"Antecipo-me, assim à má notícia que não tardará a chegar e não quero ver mais Axel Witsel a jogar à bola com a camisola do Benfica porque me parte o coração
NESTE arranque de época ver jogar Axel Witsel tem sido uma dor de alma. Não porque jogue mal mas, precisamente, pela razão contrária.
Joga bem, joga muitíssima bem e a ideia, tão verosímil, de o poder-mos perder, e antes ainda da coisa a sério começar, deixa-nos num desalento sem concerto.
No jogo do Benfica com o Slask Wroclow passou-se comigo o caso ridículo, desesperado, de ter desligado a televisão à segunda repetição (em câmara lenta) do triplete de nós cegos aplicados por Axel Witsel a uma quantidade idêntica de polacos, antes de servir Óscar Cardozo para que o paraguaio assinasse o primeiro golo do encontro.
Jogo à defesa, como estão a ver.
A quase certeza de poder perder a qualquer momento o melhor DJ belga que alguma vez conheci, aquele que põe a equipa a dançar, leva-me a não o querer ver mais. Prefiro não saber.
É um daqueles momentos em que temos de nos resguardar e traçar, sem demora, o parâmetro acima do qual só por masoquismo se sofre.
Uma pessoa tem de estar preparado para os quinhentos estados de nervos que cada nova temporada carrega. A vida é assim e o futebol também. Mas há limites, caramba. E nenhuma pessoa deve deixar-se resvalar, languidamente, para essa coisa indigna que é sofrer por antecipação.
Antecipo-me, assim, à má notícia que não tardará a chegar e não quero ver mais Axel Witsel a jogar à bola com a camisola do Benfica porque me parte o coração. Pela minha parte o assunto está resolvido e à maneira estóica, pois claro.
Pela parte do Benfica parece que não está.
Lendo o jornal ficamos todos a saber que o AC Milan e o Real Madrid continuam na perseguição ao jogador, que os italianos oferecem 20 milhões de euros pelos seus serviços e que o presidente do Benfica, ainda no princípio desta semana, afirmou publicamente que não aceita negociar Axel Witsel abaixo da cláusula de rescisão, no montante de 40 milhões de euros.
Sendo o belga um quase desconhecido quando chegou à Luz, aceita-se como realista o valor da cláusula de rescisão imposta no contrato assinado no Verão do ano passado entre o Benfica e o jogador.
Para o Benfica era bom que ninguém lá chegasse até porque, por estas bandas, continua-se a acreditar na palavra do presidente.
ESTÃO a chegar os Jogos Olímpicos. A Telma Monteiro vai ser a nossa porta-bandeira. Não há grandes esperanças em medalhas. E no entanto nunca se sabe. Que bom. O Benfica tem lá o Rodrigo e o FC Porto tem lá o Hulk. O Romário foi mauzinho com o Hulk. Disse que no Brasil há dez jogadores melhores do que o Hulk ocupa no escrete-olímpico. Mal-educado e arrogante, o Romário. Apesar de um jogar e o outro não, são colegas de profissão. Devia haver mais respeito. Também o presidente quando falou do Mantorras. Estava em Viseu a discursar nos paços do conselho. Ouviu um estrondo e disse: «Foi o Mantorras que caiu». Só para provar que ainda não está surdo. Uma falta de nível. Agora faz-se pouco do infortúnio alheio e ainda se ouvem palmas. E elogios. Voltemos aos Jogos Olímpicos, por favor. Gosto do atletismo. Gosto de ouvir os comentários do Luís Lopes. Enriquece-nos como espectadores emprestando-nos o seu saber. Assim é que devia ser sempre. Também gostava muito de ouvir o Jorge Lopes. Já morreu, uma tristeza. Nos Jogos também há ciclismo. Espero que seja o Marco Chagas a comentar. Foi um antigo ciclista e era bom. Também tem a capacidade rara de nos transmitir informação qualificada. Sem ser maçador. Antes pelo contrário, é um encanto. Reconheço que gosto de ouvir os comentadores de atletismo e de ciclismo. Já os comentadores de futebol frequentemente me irritam. Porque será? Tenho pensado nisto muitas vezes. Será aquela estupidez do clubismo? Que a todos assola quando mete bola? Provavelmente. Então quando não mete bola todas as opiniões são válidas? Não pode ser. É básico demais. Vou pensar melhor. Pronto, já descobri. É por causa dos árbitros. Os comentadores do ciclismo e do atletismo não têm árbitros com que se ocupar. Os do futebol têm, daí o busílis. Instala-se o desencontro de opiniões. Estala a polémica, tudo apita. Desportos sem árbitros são um descanso para as emoções mais primárias. E para as mais parvas. A propósito: o Pedro Proença também vai aos Jogos Olímpicos? Se for, boa sorte. Não se esqueçam de o ir esperar ao aeroporto. Estão a ver? Lá está a parvoíce.
-ENTÃO, este ano estamos entregues ao Carlos Martins não é verdade?
Foi assim que fui recebida, de chofre, num café à beira da estrada numa tarde muito quente deste Verão. O proprietário, pelo menos parecia ser o proprietário pelo à-vontade com que se movia entra a cozinha, o balcão e a salinha acanhada que mal dava para duas mesas e para meia-dúzia de clientes atónitos de calor... o proprietário, dizia eu, saiu de trás do balcão, de braços cruzados, em passo ligeiro para se encostar ao frigorífico das sobremesas e fazer uso da sua veemência, insistindo na mesma questão:
-Estamos entregues ao Carlos Martins, não é?
Pelo tom que empregou percebi que não estava a pedir explicações, o que muito sinceramente lhe agradeci em silêncio porque estas coisas cansam. Também me pareceu óbvio que ao proprietário não desagradava a ideia de este ano estarmos entregues ao Carlos Martins, tal como já me tinha dito duas vezes sem esboçar o menor aborrecimento pelo facto.
Era um homem novo, impossível não reparar, assemelhava-se até um pouco ao dito Carlos Martins, o que tornava a situação muito curiosa e vagamente cómica. Talvez fosse mais alto, supor meu que nunca conheci o original a não ser pela televisão que engana muito. Vestia uns calções curtos, trazia umas sandálias enfiadas nos pés e exibia uma tatuagem na barriga da perna direita. O tosco estava semi-coberto por uma dessas camisas de alças a que vulgarmente se chamam de «fiambre» em alguns círculos mais cosmopolitas da Capital.
Respondi-lhe o que me veio à cabeça:
-E estamos muito bem entregues...
-Concordo a cem por cento - disse o proprietário com grande precisão percentual continuando de braços cruzados encostado ao frigorífico.
-A cem por cento, não direi, mas aí a uns setenta, setenta e cinco por cento...
A conversa teve de ficar por aqui porque uma pequena cabeça de mulher com cabelos louros apanhados em carrapito fez a sua inopinada aparição pela janelinha que dava acesso à cozinha. E dirigindo-se directamente ao meu interlocutor, abriu-lhe os olhos num grito que se ouviu do meio da estrada:
-Ó Celso, olha que há aqui muita louça para lavar e tu só sabes falar com os clientes!
Não era o proprietário!
Esta revelação, contudo, em nada o desmereceu perante mim. Nem a ele nem à sua opinião, que me pareceu justa e bem ponderada, sobre as virtudes de Carlos Martins com quem era, como já o disse, extraordinariamente parecido.
Confundi-o com um patrão porque, num primeiro relance, vendo-o tão bem encostado ao balcão e, num segundo relance, vendo-o tão bem encostado ao frigorífico das sobremesas, precipitei-me a julgá-lo como um indivíduo que não recebe ordens de ninguém. Mas mesmo não sendo o patrão continuava a ser muito parecido com o Carlos Martins embora eu nunca tenha visto o Carlos Martins de braços cruzados ou encostado a nada. Nem eu, nem ninguém.
O futebol é como a vida, engana muito. E também dá lições. Podemos encontrar num qualquer café à beira de uma estrada um tipo, patrão ou não, semelhante ao Carlos Martins. Mas no Benfica, que é muito maior do que o cafezinho à beira da estrada onde parei numa tarde deste Verão, não há ninguém que se assemelhe ao nosso peregrino de Granada. Foi isso que também nos fez falta na última temporada.
E o Celso lá foi lavar a louça. Sem protestar. E nós muito bem entregues ao Carlos Martins."
Leonor Pinhão, in A Bola
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