"Recordemos mais um Benfica-Bayern: este para o famoso torneio Teresa Herrera. Foi em 1990 - mês de Agosto. Na tarde galega que fervia, os 'encarnados' de Lisboa foram melhores. Tal como haviam sido em paris, em 1972.
Bem sei, bem sei, não precisam de mo recordar: as aventuras europeias entre Benfica e Bayern de Munique têm sido dolorosas para os portugueses. Sei disso tão bem que até tive a oportunidade de ver ao vivo, no outro e neste Estádio da Luz, todas as visitas dos bávaros a Lisboa. Como por acaso também estive do outro lado da Segunda Circular a ver o Sporting ser ainda mais estragado por esse ogre alemão que faz da trituração dos adversários mais frágeis uma espécie de filosofia de vida.
Mas, na passada semana, trouxe até aqui um Benfica-Bayern diferente, jogado em Colombes, Paris, para um torneio internacional: vitória do Benfica (2-1) e exibição de encher o olho, sobretudo de Eusébio e Jordão.
Porque o Futebol entre os grandes clubes do mundo tem um ritmo próprio e universal. De tempos a tempos cruzam-se, como cometas, pouco importa se oficial ou particularmente. É o destino que os obriga: e nada há a fazer contra a poderosa força do destino.
Ora, desta vez recuo menos no tempo. Só até 1990. 17 de Agosto de 1990.
O Benfica participa no famoso veraniego Teresa Herrera.
Como geralmente acontece nesses grandes torneios do cáustico Verão espanhol há quatro equipas em prova - meias-finais e final.
Aos 'encarnados' calha a fava encarnada teutónica - esse mesmo!, o Bayern de Munique.
Em 1990, já o Bayern era Bayern em toda a sua plenitude de grandes conquistas internacionais, ao contrário do que sucedera em 1972, quando ainda não vencera a primeira das suas três taças consecutivas dos campeões europeus.
O Bayern metia medo, tal como hoje mete medo.
E a coragem é, no fundo, a forma de lutar escondendo o medo, deixando-o no fundo de nós mesmos, encarando as nossas virtudes e as nossas imperfeições.
Foi isso que o Benfica fez, em Munique e em Lisboa, ainda agora mesmo...
Foi isso que o Benfica fez no dia 17 de Agosto de 1990, na Corunha.
Sem medo. Nem do adversário nem de si e das suas circunstâncias.
Um Benfica estranho
Vamos ver como jogaram Benfica e Bayern nessa tarde escaldante?
BENFICA - Silvino; William, Samuel, Veloso, Ricardo e Schwarz; Vítor Paneira, Thern e Sanchez; Rui Águas e Isaías.
BAYERN - Aumann; Grahammer, Augen, Kohler e Pfluger; Reuter, Forfner, Effener, Effernberg e Strunz; Wolfart e Brian Laudrup.
Um Benfica pelo menos estranho na sua exposição em campo. Abusando de centrais, o que nunca foi verdadeiramente hábito enraizado para os lados da Luz, embora eu, pessoalmente, e desculpem-me aqui a colherada, sempre tenha tido um apreço especial pelo desenho dos três centrais - desde que sejam mesmo três e não se transformem em cinco teimosos defesas, mas isso são contas de um rosário que não é nada para aqui chamado.
Os 'encarnados' de Lisboa ganharam por 2-1, golos de Schwarz e Águas. Para o Bayern marcou McInnaly, já à beirinha do fim, ele que entrara aos 85 minutos para o lugar de Kohler.
A vitória não teve mais peso porque, na final do torneio, o Benfica viu-se batido pelo Barcelona (0-2). Mas foi uma vitória. Não há muitas vitórias sobre o Bayern de Munique na enorme lista que os 'encanados de águia ao peito' apresentam no seu vertiginoso carrossel internacional que está a dois jogos apenas de atingir a impressionante marca de 400 encontros oficiais para as provas europeias. E, vocês que têm a ternurenta paciência de me ler, sabem que me recuso a reduzir as provas internacionais àquelas organizadas pelos subservientes serviços uefeiros e que nos fazem esquecer competições de brilho intensíssimo como foram, por exemplo, entre outros, a Copa Mitropa ou a Taça Latina.
Benfica e Bayern voltarão a encontrar-se. Inevitavelmente. Faz parte da história dos monstros fazerem frente uns aos outros. Demasiadas eliminações para a Taça dos Campeões (e Taça UEFA), dirão os mais realistas. Verdade indesmentível. Mas também a lição de que, a qualquer momento, em qualquer estádio do mundo, veremos as duas equipas perfiladas lado a lado para mais um confronto que ficará preso como os outros na aldeia branca da nossa memória.
Que seja um jogo de campeões, como foi o último. De campeões e de cavalheiros.
O Futebol precisa disso. A nossa consciência também."
Afonso de Melo, in O Benfica