"Um golo do jovem central, aos 93’, seguido de um corte providencial, aos 98', deram a vitória (1-0) aos campeões nacionais na visita à Amoreira. Contra um adversário que partiu para esta ronda em último da I Liga, Schmidt fez seis alterações no onze, estreando Tengstedt a titular, mas as águias foram apáticas durante demasiados minutos do encontro e só resolveram no fim
Um ano dá para muita coisa. Que o diga António Silva, que só precisou de uns meses para ir da equipa B do Benfica para a ribalta da Liga dos Campeões e do Mundial, onde se tornou no mais novo de sempre a jogar por Portugal. Em novembro de 2022, António Silva foi ao Estoril bisar na goleada (5-1) das águias frente aos canarinhos, no que, na altura, foi uma afirmação de personalidade, a cereja no topo do bolo do crescimento meteórico do adolescente.
Passados 11 meses, António Silva já não é a jovem novidade. Consolidou-se no Benfica onde, juntamente com João Neves, carrega uma certa mística de clube, um espírito que parece vindo do Seixal para se instalar algures entre o campo e as bancadas da Luz, uma essência que se vê nos festejos de corte, no sorriso a festejar vitórias, no apontar para o símbolo quando se marca.
Se, em 2022, o Benfica foi ao Estoril passear, agora fez a curta viagem até à Amoreira para sofrer. O que antes eram certezas — um onze base sabido de memória, uma pressão agressiva e eficaz, um modelo de jogo baseado na velocidade e no veneno — agora são dúvidas: a lateral-esquerda não parece ter dono fixo, o ponta-de-lança vai mudando na orfandade de Gonçalo Ramos, Rafa voltou a ser o Rafa irregular.
Mas, em contra-ciclo com este encolher de virtudes, António Silva vai-se agigantando. Instalado na titularidade, aos 93' foi à área oposta resgatar três pontos, apontar para o símbolo, sublinhar que aqui há um campeão nacional com gente que cuida da mística. E, como se fosse pouco, cuidou do tesouro que conquistou, com um corte de cabeça aos 98' a assegurar o triunfo.
No regresso à I Liga depois da derrota de Milão, Roger Schmidt operou uma mini-revolução. Houve seis mexidas no onze, entre mudanças que, por lesão, já se conheciam (as saídas de Bah ou Di María), o regresso de António Silva ou a mais inesperada estreia a titular de Casper Tengstedt. Mas a exibição do Benfica leva a equipa para a paragem da seleção com o acentuar das questões que têm sido colocadas nestes dois meses de temporada.
Anestesiado pelo resultado da Liga dos Campeões ou a apalpar terreno perante tanta alteração, o Benfica atuou quase sempre adormecido. O Estoril, que entrou nesta ronda em último, fez o terceiro encontro com Vasco Seabra depois da saída de Álvaro Pacheco, tentando ganhar a solidez e consistência que já na época passada escassearam, dando sentido coletivo a um conjunto cheio de individualidades com passado de ligação aos maiores clubes nacionais, de Mateus Fernandes a Pedro Álvaro, passando por Tiago Araújo ou Heriberto Tavares. Voltou a cair nos descontos, zona mortífera para os canarinhos neste campeonato.
Na apatia dos primeiros 25’, foi a técnica de Rafik Guitane a destacar-se. O talentoso canhoto conduz a bola colada ao pé, com amor e carinho, levando-a por deambulações pelo campo, segregando-lhe artifícios que o ajudam a fintar adversários. Faltou quase sempre critério ao Estoril para criar oportunidades quando saía da pressão dos visitantes.
João Neves, no dia seguinte à chamada à seleção principal, começou no banco e Orkun Kökçü nem suplente foi. A dupla de médios, composta por Florentino e Chiquinho, repetiu uma fórmula bem conhecida da época passada. O segundo encontrou Tengstedt para a primeira grande oportunidade do encontro, mas o dinamarquês atirou ao lado.
Na parte final do primeiro tempo, o Benfica circulou mais rapidamente, com mais intenção e agressividade. David Neres viu Marcelo Carné negar-lhe o golo com uma grande defesa, aos 32’, antes de Tengstedt voltar a revelar má pontaria. Os três tiros do ponta-de-lança no primeiro tempo, todos em boa posição na área, saíram sempre desviados. O nórdico movimentou-se muito, nem sempre apresentou a maior precisão técnica e acabou substituído por Musa quando o tempo começava a escassear para os campeões nacionais.
Os visitantes voltaram a sair dos balneários com pouca vertigem ofensiva. Um lance aos 57’, em que Marcelo Carné travou um remate de Otamendi e depois a recarga de João Mário, foi uma exceção num cenário de pouca ameaça ofensiva.
Do outro lado, o Estoril somava alguns roubos de bola em zonas adiantadas e confiava sempre na magia de Guitane, fletindo da direita para o centro, para destabilizar. Num desses lances do criativo da camisola 10 e das meias em baixo, o buraco provocado estendeu a passadeira a Rodrigo Gomes, que serviu Heriberto para um remate ao poste, com Trubin já batido.
Desconfortável na partida, o Benfica foi ao banco tentar uma solução para o jogo, entre o baralhar das cartas que Schmidt vai fazendo. Bernat entrou para a esquerda, Gonçalo Guedes voltou aos relvados, atuando pela primeira vez desde maio. Aos 88', Otamendi falhou uma grande oportunidade, no que parecia ser uma sentença de empate para os visitantes.
Mas, quando Rafa se apagava e Neres agitava sem efeitos práticos, quando Aurses via o seu futebol total preso na lateral-direita, António Silva sacou da chama imensa que transporta, escondida atrás daquela face de jovem tranquilo. Musa amorteceu, o internacional português marcou.
O Estoril não baixou os braços e lançou-se em busca do empate. Ganhou um canto quase ao minuto 100, com o guardião Carné a ir à área de Trubin. Vital ganhou espaço para o remate mas António Silva, de cabeça, com aquela cabeça cheia de competitividade e maturidade, sacudiu o perigo, garantiu os três pontos e a liderança provisória, dando margem para Roger Schimdt pensar durante a paragem sobre a urgência da recuperação da identidade perdida."