"Catarina Costa teve o azar de ser a primeira atleta portuguesa a entrar em ação nos Jogos Olímpicos. Os ansiosos adeptos da competição ainda estavam a sacudir o pó a três anos de espera. A judoca não teve uma prova de sonho. Na segunda eliminatória da categoria de -48kg, ainda pelo fresco da manhã, acabou derrotada pela paraguaia Gabriela Narvaez. Dois combates e todo o trabalho para chegar a Paris esvaziou-se sem recompensa. Digamos que até podia ter sido pior. No judo, existe a possibilidade de um atleta ser projetado para fora de cena em meros segundos, mas sabemos como são os críticos: olham sempre para o copo meio vazio.
No exercício masoquista de espreitar os comentários das publicações que iam divulgando a eliminação de Catarina Costa pelas redes sociais, foi fácil encontrar quem lhe atirasse à cara a ousadia de, antes de competir, ter falado na possibilidade de chegar às medalhas. O escárnio chegava ao ponto de questionar a ambição da atleta que, em Tóquio, ficou em quinto lugar. Felizmente, todos os críticos eram especialistas em judo, o que dá a Portugal boas perspetivas quanto ao futuro da modalidade (neste espaço, é igualmente permitido recorrer à ironia).
Também nos -48kg estava a competir Shirine Boukli. Por cada vez que combateu, recebeu uma overdose de entusiasmo contagiante. Tratava-se de uma onda de aplausos e gritos que nascia na última fila de cadeiras e desaguava no tatami onde arrecadou a medalha de bronze. O ambiente fervoroso era percetível na televisão, mas o Pedro Barata, o enviado da Tribuna Expresso aos Jogos Olímpicos, teve a lupa apontada aos detalhes da Arena Champ de Mars.
Sim, Shirine Boukli é francesa e isso foi condição primordial para ter o pavilhão do seu lado. Agora, coloquemos a situação noutra perspetiva. Num cenário hipotético, imaginemos que, amanhã, Portugal recebe os Jogos Olímpicos. Faz um investimento brutal em infraestruturas e condições logísticas e o mito acontece. Dá para imaginar mais de 8.000 portugueses a vibrarem com um combate de judo?
Portugal refastelou-se em cima de uma cultura desportiva unidimensional. Todas as modalidades, que não o futebol, são menosprezadas e, curiosamente, é aos intervenientes do desporto-rei que são permitidos mais deslizes (de toda a ordem, mas foquemo-nos nos técnico-táticos). E é aqui que se torna injustificável qualquer nota negativa à prestação de Catarina Costa, aspirante a médica e também judoca. É que apontar o dedo ao resultado menos bom de Catarina ou de qualquer outro atleta olímpico é apontar o dedo à cultura desportiva com palas, nada panorâmica ou abrangente, que pouco oferece e espera muito receber. Apontar o dedo a Catarina é dar com ele na nossa própria testa. É um inconsciente assumir de responsabilidades pela reduzida atenção que o país dá aos desportistas. Limitemo-nos assim a não perturbar o momento alto das suas carreiras.
Há o caso de Catarina Costa, mas não só. Há o caso de Ana Cabecinha, que foi mãe há três meses e vai participar na marcha. Ou o caso de Irina Rodrigues que vai desfalcar as escalas de médicos do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira para estar em Paris. A seleção de futebol, a quem todas as benesses são concedidas, mais uma vez, não está nos Jogos Olímpicos.
Por mais ou menos apreciadores que reúnam, os resultados vão aparecendo. Nelson Oliveira, no ciclismo de estrada, conquistou o primeiro diploma olímpico com o sétimo lugar no contrarrelógio. Os méritos não chegam ao ritmo dos Estados Unidos que terminaram o segundo dia de Jogos com 12 medalhas. Para isso, seria sempre necessário que os petizes tivessem acesso a uma oferta desportiva diversificada e cativante. Veja-se o caso de Chase Budinger, o norte-americano que jogou na NBA e hoje é atleta olímpico graças ao voleibol de praia, porque, em jovem, praticou as duas modalidades. Talvez um dia lá cheguemos."
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