"Domingo passado tive oportunidade de reiterar que a regulamentação desportiva não pode ser entregue em estado sem freio às federações desportivas e às ligas. Há um conjunto de matérias em que se demonstrou que a auto-regulação pura não serve o interesse público e afronta princípios legais fundamentais. Nem de propósito, no início deste maio, o Conselho de Justiça da FPF veio colocar a nu essa realidade e a subjacente necessidade de intervenção do Estado regulador.
A história é simples e conta-se depressa. Em junho de 2011, os clubes da LPFP aprovaram várias alterações ao Regulamento Disciplinar (RD), propostas então por Fernando Gomes. Este, garboso, tinha intoxicado a opinião pública com a emergência de “mudanças fortes na disciplina da Liga”, na boleia do impacto à inação da sua Comissão Disciplinar em face dos episódios do arremesso de bolas de golfe e outros objetos para os campos em certos jogos mais tensos e de certas declarações de dirigentes contra as equipas de arbitragem depois de nomeadas. Essa mensagem – profundamente ilusória, pois não trazia nada de tão novo assim nesses ilícitos – disfarçava, porém, modificações substanciais em matérias processuais e orgânicas que, não obstante haver méritos na reformulação de infrações, revelavam ilegalidades e violações estatutárias manifestas em muitos dos seus preceitos e invadiam competências inalienáveis do Conselho de Disciplina e da própria direcção da FPF – como exemplo mais chocante, chegava a dar-se poderes a uma nova “Comissão de Instrução e Inquéritos” (uma espécie de sucedânea do “corpo de instrutores”) e à Comissão Executiva da Liga para instaurar processos disciplinares…
O certo é que a nova versão do Regulamento Disciplinar foi aprovada pelos clubes. Gomes ignorava, aparentemente, que a sua vigência dependia de ratificação na assembleia geral (AG) da FPF. E, quando “descobriu”, teve de arranjar à pressa a desculpa que as eleições tardias para a FPF impediam a entrada em vigor na época 2011/12… Logo, ficaria tudo na mesma, à espera da nova AG que saísse das eleições federativas.
Chegado este fim de semana o momento da apreciação pela AG da FPF, chegou também o momento de se sujeitar a legalidade desse RD ao crivo do Conselho de Justiça (CJ) da FPF. Como se esperava, pela pena do sabedor e experiente conselheiro José Sampaio e Nora, a reprovação foi clara e letal para o então presidente da LPFP e agora presidente da FPF. “Violação flagrante” da lei e “ilegal” são as fórmulas usadas no parecer do CJ que melhor resumem a avaliação da putativa revisão de Fernando Gomes na Liga. Conclusão do CJ: “Por desconforme com a lei nos seus fundamentos e nas propostas apresentadas, não deve ser globalmente aceite e aprovado o pedido de ratificação do Regulamento Disciplinar (…), por conter alterações que colidem com a lei ou os estatutos [da FPF]”. Sendo assim, a ratificação foi ontem retirada da “ordem de trabalhos” da AG da FPF e Gomes viu do palanque o falecimento da anunciada “grande reforma”. Ironia do destino: o “gomismo” a ser o carrasco de si próprio. Sinais dos tempos?"
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