"D. José Tolentino Mendonça, arcebispo da Igreja Católica, director (há duas semanas tão-só) da Biblioteca do Vaticano é, hoje, para mim, um dos maiores escritores e poetas portugueses da hora que passa. Ao chegar agora a Roma, como adjunto (muito especial) do Papa Francisco já tem por si a justa auréola de uma das mais das mais destacadas figuras do mundo intelectual, em língua portuguesa. Homem de rara envergadura literária, teológica e moral, em todos os seus livros eu procuro colher, na sua finura em dilucidar situações e na sua profunda religiosidade, o sentido que dá sentido à vida. No livro da sua autoria, O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas (Quetzal, Lisboa, 2017) encontrei este texto (que assim titulou: “Crer na possibilidade de transformação”) e que reproduzo aqui integralmente: “Todos precisamos de perdão. O perdão instala um corte positivo, interrompe a baba inútil da tristeza, esta maceração que nos faz infelizes e nos leva a alagar os outros de infelicidade. Tão facilmente ficamos atolados em becos cegos, em círculos sem saída, reféns de uma amargura que cada vez vai sendo mais pesada e contamina inexoravelmente a vida. O ato de perdão é uma declaração unilateral de esperança. O perdão não é um acordo. Se me quedo à espera de que aquele que me oprimiu venha ao meu encontro arrancar-me da mágoa, o mais provável é que nada se altere. O perdão é este gesto unilateral que recusa dar voz à vingança e crê que por detrás daquele que me feriu há ainda um ser humano vulnerável, mas capaz de mudar. Perdoar é crer na possibilidade de transformação, a começar pela minha. Muitas vezes aproveitamos a dor, para nos instalarmos nela. Preferimos ficar a esgaravatar na ferida, a comer diariamente o pão velho da própria maldade, em vez de termos sede de beleza, desejo de outra coisa”.
E o texto assim finda, como manhã virgem, plantada de um complexo maravilhoso de fidelidade inata aos mais belos valores por que vale a pena viver: “As ofensas recebidas revelam-nos um duro e irónico retrato de nós. Ora, para perdoar, é preciso ter uma furiosa e paciente sede do que (ainda) não há. O perdão começa por ser uma luzinha. E é bom insistir e esperar. O Sol não brota de repente. Essa demora é uma condição da sua verdade” (p. 121). A partir do dia 5 de Setembro de 2018, a notícia tem atroado, como uma bomba, no universo do futebol português: A SAD do Benfica e o director do departamento jurídico das “águias”, Paulo Gonçalves, foram formalmente acusados de vários crimes, no âmbito do processo e-toupeira. O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa concluiu a fase de inquérito e, além da SAD e do seu responsável jurídico, também dois funcionários judiciais foram acusados (um deles exerce funções como observador de arbitragem). E o jornal A Bola (2018/9/5) amplia a notícia: “A comprovarem-se os factos, o Benfica arrisca, em caso de condenação judicial, a uma pena acessória, que pode suspender o clube da participação, em provas desportivas profissionais, por um período entre seis meses e três anos. A administração da SAD benfiquista reagiu imediatamente ao comunicado da Procuradoria-Geral ao libelo acusatório da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, considerando, neste caso, a acusação do Ministério Público “absurda e injustificada”. A acusação deduzida pelo Ministério Público é, para o Benfica, de uma confrangedora falta de rigor. Ontem mesmo, nova notícia lamentável e de uma dureza esmagadora: O Moreirense foi condenado pelo Tribunal de Santa Maria da Feira à suspensão de participação, em competições desportivas, durante um ano, na sequência de um processo de corrupção desportiva, aberto pelo Ministério Público, a 24 de Maio de 2013. O Clube de Moreira de Cónegos foi também condenado a uma pena pecuniária de 112 500 euros, por 4 crimes de corrupção, num processo que contempla ainda mais cinco arguidos…
A reflexão sobre o lugar do Desporto, na vida pública, parece-nos oportuníssima, numa época de crise, tanto nas instituições, como nas pessoas e nos valores. E em que assomam estilos populistas de fazer política, numa política, acrescente-se, pouco orientada ao bem comum. No livro, acima citado, do José Tolentino Mendonça, ressalta um texto (admirável texto!) sobre a crise: “Atravessar etapas de crise não é necessariamente mau: permite-nos um olhar a que ainda não havíamos chegado, permite-nos escutar não apenas a vida aparente, mas também a insatisfação, a sede de verdade e de sentido, e passar a assumir uma condição mais activa. Talvez precisemos de descobrir que, no decurso do nosso caminho, os grandes ciclos de interrogação, a intensificação da procura, os tempos de impasse, as experiências de crise podem representar verdadeiras oportunidades. Quanto mais conscientes dos nossos entraves, limites e contradições, mas também das nossas forças e capacidades, tanto mais poderemos investir criativamente no sentido da nossa identidade. Isso implica uma mudança de ponto de vista sobre nós próprios e o mundo, e advém daí naturalmente uma instabilidade face a modelos que tínhamos por adquiridos. Os partos indolores são uma mistificação. Quem tem de nascer prepare-se para esbracejar. Há um momento em que aprendemos que vale mais prestar atenção àquilo que em nós está a germinar, num lento e invisível e (inaudível) processo de gestação, do que àquilo que perdemos” (p. 151). O futebol português está em crise: assim desabafam os adeptos dos principais clubes portugueses, num lhano tom coloquial. Mas, segundo o José Tolentino Mendonça, se bem o li, é preciso passar pela melancolia da noite, para que o Sol volte a nascer; é preciso passar pela crise, ou até por um simples sorriso crepuscular para que, breve tempo depois, em tudo ouçamos a mensagem augural de uma grande Esperança.
Todos conhecem A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Kuhn. Também este epistemólogo perspectiva um novo paradigma, após um período de crise do paradigma antigo. E diz mais – diz que há “incomensurabilidade” entre o paradigma antigo e o novo paradigma. Folheemos, de novo, A Estrutura das Revoluções Científicas (um livro que li de fio a pavio): “A passagem de um paradigma em estado de crise a um novo paradigma donde possa nascer uma nova tradição de ciência normal está longe de ser um processo cumulativo, realizável a partir de variáveis ou de extensões do paradigma antigo. É antes uma reconstrução de todo um novo sector sobre novos fundamentos, reconstrução que modifica certas generalizações teóricas (…) e também alguns métodos e aplicações do paradigma”. Também no âmbito do conhecimento científico a crise é a antecâmara de qualquer transformação situada, encarnada, intencional, visando o nascimento de um mundo de profundo significado antropológico. Enfim, para podermos cantar os aleluias da Ressurreição, necessário se torna viver, antes, as horas difíceis de Sexta-Feira Santa. A vitória do Dr. Frederico Varandas, o candidato vencedor das recentes eleições no Sporting Clube de Portugal, não foi precedida, como o sublinhou Jaime Marta Soares, por uma das páginas mais negras da história deste Clube? A propósito do Dr. Frederico Varandas, tenho presentes as palavras do Jorge Jesus: “É um médico de extraordinário valor e um sportinguista de grande amor ao seu Clube”. E acrescentava: “Com ele, o Sporting encontrou o presidente capaz de liderar as vitórias por que esperam todos os sportinguistas”. E José Tolentino Mendonça poderá reinvocar-se, neste momento: “por detrás de tudo o que é grande, belo e verdadeiro está necessariamente o sacrifício, como disponibilidade para assumir o custo do nosso amor” (op. cit., p. 108)."
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