"Viajar tem sido, para mim, ao longo de tantos anos, uma actividade frequentemente solitária
Penza – Viajo à noite. Uma lua amarelenta dependurada nos céus da Mordóvia enquanto o carro vai devorando quilómetros de uma estrada esburacada envolta num universo sem estrelas. Vamos calados e cansados. Do trabalho e dos caminhos esconsos. De vez em quando uma raposa serpenteando na berma, de outra talvez apenas um gato pelo reflexo dos olhos.
Fico absorto em pensamentos recentes misturados com fluxos de memórias. Há ainda toda a movimentação do jogo de Saransk e aquela inquietação do que foi escrito e ficou por escrever por via da pressão do fecho do jornal. Gosto de trabalhar sob essa pressão, sempre gostei, mas há coisas que me fugiram por entre os dedos e pelo meio das teclas do qwert. Por isso calo-me. Encaixá-las-ei em crónicas que já me surgem quase completas, de supetão.
Viajar tem sido, para mim, ao longo de tantos anos, uma actividade frequentemente solitária. Gosto de estar sozinho, gosto de percorrer o mundo de mão dada comigo próprio. Foi sozinho que tropecei em dezenas de estações de comboio na Índia, de Amritsar a Tiravannatapuran, de Bhuj e Rajkot a Kishanganjo; foi sozinho que atravessei a Indonésia e cheguei a Timor; foi sozinho que aprendi as estradas poeirentas de Bobo Diolasso a Ougadougou, de Saly Portugal a Ouidha, de Timbuktu a Lomé.
O meu querido amigo, irmão, José Manuel Mesquita é, certamente, a pessoa que mais viajou a meu lado. Como companheiros muito antigos, aprendemos desde miúdos, a importância do espaço de cada um. De vez em quando dizíamos qualquer coisa para nos sentirmos à distância curta de uma palavra; ou então não dizíamos nada para nos sentirmos à distância ainda mais curta de um silêncio."
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