"Os brutos de Alcochete arriscam ser os primeiros condenados em Portugal ao abrigo da lei de combate ao terrorismo, promulgada em 2003, em companhia de Abdesselam Tazi, alegado recrutador do Daesh, detido na prisão de alta segurança de Monsanto.
O jihadista integra a militância terrorista de motivação religiosa que causou a maior parte das 142 mortes em atentados na UE em 2016, sobrelevando ameaças de separatistas, nacionalistas, extremistas de esquerda e direita, anarquistas ou agentes a soldo de serviços secretos de outros estados, de acordo com o último relatório disponível da Europol.
O marroquino, chegado a Portugal com documentos falsos em 2013, obteve asilo político e dinamizou uma célula de recrutamento a partir de Aveiro, viajando por países como Brasil, Reino Unido, Holanda e Espanha até ser detido em 2016 na Alemanha por fraude informática com cartões de crédito.
Extraditado, Tazi foi acusado "pela prática de: - Um crime de adesão a organização terrorista internacional - Um crime de falsificação com vista ao terrorismo - Quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo - Um crime de recrutamento para terrorismo - Um crime de financiamento do terrorismo", conforme comunicado do Ministério Público de 23 de Março.
No ano passado, o holandês de origem angolana Her Calunga Gima envolvido em movimentos jihadistas na Holanda, Turquia e Síria e detido no aeroporto de Lisboa em 2014 junto a um avião da TAAG na posse de arma branca, foi, por sua vez, ilibado dos crimes de crimes de adesão e apoio a organizações terroristas e terrorismo internacional.
A condenação a quatro anos e meio de prisão efectiva contemplou apenas os crimes de atentado à segurança de transporte do ar e posse de arma branca constantes da acusação do Ministério Público.
Uma lei ambígua
Apesar da perplexidade que possa causar, a acusação de terrorismo a 23 membros da Juventude Sportinguista tem, contudo, fundamento na Lei n.º 52/2003, aprovada na ressaca dos atentados da Al-Qaeda nos Estados Unidos e na alteração de 2015 ao Código de Processo Penal.
A definição de acto terrorista inclui, n.º 1 do artigo 2.º da Lei 52/2003, o "intimar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante: a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas".
Ora, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa afirma ter recolhido "fortes indícios de que os arguidos agiram de forma concertada e previamente planeada de modo a intimar gravemente e causar receio pela própria vida, ao grupo de jogadores e técnicos da equipa de futebol do SCP, fazendo-o através da prática de crimes com perigo para a integridade física, com sequestro, por meio de uma actuação em grupo especialmente violenta", segundo comunicado de 22 do corrente.
Seria de presumir que a legislação de combate ao terrorismo fosse precisa e circunscrita a motivações de subversão, intimidação e violência extremas tendo em conta o historial terrorista em Portugal desde 1974 que passa por extremismo de direita, incluindo separatistas açorianos e madeirenses, e esquerda, atentados perpetrados contra alvos palestinianos, turcos e israelitas.
Há, ainda, registo de assassinatos políticos, caso de Evo Fernandes da Renamo, em 1988, estabelecimento de células separatistas bascas e galegas, além da participação de portugueses na violência anti-ETA dos Grupos Antiterroristas de Libertação patrocinados clandestinamente pelo governo de Felipe González.
As finalidades
Ao tipificar o crime de terrorismo, o Código Penal espanhol, por exemplo, enumera (artigo 573.º) as "finalidades" onde sobressaem, nomeadamente, a subversão da ordem constitucional, supressão ou destabilização grave do funcionamento das instituições do Estado, alteração grave da paz pública, destabilização do funcionamento de organização internacional ou provocar o estado de terror na população ou parte dela.
A opção legislativa espanhola permite, assim, circunscrever de modo mais preciso o crime de terrorismo, acto extremo de intimidação e extermínio, em regra de matriz étnica, religiosa e política.
Tendo em conta o rol de conexões, incluindo financiamento e apologia do terrorismo, que a acusação do Ministério Público acarreta, é de crer que o debate sobre a legislação de combate ao terrorismo e sua jurisprudência venha finalmente a ganhar o devido relevo."
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