"Os miseráveis não têm cor: vestem sinistramente de negro como aves de rapina. São escuros como uma ameaça. E têm um chefe: o mais miserável de todos os miseráveis. O chefe dos miseráveis não tem respeito por si próprio e, por isso, ninguém o respeita. Exibe-se, vaidoso, sem perceber que provoca asco às pessoas decentes. O Madaleno trata-o como um cão e ordena-lhe que se enrosque a seus pés. O chefe dos miseráveis obedece, feliz, lambendo as botas que de vez em quando lhe pontapeiam o focinho. E então gane, feliz. Os miseráveis têm uma vida larvar perante o poder e são abutres dispostos a bicar a carne daqueles que querem viver de coluna direita, do outro lado da barreira. Sujeitos à prepotência corrupta de quem lhes ordena, guardam para si a prepotência miserável para com que não tem defesa.
Os miseráveis vivem de cócoras. São paus mandados, submissos e subservientes, servis e resignados, baixos e curvados. Não conseguem ser homens porque para se ser homem é preciso dignidade. Há miseráveis tão miseráveis que se sujeitam a beijar a mão (e o pescoço!) dos que os obrigam a dobrar a cerviz. Isto é: há miseráveis tão miseráveis que metem nojo, provocam vómito! (Ah! Ignóbil Azeiteiro-de-cabeça-d'unto, que torpe existência a tua!). Mas os miseráveis têm vidas atrás de vidas. Um erro mínimo, involuntário, que desagrade a D. Palhaço faz com que sejam imediatamente esmagados como reles insectos pelos tacões das botas desse poder infecto.
Depois ficam obrigados a recuperar a existência à custa de malfeitorias infames dirigidas contra aqueles que não se vergam. É assim a triste existência dos miseráveis, mamíferos invertebrados sujeitos ao desprezo até daqueles a quem multiplicam os favores. Sobrevivem. Vão sobrevivendo sempre à custa de nunca terem sido espinha. Teremos de aprender a sacudi-los, tal como quem sacode da lapela do casaco vestígios embaraçosos de incomodativa caspa."
Afonso de Melo, in O Benfica
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