"Esta realidade significa que funcionários, magistrados ou advogados (menos hipóteses) que têm acesso aos autos passam para os media o que não deviam passar.
Como todos os portugueses têm constatado elementos cruciais dos processos penais que envolvem figuras “famosas” do país aparecem escarrapachados em jornais, revistas e televisões. Sejam processos de dirigentes desportivos, sejam outros ligados aos poderosos políticos ou à área do poder económico.
Bem podem as autoridades judiciais alegar que os processos estão em segredo de justiça. A verdade é que interceptações telefónicas, documentos, e outros meios de prova aparecem a alimentar a voracidade dos cidadãos.
Ora o Estado é uma entidade que detém o poder de reprimir o crime, de proteger os cidadãos, incluindo os arguidos, assegurando o exercício do segredo de justiça, nos casos em que ele é declarado, dado que em geral vale a publicidade do processo. Dito de outro modo: o Estado não deve falhar naquilo que são as suas atribuições, as quais foram definidas pelo legislador, o que lhe impõe essa obrigação, tendo, como se sabe, meios para fazer. E se os não tem, deve adquiri-los.
Quando o Estado não é capaz de fazer cumprir uma das obrigações mais elementares do Estado de direito democrático, a de manter em segredo indícios que levam alguém a ser constituído arguido, e permite que seja vertido na praça pública aquilo que devia estar circunscrito aos agentes da justiça, lança na comunidade a discussão destemperada em que todos opinam a partir dos elementos soltos e de pura conveniência para a investigação ou arguidos.
Esta realidade significa que funcionários, magistrados ou advogados (menos hipóteses) que têm acesso aos autos passam para os media o que não deviam passar. Há arguidos que por clubismos, outros por dinheiro, aliciaram ou tentaram aliciar quem pudesse favorecer determinados clubes. Haverá, pois, no meio judicial, quem, a troco não se sabe bem de quê, passe para os media elementos que era obrigatório estarem em segredo.
Tal situação vem demonstrar que o Estado, apesar de todos os meios de que dispõe, não é capaz de fazer cumprir um comando legal cujo impacte social é enorme. Quando o Estado não é capaz reiteradamente de fazer cumprir essa determinação significa que falha estrondosamente.
E se ao longo de décadas não é capaz de assegurar esse objectivo só tem um caminho: declarar que não é capaz. E explicar a razão de não ser capaz de assegurar o mínimo dos mínimos. Cada vez que abre um inquérito para averiguar as falhas e as violações do segredo de justiça, toda a gente vislumbra o resultado: arquivamento.
Assim sendo, o Estado, nomeadamente, por via do poder executivo (governo) deveria ter a coragem de terminar com este faz de conta. Ao manter-se a actual situação ela apenas serve para desacreditar ainda mais a justiça que já anda pelas ruas da amargura.
Sempre que o segredo de justiça envolve os grandes é desnudado na praça pública e, como fica impune, todos os que o violam se sentem aliciados a continuar. Seja por dinheiro. Seja por táctica processual. Seja pelo que seja. É uma vergonha. Dá para pensar que há quem viva nos meios judiciais deste expediente e pareça estar mais preocupado em condenar na praça pública do que Domus Justitiae.
Quantos arguidos foram condenados na praça pública de crimes gravíssimos de que mais tarde vieram a ser absolvidos?
É uma vergonha que os media possam ser uma espécie de ata onde os cidadãos se podem refastelar com os segredos que são usados como alimento das multidões e forma expedita de fazer justiça, sem a fazer .
Um Estado que no século XXI age deste modo não está em bom estado. Se os portugueses têm razões ancestrais para desconfiar do Estado, com este estado de coisas ainda ficam com mais.
Ou o Estado assegura o segredo de justiça nos casos em que deve garantir o seu cumprimento, ou então que assuma a coragem de declarar que não é capaz de fazer respeitar a Lei Fundamental e o C.P.P."
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