"O Jonas é diferente: joga como se fosse uma mentira, a mentira de quem parece que lhe falta apetite de golo, que anda a pairar sobre o campo, mas não: nunca lhe falta o apetite de golo, nunca anda a pairar sobre o campo - é como uma serpente que rodopia, traiçoeira, pelo prado, à procura do instante certo para ataque fatal, habilidoso e simples, oportunista e venenoso.
O Jackson é de outra estirpe: é como se fosse um conto, o conto em que o lobo mau se disfarça de avozinha para comer o capuchinho - o ponta de lança que se alguém prender numa prisão como Alcatraz consegue escapar de lá num golpe de magia com a baliza entre os olhos e o fogo nos pés. Também é capaz de descobrir o paraíso de bicicleta, fazendo sublime, o que fez, no domingo, ao Facchini, talvez o terceiro melhor guarda-redes da Liga. Ou de ir buscar espantos até à filosofia em voo baixo (ou não...) do Bob Pasley, o lendário treinador do Liverpool, que dizia aos seus avançados antes de os lançar o todos os seus jogos:
- Quanto estiveres na área e não souberes o que fazer à bola, mete-a na baliza que depois discutimos as opções...!
Por isso, por o Jackson ser assim, é que eu acho que se ainda houver um flanco aberto para a justiça poética lá entrar, nele ficará o único título que o FC Porto pode ganhar esta época: a Bola de Prata - pois tudo o resto Lopetegui deitou a perder. Acha?! Acha injustiça (e pouco poética) eu dizê-lo assim,nesta crueza? Eu não acho. Sabe porquê? O futebol é um jogo que se joga para se tornarem perfeitas as imperfeições - e nisso Jesus ganhou a Lopetegui. Aliás, acho mais: que, apesar do Jonas ou apesar do Jackson (ou apesar do «manto protector» que é a versão mais zangada e mais esquizofrénica do «colinho»...) - o que, na verdade, decidiu este campeonato foi, nesse jogo de tornar perfeitas as imperfeições, o Jesus compensar o ter pior plantel que Lopetegui com facto de ter sido muito melhor treinador que ele..."
António Simões, in A Bola
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