidir ao desenvolvimento do Olimpismo nacional enquanto filosofia de vida que coloca o desporto ao serviço do desenvolvimento humano. É acentuar o jogo de soma nula que já resulta da dinâmica económica e social do País. É uma decisão absurda, quer dizer, o resultado de um processo através do qual um indivíduo ou um grupo actua de uma forma persistente e radical contra um fim que devia procurar atingir.
Por um lado, segundo os dados mais recentes da Rede Europeia Anti Pobreza (2017), 2.4 milhões de portugueses estão em risco de pobreza ou em situação de exclusão social. Quer dizer, mais de 1/5 da população (23.3%). O risco de pobreza monetária atinge 18.3% da população, cerca de 1.9 milhões de portugueses. Acresce que 8% da população, 599 mil pessoas, vive em agregados familiares excluídos do mercado de trabalho o que se traduz numa situação em que 18% está em situação de privação material. Pelo que, Portugal continua com níveis elevados de desigualdade, superiores à média europeia. Em 2017, o rendimento dos 10% mais ricos era dez vezes superior ao rendimento dos 10% mais pobres. Os grupos mais vulneráveis são as crianças e as mulheres. Mais de 24% das crianças e 18% das mulheres correm o risco de pobreza e exclusão social.
Por outro lado, de acordo com o nº 2.1 da Carta Olímpica, o papel dos Comités Olímpicos Nacionais (CONs) é o de “promover os princípios e valores fundamentais do Olimpismo nos seus Países, em particular, nos domínios do desporto e da educação, através da promoção de programas de Educação Olímpica a todos os níveis nas escolas, instituições de educação desportiva e física e universidades, bem como encorajar a criação de instituições dedicadas à Educação Olímpica, tais como as Academias Olímpicas Nacionais, os Museus Olímpicos e outros programas, nomeadamente culturais relacionados com o Movimento Olímpico”. Quer dizer que não consta na Carta Olímpica que os CONs tenham qualquer obrigação de se candidatarem a receberem a organização dos JO. Relativamente aos JO, os CONs estão, tão só, obrigados em fazerem participar uma missão dos respectivos países nos JO.
Qualquer decisão relativa a uma candidatura à realização de uns JO obriga à assunção de uma enorme responsabilidade ético-social por parte dos dirigentes políticos e desportivos sob pena de se entrar no domínio das decisões absurdas que, no fundo, não passam da mais pura demagogia em busca de um qualquer protagonismo político.
Como refere a generalidade da literatura, os resultados da realização de grandes eventos desportivos, de uma maneira geral, são muito menos positivos, para não dizermos negativos, relativamente aos antecipados e irritantes discursos cor-de-rosa, quer dizer, super-optimistas, proferidos à partida dos processos de tomada de decisão. Quer dizer, uma candidatura custa muitos milhões sem qualquer garantia de significativos efeitos benéficos para os países, a generalidade das populações e o desporto. Por exemplo, Tóquio, desde 2009, despendeu $225 milhões para vencer a candidatura para 2020. Por isso, é de fundamental importância perguntar ao presidente do COP: Portugal tem cerca de cento e cinquenta milhões de euros para despender numa candidatura ao JO? Os contribuintes estão dispostos a pagá-los e, em caso de vitória, a suportar os cerca de quinze a vinte mil milhões de euros que custa recebê-los?
O mínimo de bom-senso diz-nos que, no actual quadro económico e social do País com uma dívida pública de mais de 250 mil milhões de euros e uma dívida total (pública + privada) de mais de 700 mil milhões, com os serviços públicos a rebentarem pelas costuras e uma Situação Desportiva com uma das mais baixas taxas de participação da Europa, uma candidatura a receber os JO entra no domínio do mais completo absurdo. Todavia, em Portugal, já é longa a tradição do nosso nacional olimpismo de, face à falta de objectivos e projectos que tenham verdadeiramente a ver com as necessidades dos portugueses, anunciar uma eventual candidatura à organização de uns JO a fim de, tanto à esquerda quanto à direita, impressionar a oligarquia que, para além das políticas de educação e cultura, o que mais gosta é de ver o povo divertido. E hoje, o Movimento Olímpico (MO) está transformado num palco da mais primária demagogia onde os extremos políticos se encontram a fim de, com estratégias oportunistas semelhantes, instrumentalizarem o desenvolvimento do desporto através da constituição de um “exército de atletas” para participarem nos grandes eventos desportivos para “honra e glória” do regime, em prejuízo de políticas públicas de generalização da prática desportiva (do ensino ao alto rendimento) que, verdadeiramente, tenham a ver com as necessidades dos portugueses e, na relação massa elite, melhorem o Nível Desportivo nacional.
Em consequência, as pessoas estão a deixar de confiar nos dirigentes políticos e desportivos. Até um país como o Japão, como refere o jornal “The Diplomate – Asia / Pacific”, com uma previsão de custos de mais de 25 mil milhões de dólares, a gestão financeira dos JO de Tóquio (2020) tem decorrido à margem da confiança pública, quer dizer, daqueles que, depois, vão suportar o custo dos jogos não só em termos financeiros como em termos de deterioração da cultura democrática do país porque se existe sector social onde mais se tem permitido a existência de caudilhos tem sido, precisamente, o do desporto. Eles sabem, como afirmou Carl Jung, que o género humano não é capaz de suportar demasiada realidade e, aproveitando-se disso, afastam os críticos e aqueles que incomodam, apropriam-se do poder e, em nome da democracia directa, passam a gerir as organizações de uma forma autocrática.
Felizmente as populações também começam a acordar pelo que em diversas cidades dos países mais desenvolvidos estão a deixar de acreditar no discurso dos dirigentes políticos e desportivos uma vez que, para além dos enormes prejuízos que deles decorrem, ainda acabam por ser um justificativo para a ocorrência de inaceitáveis atentados aos direitos humanos. E, assim, está a aumentar o número de cidades que se rebelam contra a realização dos JO dentro das suas portas porque o poder político tem vindo a ceder cada vez mais às exigências do caderno de encargos do COI que cada vez coloca mais exigências sem que daí advenham os correspondentes benefícios para as populações. Quer dizer, os JO revelaram-se o negócio (a vaca leiteira) da segunda metade do século XX mas, agora, começam a ser postos em causa pelas populações que os têm de pagar. Os países pagam a organização, os artistas e o enquadramento humano trabalham de graça e o COI recebe os proventos do marketing e das transmissões televisivas. Entretanto, como acabaram por concluir no Brasil, relativamente ao Rio (2016) o COI ficou com os lucros e os brasileiros com os prejuízos. Quer dizer, o COI no Ciclo Olímpico do Rio (que inclui os JO de Sochi (2014) arrecadou a maior receita de sempre que atingiu $5,7 bilhões e os brasileiros ficaram com uma dívida que vai, certamente, levar as próximas duas ou três décadas a pagar.
Embora, na fase de projecto das candidaturas, os políticos garantam o contrário, o preço dos JO acaba sempre por ser suportado por dinheiros públicos que acabam por sair directamente do bolso dos contribuintes. Sydney (2000) custou $4,6 biliões dos quais os contribuintes tiveram de pagar $11,4 milhões. Atenas (2004) custou $15 biliões pelo que os contribuintes ainda estão a pagar, anualmente, cerca de $56,6 milhões. Pequim (2008) custou $42 biliões de dólares e pouco mais se sabe a não ser que muitos chineses das classes mais desfavorecidas, com as deslocalizações forçadas das áreas de residência acabaram por ser muito mal tratados. Londres (2012) custou $14.6 biliões dos quais 4,4 biliões foram pagos pelos contribuintes e, depois, ainda tentaram convencê-los que os JO tinham dado lucro. Quanto ao custo dos JO do Rio (2016) o último número conhecido é de 41,3 biliões de dólares para além de um parque desportivo na mais completa e confrangedora degradação e um país numa situação de descalabro social.
Perante estes factos e números há muito conhecidos, foi com um sentimento de incredibilidade que, através de uma entrevista ao jornal desportivo O Jogo (21-06-2018), ficámos a saber que a actual chefia do COP “veria, com muito bons olhos, uma candidatura ibérica à realização de uns Jogos Olímpicos.”! E o chefe do COP acertou em cheio na medida em que, passados que foram menos de cinco meses, quer dizer, em princípios de Novembro de 2018, os portugueses, incluindo os do Governo, foram surpreendidos pela notícia de que o primeiro-ministro espanhol havia proposto ao rei de Marrocos a organização de uma candidatura a três ao Mundial de 2030 em que Portugal seria o terceiro parceiro! Muito embora António Costa, posteriormente, tenha deitado água na fervura (noblesse oblige) pela atitude do Primeiro-ministro espanhol podemos aquilatar o que seria uma organização conjunta de uns JO em que Portugal passaria, certamente, a ser tratado por Espanha à semelhança do tratamento que Madrid reserva para as regiões autónomas espanholas. Por isso, para além das relações bilaterais que devem ser excelentes e da amizade que deve existir entre os portugueses e os espanhóis, uma coisa que os portugueses nunca se devem esquecer é que a história há muito que nos ensinou que “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”. E a chefia do COP devia saber disso. Por isso, um casamento olímpico com Espanha significa potencialmente o risco de ver os portugueses de bandeja na mão e guardanapo no braço a serem tratados como pessoal do catering.
O obsessivo desejo por parte dos chefes do COP em receberem a organização dos JO não é nova. Direi mesmo que tal obsessão deve ser um dos fetiches mais queridos dos nossos dirigentes olímpicos porque entra no domínio de uma tragicomédia que, felizmente, de flop em flop, tem vindo a acontecer desde os princípios dos anos noventa. Vejamos a linha temporal dos acontecimentos.
O “Público” em 13/11/93 anunciava que os dirigentes do PSD durante a campanha para as autárquicas, logo secundados pelo PS, prometeram a realização dos JO no Porto em 2004! No frenesim em que transformaram a campanha, bem poderiam ter prometido o elixir da vida eterna pois seria a mesmíssima coisa.
Passado o prazo para os JO de 2004, surgiu a candidatura para 2008. E a 30 Outubro de 1999 (Público, 31/19/99), (note-se que a decisão sobre a cidade que receberá os JO é realizada sete anos antes) foi o próprio Presidente do Comité Olímpico Internacional (COI) a anunciar que 13 cidades eram candidatas à realização dos JO de 2008 entre as quais Lisboa! Contudo, poucos dias depois, o Governo e o COP anunciaram não existirem condições para que tal pudesse acontecer. O secretário do COP justificava-se perante o País: “Portugal precisa, primeiro, de se afirmar no plano desportivo, com obtenção de grandes resultados” (Record, 3/2/00).
Seis meses depois o problema estava resolvido! Armando Vara, Ministro do Desporto, acabadinho de tomar posse a 14/9/00, ofuscado pelo fogo-de-artifício de Sydney e embalado nas palavras dos nossos olímpicos dirigentes, portanto em perfeitas condições para tomar uma decisão de, ao tempo, pelo menos sete mil milhões de euros, deu “luz verde à candidatura de Lisboa 2012” e afirmou: “Há uma grande vontade de todos em avançarmos com o projecto” (Record, 1/10/00). Os resultados, passados que estão dezanove anos, estão à vista.
José Lello que substituiu Armando Vara emendou a mão e afirmou ao “Record” (1/7/01): “Temos de ter a noção do que podemos fazer e eu acho que lançar uma candidatura aos JO (…) é continuar a investir no discurso da retórica e não no discurso do rigor”. Ao tempo, José Sócrates, que havia sido Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro (e responsável pela pasta do desporto) do XIII Governo Constitucional presidido por António Guterres, numa entrevista ao desportivo Record (28-07-2001), secundou a posição de José Lello e disse: “… achei sempre ridículo e caricato alguém falar disso. (…) Acho megalómano”.
Mas o ex presidente do COP não se deu por vencido. Depois de ser recebido pelo primeiro-ministro António Guterres informou solenemente a comunicação social (Público, 31/7/01): “Fiz a proposta utópica e irrealizável de Portugal receber os Jogos Olímpicos (JO). Não é importante em que ano, 2016 ou 2020...”. Rui Cartaxana expressou magistralmente a sua opinião no “Record” (1/08/01): “Totalmente de acordo, quanto à proposta. Quanto ao ano, sugiro antes 2442, que é uma capicua”. Perante tal derrocada prospectivo-epistemológica a comunicação social entrou em acção e foram vários os políticos que tiveram de expressar a sua opinião acerca da realização em Portugal (eventualmente em Lisboa ou no Porto) de uma edição dos JO. Entre outros, Carlos Carvalhas, respondeu a “A Bola” (13/3/02): “Nas condições actuais essa candidatura não faria sentido e poderia ser mesmo uma irresponsabilidade”. E Durão Barroso esclareceu: “Primeiro temos que atingir padrões europeus de prática desportiva, depois poderemos pensar em outros desafios” (A Bola, 14/3/02). Marcelo Rebelo de Sousa na TVi (22/8/04) pôs um ponto final no assunto afirmando que “quem defende a organização dos JO em Portugal não sabe o que está a dizer”.
Todavia, aqueles que julgavam ter sido posta uma pedra sobre o assunto estavam completamente enganados. Na abertura dos JO de Atenas (2004), tal qual tragédia grega, foi preparado o enredo para, de uma forma maviosa, envolver o Presidente da República (PR) na candidatura aos Jogos de 2016. Para que tudo parecesse perfeito foi fundeada a Sagres no porto de Pireu, a fim de fazer de residência oficial do PR. Contudo, Jorge Sampaio não foi no canto das sereias do nacional olimpismo. E, numa espécie de Ulisses à portuguesa, fez-se amarrar ao mastro principal da Sagres, quer dizer, à nossa realidade sócio-desportiva e recusou a hipotética candidatura: “Trata-se de um empreendimento demasiado avultado” (Record, 13/8/04). Não se sabe quem foi a Circe de Jorge Sampaio, o que, sem sombra de dúvidas, se constatou foi que os portugueses tinham de continuar atentos aos olímpicos devaneios dos dirigentes desportivos porque, se não o fizessem ficariam a braços com uma dívida de quinze ou vinte mil milhões para pagar. E não era para menos na medida em que, a 30 de Agosto de 2004, o presidente do COP, num programa da RTP1, voltou à carga argumentando que a realização dos JO, para além de ter viabilidade económica, exemplificando com Atenas, contribuiria para ultrapassar a “falta de profundidade” do desporto nacional. Entretanto, no rescaldo dos JO de Atenas o então presidente do COP avançou com a ideia de uma “candidatura aos Jogos…para perder” (Record, 22/9/04). Por sua vez, o edil de Lisboa, muito provavelmente, deslumbrado com o cenário mitológico da abertura dos Jogos de Atenas a que havia assistido, declarou: “…apercebi-me do tipo de preocupações, de necessidades e investimentos que tiveram de ser feitos, e seguramente Portugal está à altura do evento” (Correio da Manhã, 27/11/04).
Felizmente, os portugueses acabaram por perceber a extraordinária incoerência económica e desportiva dos JO de Atenas (2004). As estimativas iniciais de seis mil milhões de dólares, dispararam para nove mil milhões para o custo dos Jogos ter ficado em mais de catorze mil milhões. Os resultados foram impressionantes na medida em que se a dramática situação socioeconómica dos gregos se ficou, também, a dever à organização dos JO no que diz respeito à “profundidade desportiva” o desenvolvimento do desporto grego também deixou muito a desejar uma vez que, ainda os Jogos não tinham começado, já a Missão Olímpica grega estava envolvida em questões de doping que geralmente é o que acontece quando no desporto se quer dar um passo maior do que a perna. 
Cerca de dois meses depois perante uma centena de figuras ligadas ao desporto, José Sócrates, já na qualidade de líder socialista afastou a hipótese de uma candidatura, alegando que as condições económicas e financeiras “não permitem ao país entrar nessa aventura” (TSF, 18/1/05). Mas o presidente do COP não desistiu e, em Julho de 2005 fez a proposta “sui generis” de se apresentar uma candidatura já com a intenção de se perder. E dizia: “não há que ter medo de perder porque se trata de desporto e só um pode vencer.”! (Record, 7/07/2005).
No ano seguinte, durante a Gala (2006) do 97.º aniversário do COP o presidente da instituição não se coibiu de voltar ao assunto. E o ministro da Presidência (que tutelava o desporto), Pedro Silva Pereira que participava na cerimónia foi apanhado completamente de surpresa. No seu discurso limitou-se, polidamente, a responder que “o país precisa de sonhos e ambições” mas frisou que “esses projectos têm de ser avaliados, sobretudo porque envolvem importantes recursos financeiros públicos” (Diário de Notícias, 2/11/2006). Uns dias depois, Laurentino Dias, ao tempo Secretário de Estado da Juventude e Desporto concluiu que o País não tinha condições para se envolver na organização de um evento desportivo da envergadura dos JO (Diário de Notícias, 25/11/2006).
Mas a comunicação social estava apanhada pela possibilidade da realização dos JO numa cidade portuguesa. Por isso, em 2007, depois de uma visita a Pequim do edil de Lisboa António Costa, onde teve a oportunidade de visitar as infraestruturas e equipamentos que iriam ser o palco da organização dos JO, perante as perguntas da comunicação social esclareceu (Lusa, 24/10/07) que Lisboa não ia candidatar-se à organização dos Jogos Olímpicos. A candidatura à organização dos Jogos Olímpicos é algo que a Câmara Municipal de Lisboa "nem sequer está a equacionar". E, acrescentou: “é algo que não está em cima da mesa (…) mas o futuro é muito longo”. Claro que o futuro é muito longo. O que presumimos que aconteceu foi que, como Liang Lijuang relatou no livro “He Zhenliang and the Olympic Dream”, alguém informou António Costa de que o processo de candidatura da China a receber os JO decorria de um projecto que tinha mais de cem anos.
Agora, inopinadamente, o actual presidente do COP foi mais longe no nosso triste nacional olimpismo e, sem falar com ninguém, desde logo com o governo português e o homólogo espanhol (não sabemos se, sequer, falou com os membros da sua direcção, em especial com Rosa Mota, e se tal conversa ficou gravada numa acta da reunião da Direcção), avançou, como diz o jornalista, com uma “ideia revolucionária que, para além de outros aspectos absurdos vai contra a Carta Olímpica ao sugerir a organização conjunta entre Portugal e Espanha de uma edição dos JO.
Hoje, o desporto é demasiado importante para, sem qualquer racionalidade lógica e sem qualquer preocupação estratégica que, por princípio, obriga a uma ampla decisão democrática, se pretender tirar efeitos políticos de anúncios de eventos desportivos de mais que duvidosa viabilidade de concretização. Uma candidatura aos Jogos Olímpicos exige um padrão de competência e responsabilidade que não se compadece com as habituais tiradas de alguns dirigentes políticos e desportivos em busca de um lugar no Olimpo.
Perante as dificuldades económicas e sociais que o país vive e que no quadro actual da economia mundial não têm fim à vista, não me parece minimamente sensato falar em receber os JO que, para além de se sugerir que aconteça numa ridícula para não dizer perigosa candidatura com os espanhóis, não considera o estado de desorganização total em que o desporto nacional se encontra como o País teve a oportunidade de constatar dos trabalhos do último Conselho Nacional do Desporto (Record, 20, 21, 22-12-2018). Consideramos mesmo ser uma falta de respeito para com os portugueses que vivem com dificuldades e não têm sequer acesso ao desporto avançar com tal proposta quando se sabe, que depois de tal aventura seriam os portugueses a pagarem a factura e, como é habitual, os dirigentes políticos e desportivos a receberem as condecorações. Por isso, são de ponderar seriamente as palavras de Vasco Lince antigo presidente do COP teve ocasião de referir “a conjuntura não é favorável à candidatura de Portugal à realização de grandes eventos desportivos internacionais, desde logo porque a população não estaria mobilizada” (Dez, 25/11/06).
Lançar a ideia da realização de uns JO Ibéricos à revelia da posição do Governo, da ausência do envolvimento das Federações Desportivas, sem falar com o presidente do CON espanhol, sem considerar a Situação Desportiva nacional e garantir a adesão dos portugueses e à margem da cultura olímpica expressa na Carta Olímpica, parece-nos um absurdo do tipo Alice no País das Maravilhas, que só pode prejudicar o desporto e o País.
No actual quadro de subdesenvolvimento do desporto nacional, perante a incultura que representa a hilariante perspectiva de uns JO da Península Ibérica, já vai sendo tempo das Federações Desportivas e demais membros da Assembleia Plenária começarem a construir uma alternativa aos actuais corpos gerentes do COP."