"Colocando-se numa posição de baloiço socrático (pensamos na comédia grega de Aristophanes, Les Nués, onde se representa a personagem de Sócrates num “cesto” (baloiço) suspenso no ar, e que tem a pretensão de se colocar acima do ponto de vista do comum dos mortais), o barão Pierre de Coubertin (1863-1937), considerado o pai do olimpismo moderno, apresenta uma definição de desporto, persuadido que estava da excelência da educação corporal britânica e que militava pela introdução dos desportos ingleses nos estabelecimentos escolares franceses. Para si, o desporto “é o culto voluntário e habitual do exercício muscular intensivo, incitado pelo desejo do progresso e não temendo o risco” (Coubertin citado em Rioux, 1972, p. 2). Examinando o ponto de vista complexo, mas evolutivo, do renovador dos JO Modernos, que deixou milhares de páginas escritas sobre o desporto, este conceito tem em consideração cinco aspectos: iniciativa, perseverança, intensidade, aperfeiçoamento e assunção do risco.
Assumindo como “slogan” ou palavras de ordem para o Comité Olímpico Internacional (CIO), citius, altius, fortius (mais rápido, mais alto, mais forte), para o animador da chama olímpica e senhor dos anéis (Coubertin) são cinco aspectos “essenciais e fundamentais” e decorrem de três consequências. Primeira consequência: o desporto não é natural ao homem, isto é, ele está em contradição com a nomos (lei) animal do “menor esforço”. Não é suficiente fornecer-lhe as facilidades materiais. É preciso paixão e cálculo (estratégia). Segunda consequência: o carácter desportivo é susceptível de se sobrepor a todo o exercício muscular. A técnica desportiva abrange todo o domínio do exercício físico, desportivamente praticado (ginástica, esgrima, equitação, futebol, etc.). Terceira consequência: o desporto apela ao sangue-frio e à observação, isto é, faz apelo à psicologia e à fisiologia. Ele é um agente de aperfeiçoamento moral e social. A seus olhos, o valor moral do desporto é exemplar (escola de vontade, fortificador das almas e representação da versão moderna do estoicismo).
Afinando as suas análises, para o ecléctico aristocrata Coubertin, o desporto comporta três fases sucessivas. Toda a prática desportiva exige uma determinada ginástica que adapta o corpo aos movimentos necessários e cria o hábito muscular desejável. Depois, ele torna-se uma ciência: o desporto experimentado permite adquirir conhecimentos. Por fim, o desporto pode ser uma “arte” (produtor e proporcionador), pelo qual o Homem se liberta de si mesmo e liberta o seu semelhante das piores coisas, das menos dignas, das mais pesadas. Uma arte que varia segundo o grau de aperfeiçoamento daquele que o pratica. Uma arte com um lugar à parte de todas as outras. O desporto produz a beleza, pois o atleta é a escultura viva. Ele é a ocasião da beleza dos edifícios que o consagram, os espectáculos e as festas que ele provoca.
Nos propósitos gerais de Prouteau (1948, p. 207), o “desporto é o único meio de conservar no homem as qualidades do homem primitivo. Ele assegura a passagem da idade da pedra para a idade da pedra futura, da pré-história à pós-história”. As artes são sempre um bom barómetro da importância de um fenómeno no coração da civilização. Assim sendo, o desporto é um meio de expressão artística. Para além da inspiração, o desporto incute o gosto pela força, mas pela força cultivada, trabalhada, controlada e honestamente utilizada.
Na sua mensagem radiofónica (04 de Agosto de 1935), pela ocasião dos JO em Berlim, em 1936, Pierre de Coubertin associa desporto e religião, enquanto fronteira entre o sagrado e o profano. As críticas ao criador dos cinco anéis olímpicos vão-se fazer sentir. O humanismo (regeneração dos indivíduos, sobretudo dos franceses) e o universo moral proposto na sua obra Pédagogie sportive (1922) “falhou”. A necessidade de afirmação do eu, pela via competitiva, é dominante da cultura ocidental. O desporto favorece esta afirmação, no entanto, os meios para a satisfazer são de acesso cada vez mais difícil.
O desporto não é apenas portador de um ideal ético e moral. Ele é susceptível de produzir os melhores e os piores efeitos, representando um meio de cultura ou, pelo contrário, um retorno aos instintos de agressividade e ao chauvinismo. Ele pode ser o “ópio do povo”, num universo de evasão onírico.
Concentramo-nos sobre as proezas, os resultados sensacionais ou catastróficos, os recordes inacessíveis ou que são batidos, no seu humanismo, na sua mensagem de amor, na sua missão pacificadora, mas fala-se pouco sobre as suas imperfeições (excessos, lesões, violência – física, institucional e simbólica –, corrupção, dopagem, discriminação, exclusão, morte, etc.), com medo, talvez, de quebrar o “belo sonho”."
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