"O futebol português vive uma rotatividade frenética nos bancos técnicos: na época passada, mais de metade dos clubes da Liga alteraram o comando técnico das suas equipas, a ilustrar bem a instabilidade estrutural que se instalou no setor. Neste cenário de crescente volatilidade e instabilidade, a figura do treinador tornou-se objeto de escrutínio constante.
O caminho para a desvinculação legal
Afastar um treinador do comando técnico de um clube não é um «divórcio instantâneo». Por detrás de um simples comunicado de intenção oficial desenrola-se uma complexa teia jurídica e regulamentar, no qual o vínculo, embora ferido, permanece juridicamente válido até à sua cessação formal.
A extinção deste laço profissional segue vias legalmente previstas: a revogação por acordo é a solução preferencial, através da qual o clube e treinador negoceiam um montante compensatório que permita uma desvinculação célere e sem necessidade de recurso às vias judiciais, desatando eficientemente este nó. Ou, frustrado o consenso, restará a via do despedimento promovido pelo clube, caminho juridicamente estreito, pautado por exigentes formalidades e quase sempre prenunciador de um litígio moroso.
O «garrote» regulamentar da Liga: um único treinador no banco
A transição entre técnicos enfrenta, porém, um obstáculo administrativo relevante. O Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal é perentório: o treinador principal e a respetiva equipa técnica só podem exercer funções se os respetivos contratos estiverem registados e validados junto da Liga Portugal e da Federação Portuguesa de Futebol.
Adicionalmente, exige-se o registo e a ratificação destes contratos pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), que participa como «ator invisível», garantindo, de forma cumulativa, a salvaguarda dos direitos do treinador cessante e a proteção dos novos treinadores, através da verificação da conformidade legal, formal e material dos contratos a registar.
Assim, enquanto o vínculo com a anterior equipa técnica não for formalmente cessado e retirado do registo, o clube não poderá inscrever novo treinador. Mais do que uma proibição de contratar, trata-se de uma condição de validade administrativa: a Liga reconhece apenas um treinador principal por equipa, impedindo a coexistência formal de dois técnicos no mesmo clube.
Este «garrote» funciona sempre a favor do treinador. O imediatismo do «fim de semana» e a necessidade de um novo rumo forçará o clube a - na falta de acordo - promover a cessação unilateral do vínculo e dessa forma garante que o treinador seja compensado em montante não inferior aos salários vincendos até ao final do contrato.
O treinador interino: entre solução e símbolo de urgência
O futebol não espera de todo pelos trâmites da burocracia. Quando a desvinculação ocorre sem que o clube tenha ainda assegurado a contratação de um novo treinador, o regulamento impõe a comunicação imediata dessa ocorrência à Liga, concedendo um prazo de quinze dias, contados a partir da data do primeiro jogo oficial em que se verifique a ausência da equipa técnica, para que o clube proceda à inscrição dos novos treinadores.
Durante esse período, o regulamento abre uma válvula de transição, ao prever a figura do treinador interino: um mecanismo de emergência que permite ao clube designar temporariamente um elemento da sua estrutura técnica para dirigir a equipa durante o interregno. Esta solução, visa assegurar a continuidade competitiva das equipas sem descurar o cumprimento das formalidades contratuais e regulamentares. Todavia, evidencia igualmente a pressão a que os clubes se encontram sujeitos: entre negociações de rescisão, comunicações à Liga e prazos exíguos, sobra pouco espaço para a serenidade.
Gestão desportiva vs. estabilidade contratual
O fenómeno da instabilidade técnica traduz, em última análise, a tensão entre a liberdade de gestão desportiva e o princípio da estabilidade contratual. As normas procuram compatibilizar ambos os desígnios, mas a pressão dos resultados raramente lhes concede tempo para coexistir. Entre o impulso da bancada e a letra do regulamento, é o Direito que, silenciosamente, dita o verdadeiro apito final."

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