"1. Não sou treinador de futebol. Sou apenas um especialista de bancada. E como, para já, nem isso nos deixam ser, estou apenas reduzido - como todos estamos - à condição de observador de sofá.
2. Ora, o sofá dá-nos isso: dá-nos capacidade de observação. E concede-nos essa faculdade com uma acuidade acrescida. Isto é: vemos os jogadores no grande momento da verdade - ou seja, a jogar, a exercerem os seus desempenhos singular e colectivo, que, afinal, é o que mais interessa para as questões da classificação e dos campeonatos.
3. A capacidade de observação de um analista de sofá é, mesmo, do melhor. Disso não há dúvidas. Com as maravilhas da técnica, até lhe dão a ver a coisa de vários ângulos, em repetição, uma e outra vez e sem faltar o ralenti. Nunca falha nada. Nem os erros escandalosos dos árbitros, nem as vergonhas dos vares. Nem as diversas e soezes durezas da maldita realidade dos factos.
4. Um observador de sofá não precisa de saber de treinos, nem de preparações, nem de palestras técnicas, nem de massagens. Dispensa, o conhecimento dos dados físicos, fisiológicos, técnicos, etc... que advêm do uso dos elásticos de GPS, do mapa das tomas de banhos de gelo ou do cumprimento rigoroso do regime alimentar dos atletas. Prescinde até de conhecer a que horas comem eles e o que é que comem. Um observador de sofá pode ignorar olimpicamente se eles dormem a sesta quando não há jogo; mas, seja do sofá ou da bancada, não haverá ninguém como ele, para destrinçar quem vai a jogo para passar pelas brasas...
5. Tem ainda outra coisa, assim que o jogo começa, com a primeira apitadela do árbitro: ele vê tudo, como ninguém; e, se não é à primeira, é à segunda; ou, se não for à segunda, à terceira será. Mas, falando por mim, ceguinho seja eu se - com os anos da prática de ver, da bancada e da televisão (desde o tempo dos canais a preto-e-branco...) - não tenho obrigação de ver tudo melhor e mais depressa do que qualquer especialista, sentado que ele esteja, seja lá em que cadeira for do estádio. Era só o que faltava.
6. A gente, com a televisão (e mesmo com o som da sport tv desligado) dispõe daquele dom especial (acrescentado pela experiência histórico de cada um) de olhar ao longe, de enxergar ao longe, de saber ver bem ao longe e de observar ao perto e ao pormenor, melhor e primeiro e mais depressa do que a generalidade dos melhores experts do mundo todo condenados a ver ao vivo.
7. Esse, aliás, é o crédito que todos os mais encartados peritos de futebol, eles próprios sem excepção, nos atribuem a nós, os especialistas de bancada ou analistas de sofá, sempre que lhes ouvimos afirmar que nós - os adeptos (.... e todos os adeptos são, cada um à sua maneira e conforme os casos, ou treinadores de sofá ou analistas de bancada, porque senão, não iam à bola...) - fazemos, realmente, muita falta ao jogo, não é verdade?
8. Resumindo. Por muito contraditória que a minha conclusão de hoje possa mostrar-se, às vezes, até parece que seja a nós que o futebol jogado como deve ser - com arte, talento e entrega - faça mais falta...."
José Nuno Martins, in O Benfica
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