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segunda-feira, 15 de maio de 2023

Depressa e bem, há mesmo quem: o Benfica acelerou-se contra a ânsia do título


"Marcou cedo, quis e quase marcou mais ainda cedo e rapidamente reagiu quando o Portimonense ainda ameaçou que o jogo poderia ser diferente. Intenso, vertical e com Neres e Grimaldo como melhores amigos a inventarem jogadas de perigo, o Benfica foi ao Algarve - terra do adolescente João Neves, feito o motor da equipa - golear (1-5) e ficar a apenas uma vitória da conquista do 38.º título de campeão nacional

Há mais de minuto e meio que Grimaldo levantara o braço, o sol a bater-lhe na cara, ele a olhar para trás, encadeado à procura do árbitro enquanto corria esperançosamente com a celebração já a aquecer no forno, e o estádio ainda em suspenso. Havia uma bruma de silêncio e o plano da televisão insistia em enquadrar Artur Soares Dias quando o árbitro apitou, esticou um braço em cima e apontou o outro para o meio-campo, coreografando o golo no qual o espanhol confiava apesar do resvés entre a bola, a linha de baliza e o guarda-redes Nakamura. De repente, e só à segunda, o estádio em Portimão rugia em erupção.
Uma moderna jogada, modernizada por um lateral esquerdo enfiado na confusão do meio-campo, na construção de uma jogada, a pedir um passe por dentro e a zarpar numa diagonal do meio para fora, a ser sucedida por uma lupa moderna (o VAR) que originou esta modernice de um golo, hoje em dia, pode ser celebrado mais do que uma vez, dava ao Benfica uma almofada madrugadora. Quatro minutos e já sacudia possíveis nervos de ocasião, ansiedades cénicas, arrelias pelo que estava em jogo. A intenção parecia mesmo ser matar cedo essa inflação.
A adolescência de João Neves já ameaçara, contra um poste, antes de Grimaldo correr campo fora, cruzar atrasado, João Mário lançar Aursnes e o improvisado lateral cruzar a devolução para o remate do espanhol ser correspondido já dentro da baliza por Nakamura. As bancadas apinhadas de vermelho rejubilavam, as gentes nos terraços de prédios altos nas redondezas também. A romaria de um Benfica iminente elevava os sentimentos à temperatura da fervura e o mesmo João Neves ameaçou num canto curto trabalhado por Grimaldo, depois seria Neres, de tabelinha em tabelinha, a rematar cruzado e ainda se viu a ousadia de Gonçalo Ramos em atirar à barra da baliza que via lá bem ao longe.
Parecia o Benfica urgir-se com uma vontade de tudo querer fazer depressa e bem, de arrepiar caminho em qualquer posse de bola para forçar contrapés na organização defensiva do Portimonense e impedir que os algarvios se fechasse lá atrás, num bloco baixo dos que lhe evidenciaram carências neste último terço do campeonato. Quando Filipe Relvas cortou, de cabeça e na área, a bola depois recolhida por João Mário, que a cruzou de novo e rasteiro para o defesa, com os apoios virados à sua baliza, a cortar em auto-golo (25’), a propositada urgência dos encarnados era recompensada. Pareciam ter noção de onde residiam as fragilidades que este contexto de estar tudo a pensar no mesmo lhe causava.
O Portimonense de Paulo Sérgio, um dos treinadores mais longevos num clube da I Liga, também o sabia, ao pressionar sagazmente o portador da bola quando o Benfica concentrava pequenos passes de um lado e rodava um passe para o flanco contrário. Assim roubou a bola que originou a falta cobrada em cruzamento para a área onde a atrapalhação os beneficiou: a cabeça de Pedrão tentou, não desviou a bola que Morato tão pouco atacou, mas amorteceu com o corpo para o médio brasileiro rematar essa sobra. Yony González já antes cabeceara uma tentativa a rasar a barra no espaço entre António Silva e Aursnes onde os anfitriões viam vantagens para o cruzamento ou saídas rápidas em contra-ataque no desábito do norueguês à posição de lateral.
O fogo nas ações dos jogadores do Benfica ateou-se novamente, era tempo de dar corda às chuteiras para nem dar tempo a estas arrelias e Gonçalo Ramos deu essa chama, ao dobrar a espinha do central Park duas vezes na mesma jogada para rematar contra Nakamura. Só depois, já a cheirar a intervalo, o avançado matou a sua seca pessoal de seis jornadas sem golos quando uma bola roubada por Chiquinho a meio-campo foi conduzida por Neres até o brasileiro soltar no português, já na área. A simulação na recação para rematar ao segundo toque de Ramos expunha a queda para o erro dos médios do Portimonense, que jogavam aquém do oxigénio que as receções de Yago Cariello davam à equipa, guardando bolas lá na frente.
Essa aptidão do ágil brasileiro, rápido a decidir o que fazer aos tesouros que protegia de costas para a baliza, esvaneceu ainda antes da hora de jogo. Foi engolido pelo prolongamento da vida das jogadas do Benfica que encolhiam a equipa do Portimonense e deixavam Yago a perseguir sombras sozinho. Quem corria de encarnado continuou a apoiar-se no pára-arranque de David Neres, especialista naquele estilo de finta que espera até o adversário estar colado a ele para, de repente, lhe fugir com esse engodo.
Tê-lo na esquerda com as invenções de Grimaldo a virem de trás, as tabelas ou diagonais curtas de Rafa, mais Gonçalo Ramos a oferecer-se em apoio, continuou a azucrinar a última linha dos algarvios. O brasileiro rematou e o português que correr em bicos dos pés também e para dentro da baliza, mas seria anulado por fora de jogo (já outra bola o fora na primeira parte). Em ambas as tentativas, a origem de tudo foi uma jogada tricotada pela esquerda, de onde o lateral canhoto ainda viria para martelar uma das suas bolas secas e sem efeito de longe - o japonês Nakamura voou para a desviar.
O ritmo do jogo abrandaria para surpresa de vivalma, provavelmente pela sapiência dos jogadores do Benfica, sensíveis à quebra de capacidade dos adversários. Ao Portimonense sobraram saídas curtas de trás, para os centrais, que viam todas as soluções de passe apoiado tapadas e redundaram a suas opções no passe longo. A previsibilidade da falta de ideias tornou, com os minutos, os algarvios numa equipa inoperante. Apenas tarde, aos 85’, tiveram uma saída que soube farejar o espaço pela relva e Paulo Estrela cruzou largo para só uma correria de Aursnes evitar que Yony tivesse um remate nas barbas da baliza.
Essa singela aproximação do Portimonense foi matreira e, talvez, dona de uma mão demasiado pesada a espalmar os anfitriões contra o seu relvado. Logo no canto, o Benfica apertou de novo o seu gatilho da rapidez, reciclou rapidamente a segunda balou e Rafa foi lançado na transição e perseguido por uma vontade em particular - Petar Musa, entrado há segundos em campo, sprintou de uma área à outra para o português lhe servir um golo. Duas voltas ao relógio depois, Nakamura amanteigou as mãos num cruzamento de Grimaldo e lá estava o croata à sua beira para ter outro golo fácil.
Foram cinco a encher a mala com que o Benfica saiu de Portimão, envolto numa cacofonia de festejos solta no humilde estádio. A uma hora de lá nasceu, no sotavento algarvio, o pequeno e impecavelmente aprumado João Neves, cuja segunda parte mostrou mais uma vez a valia do médio que sempre jogava com a camisola escondido dentro dos calções e empresta à equipa uma rotação constante nas suas ações. Com Florentino a escudá-lo desde o intervalo, o médio soltou os ânimos e com eles encontrou a tranquilidade ter muito mais acerto nas receções, toques e passes a lançar gente que foram alimentando o Benfica.
O rugir do público e o mais comedido dos seus jogadores, no final, escondia um suspiro de alívio. Todos se alinharam virados para a bancada central do estádio para aplaudir o êxodo encarnado e todos reconhecerem a fragrância que não é inevitável, mas já lhes entra pelas narinas: o Benfica está a uma vitória de ser campeão nacional pela 38.ª vez. E em Portimão mostrou que está com pressa."

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